O julgamento do caso das construções alegadamente ilegais, nas imediações do rio Cávado, da zona protegida da Albufeira da Caniçada, no Gerês, sofreu uma reviravolta, com uma antiga carta militar a atestar preexistências que permitiriam novas casas.
Só que o Ministério Público considera na mesma que a legalização das seis casas em causa só terá sido possível com alegados atestados falsos, segundo os quais teriam havido casas e há ainda ali ruínas, o que, ainda segundo o MP, não corresponderia à verdade.
As moradias recentemente construídas, na margem esquerda do rio Cávado, em Vieira do Minho, serão “ilegais” se não tiverem construções antigas, que lhe confeririam direitos adquiridos, argumenta o Ministério Público, como O MINHO tem noticiado.
A defesa apresentou na última sessão a Carta Militar de Vieira do Minho, de 1952, com trabalho de campo realizado em 1949, na qual constam edificações onde nos últimos anos foram construídas vivendas, a fim de provar que afinal havia preexistências.
A juíza-presidente juntou ao processo a carta militar, de há setenta anos, enquanto um técnico superior da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), António Oliveira, afirmou na audiência que quando foi ao local seguiu essa carta “porque faz toda a fé”.
“Eu recordo-me bem de ter analisada a Carta Militar de Vieira do Minho, de 1952, porque nasci um ano antes, reparei que os trabalhos de campo tinham sido feitos em 1949”, explicou António Oliveira, o técnico superior da APA, perante os três juízes.
“As cartas militares são das nossas principais bases de trabalho e por isso temo-las a todas e até agora nunca nenhuma foi posta em causa”, explicou aquele técnico da APA, acerca da reunião que conduziu à aprovação de várias moradias junto da Caniçada.
Acerca da certidão do registo predial considerada na aprovação de novas casas, a mesma testemunha da APA, referiu tratar-se de “outro documento que faz fé pública, a não ser que nesse caso o conservador fosse um aldrabão, o que eu nunca ouvi dizer”.
António Oliveira recordou que aquando de uma reunião, em Vieira do Minho, para a análise da situação, “esteve, entre outras especialistas, uma catedrática de Direito do Urbanismo, da Universidade de Coimbra”, referindo-se a Fernanda Paula Oliveira.
A apresentação da Carta Militar de Vieira do Minho, de 1952, mas levada a cabo três anos antes, em 1949, pretende contrariar a acusação do Ministério Público, segundo a qual não existiriam ali construções e as ruínas corresponderão só a antigos currais.
As novas construções onde houve edificados, anteriores a 1951, ano em que entrou em vigor naquele concelho o Regulamento Geral de Edificações Urbanas, em Vieira do Minho, não carecem de licença camarária, mas sim só de certificados municipais.
Tais direitos, assim adquiridos, dispensam a intervenção de todas as outras entidades reguladoras, caso se mantenham dentro de áreas permitidas no Plano de Ordenamento da Albufeira da Caniçada, relacionado com o Parque Nacional da Peneda-Gerês.
Daí que o advogado Jorge da Costa, defensor do empresário Martine Pereira, proprietário de duas das seis vivendas em causa, entenda, segundo as suas próprias palavras, “ter caído por terra não haver ali construções habitacionais antes do ano de 1949”.
Falta ouvir Indignados de Louredo
O processo criminal tem 18 arguidos, entre pessoas singulares e coletivas, estando relacionado com a alegada construção ilegal de seis vivendas, situadas numa zona protegida da Albufeira da Caniçada, em Vieira do Minho, no interior do distrito de Braga.
Entre os arguidos, o antigo vice-presidente da Câmara de Vieira do Minho, Pedro Álvares, ex-presidente da Junta de Freguesia de Louredo, António Barbosa, dois técnicos superiores da autarquia, arquitetos e engenheiros, para além de quatro empresas.
O Ministério Público acusa genericamente os arguidos pela prática pelos alegados crimes de prevaricação de titular de cargo político, violação de regras urbanísticas e falsificação/contrafação de documento, pedindo ainda a demolição das seis vivendas.
Nas próximas audiências serão inquiridas, entre outras, testemunhas ligadas ao grupo Indignados de Louredo, que despoletou este processo judicial, a fim de verbalizarem as denúncias segundo as quais as seis moradias se encontram em situação ilegal.
A propósito, o advogado Jorge da Costa considerou que “o grupo deveria chamar-se ‘Interessados de Louredo’, uma vez que usavam esse local para acederem sempre de forma ilegítima à albufeira, fazendo ali uma espécie de hangar a seu belo prazer”.
Jorge da Costa não poupou a Polícia Judiciária, criticando “o duplo papel” no processo da Polícia Judiciária, “porque foi a PJ de Braga que conduziu toda a investigação e tem um inspetor que é parte interessada e a sua principal testemunha de acusação”.
“A Polícia Judiciária de Braga faz a acusação e um colega de profissão é a principal testemunha de acusação, quando é também um dos interessados? Isto é normal? Acha que estamos contentes?”, referiu o advogado Jorge da Costa no início do julgamento.
“Em vez de irem para o Gerês pagar a entrada e saída de barcos e motas de água, usavam aquele terreno impropriamente, com interesses próprios e estas são as pessoas que figuram como as testemunhas de acusação”, criticou o advogado Jorge da Costa.
Jorge da Costa disse ainda que “este processo tem uma génese política”, sublinhando que os ‘Indignados de Louredo’ estão “associados e têm ligação a partidos de esquerda”, pelo que deveria chamar-se ‘Interessados de Louredo’ e nunca Indignados”.