Pinta desde que se conhece, tenra idade, portanto. Das migrações aos retratos, do corpo à multiculturalidade, Manecas Camelo descobre-se frente a frente com a pintura num processo criativo “honesto e libertador”, que o consagra um dos principais artistas plásticos da cena bracarense. Aos 58 anos, Camelo “ataca” quadros com traços explosivos e soltos que são marca-de-água do seu trabalho.
É uma pessoa espontânea, atesta quem o conhece. Ultimamente é professor de disciplinas do currículo artístico na escola secundária de Vila Verde, mas pintor foi-o toda a vida. “Só paro de pintar quando deixar de ver”, confessa antes de deambular pela morte, pelas migrações, pelo corpo da mulher, pela riqueza de dezenas de personagens do último quadro: “O burro, o palhaço, o observador, a mãe a amamentar, os fantasmas estão lá todos”.
Nalgumas das galerias mais conceituadas de Braga, o artista expõe e expôs, como na Zet Gallery ou na Casa dos Crivos. Recentemente, os retratos híper expressivos de lendas do Rock, volumosos e acentuados, compuseram a série de obras mais popular produzida por Camelo que colocou alguns retratos na Saatchi Gallery, em Londres.
Não só os retratos, como as paisagens aprofundadas a espátula, os desenhos crus a tinta-da-china, ou os corpos definidos e cromados intensamente, são parte substancial da bagagem que carrega de cada vez que muda de pouso.
O seu estúdio instalar-se-á novamente no rés-do-chão de um bar no centro histórico de Braga, “Setra”, para estabelecer uma “galeria de autor”. “Irei também apresentar trabalhos de outros artistas porque há falha de galerias na cidade. De certa forma, há falta de locais onde os artistas possam expor as suas obras. Há pouca iniciativa privada”, afirma.
Critica a censura, o revisionismo histórico e o preconceito cultural na produção artística, que contagia a europa: “a escravatura foi uma parte do passado, do meu passado, se a houve eu quero vê-la, quero senti-la, por isso é um disparate a polémica dos quadros na Assembleia da República”.
“A única que coisa nova que posso trazer para a pintura é a minha identidade, na verdade descubro-a através da pintura. É isso, a pintura honesta. De resto, só comecei a expor mais, quando me disseram para não ser egoísta”, relembra Manecas Camelo, sobre o radical da sua produção cultural.
“No início tinha pouco dinheiro para tinta, por isso utilizava matéria e era tudo à base de colas e de tecidos. Já pintei a óleo, mas a essência de terebentina dava-me umas dores de cabeça medonhas, e agora utilizo acrílico”, recorda sobre as técnicas plásticas que empregou nos últimos 30 anos.
“A pintura é um ato isolado, apesar de eu já ter feito performances de pintura ao vivo, mas prefiro pintar só, e há telas mais difíceis do que outras, tenho algumas paradas há anos. Falta-lhes qualquer coisa”, explica quanto a um método de criação que não tem “segredos”. “Já está tudo inventado”.
No dia 17 de dezembro, figuras africanas criadas antes da pandemia estarão patentes no Vila Galé e em março na Universidade do Minho. A série que Manecas desenvolve atualmente apelida-a de “Multiculturalidades”, que vem do lastro das “Migrações”, produto do contacto entre povos.
“O que nos diferencia dos outros animais não é a razão, é sabermos criar”, atira Camelo antes de deambular pela morte, pelas migrações, pelo corpo da mulher, pela riqueza das dezenas de personagens do último quadro “o burro, o palhaço, o observador, a mãe a amamentar, os fantasmas que estão lá todos”.