Dois arquitetos da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte /CCDRN) reiteraram a sua convicção quanto à ilegalidade das várias vivendas construídas ao longo dos últimos anos, nas imediações da Albufeira da Caniçada, em Vieira do Minho, referindo que a existência de construções antigas não é compatível com a dimensão das novas casas, até porque seriam currais e não habitações, pelo que no seu entendimento nunca haveria assim lugar a direitos adquiridos.
A questão central é que aquela zona, situada nas freguesias confinantes de Louredo e de Cova, do concelho de Vieira do Minho, na margem esquerda do rio Cávado, só permite construções e mesmo assim com muitas condicionantes de espaço, das dimensões de eventuais novas moradias, se já houve casas ou existem ainda as respetivas ruínas, única hipótese para tais direitos adquiridos surtirem efeito, dispensando licenças das entidades centrais, só do Município de Vieira do Minho.
Tudo porque trata-se de uma área triplamente protegida, pela Reserva Agrícola Nacional (RAN), pela Reserva Ecológica Nacional (REN) e pelo Plano de Ordenamento da Albufeira da Caniçada (POAC), este último ordenamento jurídico por sua vez integrado em parte na preservação da envolvente do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNP-G), onde atuam a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte (CCDRN).
O arquiteto José Alexandre Basto, da CCDRN, começou por explicar que além das questões ambientais, tais restrições também têm a ver com a segurança das pessoas e bens, devido ao acentuado declive daqueles terrenos, para se acautelar tragédias idênticas à desta semana, em Esposende, pois mesmo que não existam movimentações de terras, para construir novas moradias, há sempre perigo de derrocadas e deslocamento de massas, principalmente de terras, como aí já houve.
Naquela zona há sempre o risco de erosão”, segundo explicou o mesmo técnico superior da CCDRN, alertando que “se torna perigoso construir ali novas casas”, pelo que “existem exceções” para ali edificar novas moradias, “eventualmente com ampliações” relativamente às antigas construções, mas mesmo assim “dentro de alguns parâmetros” já estabelecidos, o que segundo o seu relatório, não sucedeu com as casas cuja construção levou ao processo criminal e a este julgamento.
O arquiteto Teotónio Santos, também da CCDRN, concordou com o seu colega, José Alexandre Basto, segundo o qual as fotografias juntas ao processo de licenciamento, na Câmara Municipal de Vieira do Minho, que permitiram já construir as moradias junto da Albufeira da Caniçada, em Louredo e Cova, Vieira do Minho, “não são de todo compatíveis” com as dimensões indicadas como sendo das anteriores construções e que levaram a novas casas com áreas muito superiores.
Ainda segundo o arquiteto Teotónio Santos, “trata-se de uma área com a reserva ecológica muito restritiva e situada num domínio hídrico”, afirmando que com base no trabalho de terreno que fez no local, “as ruínas existentes correspondem a talvez um curral, porque pelo que vi a anterior construção teria cerca de cinco metros quadrados”, o que, para o técnico na CCDRN, “não permite concluir que pudesse ter havido ali uma casa, acredito que tenha sido um estábulo ou curral”.
Sobre o facto das fotografias das ruínas mostrarem uma porta e chaminé, o arquiteto Teotónio Santos considerou que “as imagens não mostram a existência anterior de janelas no edificado e a chaminé poderia ter sido por exemplo para que os jornaleiros a trabalharem naquelas terras aquecessem o seu almoço, a chaminé não quer dizer necessariamente que fosse uma habitação, nem o estado da vegetação envolvente indicia dimensões compatíveis com uma moradia naquela local”.
Defesa desanca nas testemunhas
O advogado Jorge da Costa, que defende o empresário Martine Pereira, proprietário das duas moradias já discutidas nesta fase do julgamento, desancou em ambas as testemunhas, os arquitetos da CCDRN, afirmando que os seus depoimentos estarão “inquinados” pelas opiniões e documentos entregues anteriormente aos dois técnicos superiores pelos elementos do grupo cívico “Indignados de Louredo” e ao qual aquele causídico prefere sempre chamar “Interessados de Louredo”.
Não poupando nas palavras, o advogado Jorge da Costa afirmou mesmo “ter havido aqui influência desta gente ligada à Polícia Judiciária de Braga e que foi montando uma cabala”, afirmando mais que uma vez “não compreender como foram feitas denúncias em que se dizia às entidades que receberam tais denúncias o que concretamente deveriam fazer e a existir uma espécie de ‘guião’ com documentos e as imagens previamente assinalados, para a partir daí serem seguidos à risca”.
Jorge da Costa foi ainda mais longe e afirmou às duas testemunhas “virem para aqui dar palpites desta natureza, metendo a foice em seara alheia, pois legalmente não estão habilitados, numa clara usurpação de poderes, pois sendo funcionários públicos, necessitam de uma prévia lei habilitante, o que aqui não é o caso, começando com um erro da Polícia Judiciária de Braga, em que se colocam ‘padeiros’ a falar de ‘frutas’ e com base em documentos fornecidos por outras entidades”.
“Trata-se, tudo isto, de um processo inventado pela Polícia Judiciária de Braga”, acrescentou o advogado Jorge da Costa, afirmando “estarmos a falar de um instrumento jurídico, o Plano de Ordenamento da Albufeira da Caniçada (POAC) e que até se encontra suspenso, por resolução do Conselho de Ministros, desde o ano de 1997, a aguardar por um ‘nascituro’ ou ‘concepturo’, que será o tal Plano Especial da Albufeira da Caniçada (PEAC), mas afinal nunca mais ‘nasce’ na zona”.
Seguindo a velha máxima do futebol, que a melhor defesa é o ataque, o advogado Jorge da Costa, também fazendo uso da sua experiência autárquica, tem vindo a seguir uma estratégia mais virada para o contra-ataque, nunca desperdiçando todas as oportunidade de “marcar um golo”, isto é, de colocar a nu aquilo que designa como uma “telenovela mexicana”, desde as motivações deste processo judicial até aos critérios de medição das áreas e aos métodos seguidos pelos técnicos.
Um outro advogado, Rui Duarte Mangas, o defensor do anterior presidente da Junta de Freguesia de Louredo, António Lima Barbosa, chamou a atenção para a “incongruência” do arquiteto Teotónio Santos, da CCDRN, sustentar que nunca existiriam nos terrenos de Martine Pereira mais do que seis metros quadrados de construções antigas, quando a própria acusação do Ministério Público refere a propósito ter havido edificação não superior a 15 metros quadrados, não os seis.