O adro da igreja de Tagilde, no concelho de Vizela, voltou a receber, hoje, como há 650 anos atrás, D. Fernando I, D. Leonor e o representante de João de Gante, Duque de Lencastre, filho de Eduardo III de Inglaterra. Tratou-se da reconstituição histórica do Tratado que leva o nome da freguesia e abriu portas à Aliança Luso-Britânica, a mais antiga do mundo.
O acontecimento que reuniu, em Tagilde, o secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa, Mário Campolargo, o embaixador do Reino Unido, Chris Sainty, o presidente da Câmara de Vizela, Victor Hugo Salgado e a presidente da Portugal-UK 650, Maria João Araújo, encarregada das comemorações. Contudo, este momento foi apenas a apoteose de um conjunto de mais de 120 iniciativas diversas, em Portugal e também no Reino Unido.






Além das entidades oficiais, acorreram ao centro da freguesia inúmeros populares, atraídos pela decoração medieval e pelos animadores. Houve cavaleiros e trovadores, jograis e vendedoras ambulantes. O próprio embaixador inglês não escapou aos foliões e viu-se obrigado a dançar uma modinha.
Importante para populares e académicos
Na aldeia, embora poucos saibam explicar a real importância do documento que ali foi assinado, todos reconhecem que é “coisa” importante para a terra. O padrão em frente à igreja de São Salvador de Tagilde, na rua do Tratado da Aliança não deixa dúvidas relativamente à importância identitária deste momento da História de Portugal para as gentes do lugar.

“É um tratado realmente muito importante porque lança as bases para uma série de outros documentos que forjam a mais antiga aliança diplomática, continua, ainda válida, no mundo”, explica a investigadora da Universidade do Minho Alexandra Rodrigues Araújo. “O documento esteve, durante muitos anos perdido, embora se encontrassem referências a ele nas crónicas e em outros tratados. Até que, em 1940, um historiador da Universidade de Oxford, encontrou o documento nos National Archives, embora o documento português continue desaparecido”, esclarece.








Uma marca identitária para Vizela
Foi uma cópia deste documento, guardado em Londres, que Victor Hugo Salgado trouxe para Vizela e foi hoje exibido em Tagilde. “Apesar de Vizela ser, agora, um município jovem, com apenas 24 anos, o território já tinha sido concelho, entre 1361 e 1408, com o nome de Riba Vizela. Isso quer dizer que este Tratado foi assinado no nosso concelho”, sublinha o autarca. Ana Costa, de 87 anos, que nasceu e sempre viveu em Tagilde, afirma que já quando era pequena, na doutrina, o padre explicava que ali tinha acontecido um momento muito importante da História de Portugal. “Foi o Tratado da Aliança”, afirma, “está ali uma pedra e tudo”.

A padrão de que fala Ana Costa foi ali colocado em 1953, 13 anos depois do documento ser identificado em Inglaterra. A própria igreja onde aconteceu a assinatura, a 10 de junho de 1372, já não é mesma que agora vemos no lugar, construída no século XVIII. Mas nada disso importa quando as delegações chegam a cavalo, precedidas pelos estandartes dos reinos de Portugal e de Inglaterra.
Ana Costa protege-se à sombra da igreja, outros populares procuram abrigo debaixo das oliveiras, com mais sorte que as entidades oficiais e os convidados que suportam o calor do verão português à hora do meio-dia. A recreação dura apenas alguns minutos e arranca algumas gargalhadas quando o representante dos ingleses começa a falar em inglês, mas depois muda para um português com pronuncia inglesa.








O secretário de Estado, Mário Campolargo, em representação do Governo, fala de “um tratado de paz e amizade renovado ao longo de anos” e lembra a ligação de Portugal à Casa de Lencastre, pela mão de D. Filipa, mãe da ínclita geração de que falava Camões. Mário Campolargo lembrou a atualidade desta união entre os dois países, referindo a recente declaração conjunta sobre cooperação bilateral, assinada por Boris Johnson e António Costa, no passado dia 13 de junho.




“Estes são apenas os primeiros 650 anos”
O embaixador do Reino Unido afirmou que “estes são apenas os primeiros 650 anos” e enumerou o apoio à Ucrânia, a proteção do Oceano, do Atlântico em particular, os futebolistas portugueses na Premier League, os portugueses que trabalham no Reino Unido e os turistas britânicos que escolhem, “e bem”, Portugal, como algumas das muitas coisas que nos unem.
“Tenho uma sensação de dever cumprido. As comemorações do Tratado de Tagilde tornaram-se um evento nacional”, afirmou o presidente da Câmara. No final, Victor Hugo Salgado, confessou que o evento só pecou pela falta do Presidente da República e lançou o convite a Marcelo Rebelo de Sousa para estar presente nas comemorações dos 25 anos do concelho de Vizela, no próximo ano.