O rio Estorãos em Ponte de Lima está praticamente seco. O presidente da Junta aponta as baterias à Quinta da Aveleda, que tem uma exploração de 100 hectares na freguesia de Cabração. Por seu turno, a empresa garante que cumpre escrupulosamente a lei e assegura que, caso se venha a concluir que é a causadora do problema, arranjará uma solução.
O caso foi denunciado à Associação Portuguesa do Ambiente (APA), que está a apurar as causas do sucedido.
O relatório da APA é aguardado pela Câmara, que considera a “situação preocupante”.
No plano político, o PS local, na oposição, fala de “desvios abusivos e ilegais de água”. O Bloco de Esquerda questionou o governo sobre o assunto.
“Desde que fizeram a plantação de vinha começámos a ter problemas”
O presidente da Junta de Estorãos, Carlos Gonçalves, não tem dúvidas na hora apontar um culpado: a Aveleda.
“Desde que fizeram a plantação de vinha na freguesia de Cabração começámos a ter problemas de água. Já tivemos em 2018, não foi muito grave, mas comecei aí a minha cruzada”, conta o autarca, lembrando que expôs as suas preocupações aos ministérios do Ambiente, da Agricultura e da Economia, entre várias outras entidades. “Ninguém me levou a sério, até as próprias pessoas achavam que eu estava a ver mal as coisas”, aponta.
“Era por de mais evidente que isto iria acontecer, porque o rio não tem caudal suficiente para regar uma extensão de 70 hectares”, sustenta o presidente da Junta, acrescentando que o rio tem, “desde 1968 ou 1969”, um regadio que serve toda aquela zona e que “são algumas centenas de hectares”.
“Sempre chegou para tudo. O regadio não está ao serviço de uma pessoa, está ao serviço de uma comunidade inteira”, refere o autarca, munido de fotografias de tubos de “31 centímetros de diâmetro” que captam a água para a exploração vinícola da Aveleda.
“Sempre disse que quando houvesse o primeiro ano seco, como este ano, o rio ia secar, e é o que acontece”, completa.
Nas redes sociais, o assunto também é discutido apaixonadamente e também há críticas à própria junta. Nesse sentido, correm fotografias de um trator da Junta a fazer trabalhos no leito do rio.
Carlos Gonçalves explica que foi “para limpar o lixo que vem das cheias” e que as fotografias estão a ser usadas para o intimidar com uma eventual queixa ao Ministério do Ambiente, mas ressalva que essa situação em nada tem que ver com a Aveleda.
O autarca chegou a reunir com a administração da empresa, num encontro mediado pela Câmara, já há algum tempo, “ainda a procissão ia no adro”.
“Tivemos um encontro cordial. (…) Não tenho nada contra a Quinta da Aveleda, nem contra qualquer empresa que invista para crescer. Tenho contra quando, para crescerem, vão prejudicar uma comunidade”, afirma o presidente da Junta, acentuando que “isto é um crime”.
“Vamos ter sol e calor nos próximos tempos e o caudal vai fechar completamente. Morrem peixes, morrem espécies do rio, os animais que gravitam por ali. É um crime ecológico. E tem que se chamar a quem faz isto criminoso”, defende Carlos Gonçalves.
“O impacto que a nossa vinha terá no caudal do rio será muito reduzido”
A administração da Aveleda considera que as acusações “não têm sentido”. “Todas as captações são pedidas oficialmente à APA. O nosso pedido foi feito, temos as licenças. A APA, quando emite as licenças de captação, fá-lo já levando em conta o caudal dos rios, quer na época máxima quer, sobretudo, na época mínima”, refere a O MINHO o administrador António Guedes.
“Temos a aprovação da APA, que leva sempre em consideração a parte técnica. As pessoas gostam sempre de encontrar culpados, mas o impacto que a nossa vinha terá no caudal do rio será muito reduzido”, assegura, acrescentando que a Aveleda este ano utilizou apenas cerca de 80% dos seus direitos de captação.
“Estamos abaixo do volume normal”, refere o administrador, ressalvando que a Aveleda não faz captação do rio Estorãos, mas do afluente deste, o Formigoso. “Que seja bem claro isso. Quando dizem que a Aveleda faz captação no rio Estorãos, não é verdade, faz de um afluente do rio Estorãos que é rio Formigoso. A nossa captação é apenas do rio Formigoso, que está com o caudal normal nesta altura do ano”, sublinha.
Mostrando-se tranquilo em relação a possíveis responsabilidades da Aveleda, o administrador assinala que a APA está a analisar a questão. “Portanto, temos que esperar por esse relatório”, diz, completando: “Obviamente, se formos a causa do problema, estamos aqui para conversar e solucioná-lo. Nós não queremos, obviamente, penalizar o ecossistema daquela zona”, garante António Guedes.
“Estamos aqui para construir, não para destruir. Qualquer problema que haja, estamos dispostos a construir uma solução. Somos uma empresa séria, fazemos as coisas como manda a lei, temos as captações legais, tudo direito”, reforça.
Câmara aguarda relatório da APA
Contactada por O MINHO, a Câmara afirma estar a “acompanhar” a situação, que considera “preocupante”, e que, inclusivamente, já colocou o problema à APA.
Aquela entidade informou a autarquia que os técnicos iriam para o terreno avaliar a situação. A Câmara “está a aguardar resposta”.
O PS de Ponte de Lima considera que “estão a destruir o Rio Estorãos” e aponta que “os desvios abusivos e ilegais de água que estão a ser realizados a montante estão a dar origem a esta situação deplorável”.
“Que medidas tem desenvolvido o executivo Municipal para impedir esta situação?”, questionam os socialistas numa publicação na sua página de Facebook.
Entretanto, o Bloco de Esquerda já questionou o governo sobre o assunto. Os bloquistas querem saber as razões da “redução drástica” do caudal do rio Estorãos e que medidas o Governo vai tomar para garantir “uma condição essencial para a preservação daquele ecossistema fluvial”.
BE questiona Governo sobre “redução drástica” de caudal de rio em Ponte de Lima
Além das causas da redução do caudal, o BE pretende saber se do Governo há “licenças em vigor para a captação de água do rio Estorãos, que entidades licenciadas e quais os prazos de validade das respetivas licenças”.
Até haver uma conclusão, muita água (não) vai correr debaixo da ponte.