Muitas têm sido as notícias veiculadas nos últimos dias sobre o uso de máscaras em crianças, tendo como referência um comunicado recente da OMS. Infelizmente não tenho visto essa informação a ser passada de forma honesta pelos órgãos de comunicação social, a começar pelos títulos de jornais que diziam que aquela entidade “recomendava o uso de máscara acima dos 6 anos”, sendo essa informação falsa pois a OMS nunca fez essa recomendação.
O que se sabe sobre covid-19 em idade pediátrica?
Segundo a OMS, não é totalmente compreendido até que ponto as crianças contribuem para a transmissão do SARS-CoV-2. O que se sabe é que a percentagem de crianças infetadas até ao momento é muito reduzida e que, em idade pediátrica, a covid-19 é uma doença benigna. Segundo o Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças (ECDC), apenas 4% de todos os casos confirmados na EU/EEE e no Reino Unido eram crianças. Esta baixa prevalência não justifica, portanto, todo o alarmismo em volta da reabertura das escolas.
Até ao momento, as evidências disponíveis sugerem que a maioria dos casos relatados entre crianças resultou de transmissão dentro das famílias. Embora estudos recentes pareçam indicar que crianças sintomáticas possam ter níveis de carga viral considerados semelhantes aos dos adultos, as evidências de estudos disponíveis sugerem que as crianças não são as principais causadoras de transmissão de covid-19, logo não é honesto concluir que existe uma relação direta entre carga viral e potencial de transmissão. Aliás, até ao momento, nenhum estudo mediu essa transmissibilidade, pelo que não se pode dizer que as crianças contagiam tanto ou mais do que os adultos porque isso é falso e promove uma cultura de medo numa altura em que é importante que as famílias e as comunidades educativas estejam tranquilas com o regresso às aulas.
Não há evidência científica que justifique o uso de máscaras em crianças Segundo a OMS, as evidências sobre os benefícios do uso de máscaras em crianças para atenuar a transmissão da covid-19 são ainda limitadas, pelo que não se podem tomar decisões sobre o seu uso sem fundamento científico.
Alguns estudos mencionados pela OMS constataram que a aceitabilidade do uso de máscara diminui consoante o tempo de uso das mesmas, ou seja, quanto mais tempo seguido é usada a máscara, mais intolerável ela se torna para as crianças.
Fatores como o calor, a irritação, a dificuldade respiratória, o desconforto, a distração, a baixa aceitação social e o mau ajuste da máscara foram relatados por crianças ao usarem máscaras de forma prolongada.
No que respeita ao impacto das máscaras durante as brincadeiras e atividades físicas, embora não haja estudos em crianças, um estudo em adultos descobriu que o respirador N95 e as máscaras cirúrgicas reduziram a capacidade cardiopulmonar durante esforços físicos, pelo que se considerou desaconselhado o seu uso nestas situações.
O que recomenda a OMS, afinal?
De acordo com a evidência disponível, crianças pequenas têm menor susceptibilidade à infeção em comparação com adultos e baixo nível de transmissibilidade, não tendo até ao momento um papel importante na propagação do vírus.
O uso de máscaras em crianças deve ser ponderado atendendo aos danos potenciais que o seu uso contínuo pode acarretar, tais como a sua viabilidade e desconforto, o bem-estar emocional e social da criança e tendo em consideração questões de comunicação (que ficam comprometidas com o uso contínuo de máscara).
Desta forma, a OMS vem alertar para a formulação de políticas pelas autoridades nacionais que respeitem os princípios gerais de saúde pública e sociais, tais como:
• Não causar danos à criança: o melhor interesse, a saúde e o bem-estar da criança devem ser priorizados.
• Não causar impacto negativo sobre os resultados de desenvolvimento e aprendizagem.
• Considerar a viabilidade de implementar recomendações em diferentes contextos ou grupos específicos.
A OMS e a UNICEF aconselham aplicar os seguintes critérios para a decisão sobre o uso ou não-uso de máscaras em crianças:
Crianças até cinco anos não devem usar máscaras, atendendo:
• aos marcos de desenvolvimento da infância;
• aos desafios de conformidade;
• à autonomia necessária para usar uma máscara corretamente.
Para crianças entre 6 e 11 anos, devem ser seriamente ponderados os riscos/benefícios acerca da decisão de usar ou não usar uma máscara. Essa decisão deve ter em consideração:
• a intensidade da transmissão na área onde a criança se encontra e as evidências disponíveis sobre o risco de infeção e transmissão nesta faixa etária (atualmente, os dados apontam para um baixo risco);
• o impacto negativo do uso contínuo de máscara no bem-estar emocional e social da criança, na sua aprendizagem e no seu desenvolvimento integral;
• a capacidade e a maturidade da criança para cumprir o uso apropriado de máscaras e a disponibilidade de supervisão apropriada de um adulto (considera-se que abaixo dos 12 anos essa maturidade não está totalmente adquirida pelo que o uso contínuo e errado de uma máscara poderá aumentar o risco de infeção em vez de o diminuir);
• as adaptações para ambientes específicos, como escolas, atividades desportivas ou para crianças com deficiência ou com doenças pré-existentes.
Acima dos 12 anos, a OMS recomenda que se sigam as orientações para uso de máscaras em adultos.
No entanto, apelam à necessidade de se fazerem adaptações para ambientes especiais como escolas, durante o desporto ou para crianças com deficiências ou com doenças pré-existentes.
A OMS alerta que para crianças de qualquer idade com distúrbios de desenvolvimento, deficiências ou outras condições de saúde específicas que possam interferir no uso da máscara, o uso de máscaras não pode ser obrigatório e deve ser avaliado caso a caso pelo educador da criança pelo seu médico.
Em alguns países europeus o ano letivo já iniciou. Nas próximas semanas, os restantes países farão o mesmo. A maioria optou por retomar o ensino presencial para todos os níveis de ensino, flexibilizar as medidas de distanciamento físico, recomendar as máscaras acima dos 12 anos, criar circuitos de movimentação de alunos e desfasar os horários de intervalo e refeições para evitar grandes aglomerados. A grande prioridade será atribuída às medidas básicas de higiene (tais como lavagem frequente de mãos), soluções desinfetantes à disposição de todos, reforço na limpeza e higienização dos espaços, ventilação adequada e aposta no ar livre.
As crianças precisam de voltar à escola! A escola não é apenas um lugar… é parte de quem a criança é e se vai tornar. E por isso não podemos sobrepor questões sanitárias ao seu bem-estar psicossocial e desenvolvimento integral. Não existe evidência que justifique o benefício da adoção de medidas restritivas da infância para a contenção da covid-19, mas estou certa de que essas mesmas medidas têm potencial de causar danos para a saúde mental das crianças e isso sim podemos evitar!!
Fonte da OMS: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-IPC_Masks-Children-2020.1
Zulima Maciel
Psicóloga Clínica e da Saúde
Mestre em Experiências Adversas na Infância e o seu Impacto na Vida Adulta, pela Universidade do Minho.
Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Ordem dos Psicólogos Portugueses
Membra Efetiva da Ordem dos Psicólogos Portugueses
Membra do Diretório Europeu dos Psicólogos Qualificados pela Federação
Europeia das Associações de Psicologia.