Anastasea, Tanya, Svetelana, Sharlo e Juli estão há apenas algumas semanas em Portugal, mas já vão dizendo algumas frases na língua de Camões. As cinco ucranianas frequentam as aulas de português organizadas pela União das Freguesias de Oliveira, São Paio e São Sebastião, no centro de Guimarães. A língua é um dos principais obstáculos que os refugiados ucranianos têm que enfrentar quando chegam a Portugal. Consciente deste problema e enquanto não avançam cursos mais formais, a União das Freguesias do Centro da Cidade de Guimarães decidiu encurtar caminho e começar a dar aulas grátis, para quem quiser. A Sociedade Martins Sarmento juntou-se a este esforço e emprestou uma sala.
João Pedro Pinto, licenciado em agronomia, depois de frequentar o primeiro ano do mestrado de biologia funcional e biotecnologia de plantas, estava num ano sabático e ofereceu-se como voluntário. Faz questão de dizer que não é professor, “só estou aqui a ajudar, não quero usurpar funções”. A alunas acenam que “não” com a cabeça, para elas é professor e dos bons. Contudo, agora já há professoras de Língua Portuguesa que se juntaram ao projeto e que, nas próximas semanas, vão tomar conta da turma.
Anastasea e Tanya são as únicas do grupo que falam inglês e por isso, às vezes, servem de tradutoras para as outras alunas, todavia, as aulas decorrem em português. “Olá, como estás? Eu chamo-me Anastasea. E tu, como te chamas?”, com a típica pronuncia de quem vem do Leste, são frases que a aluna já consegue encadear.
Como se faz o plural? Essa palavra é masculina ou feminina?
Hoje, é a oitava aula e estão a estudar o nome das frutas. Além dos frutos mais comuns, o professor teve o cuidado de colocar algumas bagas e frutos secos que os ucranianos usam mais e que não são tão comuns em Portugal. No quadro, projeta a figura do fruto, o nome em português e por baixo em ucraniano, escrito com o alfabeto cirílico. O professor diz a palavra em português, as alunas repetem, estuda-se a divisão silábica e João Pedro Pinto explica qual a sílaba que é para acentuar e diz como se forma o plural. “Noz, plural é nozes”, as alunas torcem o nariz, esta não é só acrescentar o “s”. “É masculino ou feminino? A noz ou o noz?”, querem saber.
São só mulheres nestas aulas porque os homens ficaram para trás a defender a pátria e as crianças ou estão na escola ou nos treinos. O grupo chegou a Guimarães por intermédio de uma professora de ginástica do Guimagym – Clube de Ginástica de Guimarães que tirou a licenciatura e o mestrado em Kyiv (a transliteração correta a partir do ucraniano). Quando a situação se começou a agravar, Adriana Castro ofereceu-se para ajudar as pessoas que conheceu na Ucrânia, nos seis anos que lá esteve. No seu apartamento vivem agora mais quatro pessoas: Anastasea, Tanya, o filho Maxim e o marido (com passaporte iraniano). “Tudo se há de arranjar”, diz Adriana, relativamente ao espaço que agora é preciso dividir.
As outras alunas estão num hotel rural que cedeu as suas instalações para as acomodar. Sevetlana é mãe de duas ginastas (Sasha e Sonya, de 12 anos), Sharlo de uma (Ailara, 11 anos) e Juli de outra (Mira, 8 anos). A comunidade da Guimagym arranjou-lhes um carro que partilham para levar as crianças à escola, as meninas aos treinos de ginástica e Maxim aos treinos de ténis. Enquanto os mais novos estão na escola e nos treinos, as mães vão aprendendo português.
“Portugal pode ser a nossa casa agora”
Estas pessoas não estão entre os mais desfavorecidos na sociedade ucraniana. Têm formação superior, Sharlo é dermatologista, Anastasea é lincenciada em gestão desportiva e, por isso, tiveram meios para uma fuga mais autónoma, ainda assim correndo muitos riscos. A viagem começou numa estação de comboio apinhada de gente na capital, tentando apanhar um lugar no comboio para a zona ocidental da Ucrânia. A partir desse ponto, seguiram de carro até à Moldávia e dai apanharam o comboio até Bucareste, na Roménia. Da capital romena para Portugal vieram de avião. A escolha de Guimarães teve que ver com a ajuda da professora Adriana e com a possibilidade de as filhas poderem continuar a treinar ginástica a alto nível.
No momento em que o professor ensina a “castanha, fruto do castanheiro”, as alunas sorriem e explicam que a castanheiro é o símbolo da cidade de Kyiv. “Há milhões dessas árvores pela cidade”, dizem-nos.
Tanya tem o noivo a combater no exército ucraniano, por isso, não tem dúvidas que quer voltar. As outras, embora digam que adoram o seu país, não têm tantas certezas quanto ao regresso. O marido de Anastasea é oftalmologista e está a tratar do reconhecimento das competências profissionais. Na verdade, ficam desconfortáveis quando se fala no futuro, porque não sabem com o que contar e vão-se preparando para tudo. É por isso que estão a aprender português, reconhecem. Tanto podem estar aqui dois meses, dois anos ou a vida inteira.
Os pensamentos estão, frequentemente virados para aqueles que ficaram na terra natal, pais, irmãos, amigos… Regra geral, as pessoas mais velhas não quiseram sair e agora há muitas cidades com as comunicações cortadas. Todas têm pessoas queridas com quem não conseguem falar.
“Aqui as pessoas têm sido muito simpáticas. As crianças estão muito felizes na escola, o que até surpreende, porque normalmente elas não gostam de ir à escola”, diz Anastasea. Relativamente ao português, a única palavra que conheciam era “olá”. “O alfabeto não foi muito difícil, o maior problema são os ditongos”, afirma Tanya.
“Todos os dias estamos à espera de poder voltar para a Ucrânia, mas não sabemos, Portugal pode ser a nossa casa agora”, Anastasea resume o sentimento do grupo com um suspiro.