André Ventura e os deputados eleitos Rui Paulo Sousa e Filipe Melo afinal serão mesmo julgados pelo crime de desobediência devido ao polémico jantar, em Braga, durante o pico da pandemia de covid-19, quando o país se encontrava em estado de emergência. Será igualmente julgado o casal dono do restaurante, Secundino e Teresa Azevedo. O MINHO explica o porquê de nova reviravolta judicial.
Em causa estava a eventual despenalização da conduta reconhecida pelos cinco arguidos, segundo os quais, com o jantar-comício, de 17 de janeiro de 2021, não teriam consciência da ilicitude da prática do crime de desobediência, dada a lei nova que passou a considerar como contraordenação o que antes era criminoso, uma tese invocada já recentemente pelo próprio Ministério Público, mas que não teve qualquer acolhimento do Tribunal de Braga.
A juíza de instrução criminal, Ana Paula Barreiro, da Comarca de Braga, considerou que as novas leis para conter a propagação da pandemia, que proibiam expressamente jantares em restaurantes mesmo no regime de exceção para as atividades das campanhas eleitorais, não só nunca revogaram tais leis anteriores, como até foram reforçadas, “com as medidas draconianas” depois aditadas, pelo que houve mesmo crime de desobediência e com dolo.
No despacho de pronúncia, a que O MINHO teve acesso, a magistrada judicial, Ana Paula Barreiro, é muito clara ao explicar que o decreto presidencial até “reavivava a cominação criminal” da lei que regula os estados de sítio e de emergência, datada já do ano de 1986, “destinada a tornar efetiva a lei em causa, numa circunstância absolutamente premente e excecional, que não se afasta por lei posterior, ainda que prevista numa contraordenação”.
Ministério Público já tinha recuado
E tudo isto ao contrário do defendido pelo Ministério Público, no debate instrutório, em que até o procurador-coordenador do Juízo de Instrução Criminal (JIC) de Braga, Ramiro Santos, tinha retirado a acusação que o próprio havia feito.
Dando uma volta de 180 graus, considerava que a conduta dos cinco arguidos fora despenalizada com a lei nova, pois passou a ser contraordenação, mas nem esta seria para aplicar, porque ainda não estava em vigor, isto é, na prática, tudo ficaria impune, não havia penas nem coimas para a desobediência.
No caso concreto, as exceções para as campanhas eleitorais eram para comícios somente em espaços fechados se se tratasse de auditórios, pavilhões de congressos, salas polivalentes ou de conferências e pavilhões multiusos, expressa a juíza, salientando que aquando do jantar-comício no Solar do Paço, em Braga, o problema não foi ter sido no salão de festas.
Jantar não cumpriu o distanciamento
“O problema foi o jantar que ali realizaram, obviamente sem máscara, durante a refeição, em ambiente de proximidade física, o que obviamente não permitia o cumprimento das regras sanitárias, nem evitava a propagação da doença”, isto “ao contrário do que invoca o arguido André Ventura, no seu requerimento de abertura de instrução”, após a acusação.
“Acresce que os arguidos escamoteiam que o objetivo do Estado, nesse período 15 dias, era controlar a propagação do vírus e evitar a rotura do Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo que concluir por interpretação restritiva de uma norma de exceção seria inadmissível no contexto do estado de emergência que se vivia”, salienta a juíza de instrução criminal.
Tal como em relação à perspetiva do Ministério Público, caíram assim por terra todas as argumentações dos três advogados de defesa, António Pragal Colaço (André Ventura), Marta Cerqueira Gonçalves (Rui Paulo Sousa e Filipe Melo) e A. Rocha Pinto (Secundino e Teresa Azevedo), segundo os quais não só teria havido uma despenalização (o que é já rejeitado pela juíza de instrução criminal, Ana Paula Barreiro), mas também pelo alegado desconhecimento da ilicitude por parte de todos os cinco arguidos, uma vez que se constata não só terem já à data dos factos a plena consciência da ilicitude dos seus atos, contrários à lei excecional, atuando com dolo, segundo o Tribunal de Braga.
Sucede, além do mais, que tratando-se de leis temporárias, criadas expressamente para as situações de alerta, contingência, calamidade ou guerra, a legislação continua a ser sempre aplicável mesmo após deixarem de vigorar, para punir os criminosos, pois caso contrário, situações como o açambarcamento, por exemplo, nunca chegariam sequer a ser punidas.