A condenação de todos os arguidos no julgamento do processo da casa ilegal na freguesia de Balança, em Terras de Bouro, deixou em estado de choque não só os próprios penalizados, como muitos setores naquele concelho, ao ponto de terem comparecido no Palácio da Justiça de Braga os mais altos decisores políticos de Terras de Bouro.
O presidente da Câmara Municipal de Terras de Bouro, Manuel Tibo, o seu vice-presidente, Adelino Cunha, bem como Liliana Machado, chefe de gabinete de Tibo, antiga vereadora e irmã da arguida condenada, Cátia Machado, a par do adjunto de Tibo, Avelino Soares, procuravam confortar não só alguns penalizados, como seus familiares.
Joaquim Cracel entrou e saiu sozinho, à margem do ambiente carregado que estava a viver-se no terreiro em frente ao Palácio da Justiça de Braga, uma vez que constituiu um autêntico balde de água fria a condenação para todos, quando entredentes se ia murmurando que somente o ex-autarca seria condenado.
Além da solidariedade entre familiares e amigos dos arguidos, esta condenação abriu um precedente quanto à série de processos criminais relacionados com construções ilegais que estão a decorrer na Comarca de Braga em diversas fases, um dos quais sobre as edificações em Vieira do Minho, mas também há outro com Terras de Bouro.
É que aguarda-se que o Tribunal da Relação de Guimarães decida um recurso do Ministério Público sobre as casas de cariz ilegal em redor da Albufeira da Caniçada, em Rio Caldo e Valdosende, no concelho de Terras de Bouro, em tudo idêntico ao caso do lado oposto, em Vieira do Minho, que continuará esta sexta-feira a ser julgado, em Braga.
Mas, ainda em Terras de Bouro, as verdadeiras dores de cabeça poderão surgir com o polémico licenciamento do chamado “mamarracho”, ou “torre de babel”, em pleno centro da vila termal do Gerês, porque o caso ainda não está encerrado, decorrendo investigações a deliberações tomadas já pelo atual executivo camarário terrabourense.
Na leitura do acórdão condenatório o juiz-presidente do Tribunal Coletivo não podia ter sido claro quando afirmou “não podermos olhar para o lado”, pois “a comunidade”, em Terras de Bouro, “tem que perceber a gravidade deste tipo de crimes”, referindo que enquanto juízes “temos de decidir para as pessoas continuarem a acreditar em nós”.
“Aconselho-vos a partir de agora a cumprirem a lei escrupulosamente, como o fazem todas as outras pessoas que cumprem as leis, mas são assim prejudicadas face a tais comportamentos”, disse o juiz-presidente, olhos nos olhos, aos quatro arguidos acabados de condenar, clarificando que “estas penas até foram todas relativamente brandas”.
Os porquês desta primeira condenação
O ex-presidente da Câmara de Terras de Bouro, Joaquim Cracel, foi condenado com pena suspensa de três anos de prisão, por crime de prevaricação de titular cargo político, ao autorizar a construção de uma moradia da bancária Cátia Machado, irmã da então vereadora Liliana Machado, agora chefe de gabinete do atual presidente, Manuel Tibo, com a suas dimensões muito superiores limites permitidos pela Reserva Agrícola Nacional (RAN).
A Joaquim Cracel foi também aplicada a pena de perda de mandato, como pena acessória da condenação principal, tendo o presidente do Tribunal Coletivo afirmado que enquanto decorrer a fase dos eventuais recursos de ambas as partes, tal medida “servirá de inibição” para impossibilitar uma possível recandidatura a qualquer cargo político.
A proprietária da casa, Cátia Machado, tal como o engenheiro Jerónimo Correia, foram condenados a dois anos e oito meses de prisão, o arquiteto Alfredo Machado na pena de dois anos e quatro meses, estes ambos funcionários camarários, mas as penas só serão suspensas se entregarem verbas aos Bombeiros de Terras de Bouro.
Por ironias do destino, Manuel Tibo, que aguardava à porta pela leitura do acórdão, além de presidente da Câmara de Terras de Bouro, continua a ser o presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Terras de Bouro, que receberá um total de 24 mil euros, caso este veredicto transite em julgado, após esgotados recursos.
“Era impossível que ao terem dado, contra a lei, uma informação técnica favorável às pretensões da arguida Cátia Machado, os outros três arguidos não soubessem que se tratava da irmã da então vereadora Liliana Machado”, salientou o juiz-presidente, referindo “não ser crível essa hipótese”, num meio tão pequeno, em Terras de Bouro, em que toda a gente se conhece e dando-se como provado “ter havido um acordo tácito entre todos os arguidos”.
“A lei permitia a construção de uma casinha, mas foi licenciado um casarão, pelo que este licenciamento nunca deveria ter existido”, acrescentou, salientando “tratar-se de crimes muito graves, sancionados com as penas de prisão de dois a oito anos de prisão, pelo que este Tribunal Coletivo foi relativamente brando, mas como em todas as profissões não podemos olhar para o lado, como em todas as profissões, temos de decidir para as pessoas confiarem em nós”.
Segundo afirmou o juiz-presidente do Tribunal Coletivo, ao longo da leitura do acórdão, dois técnicos superiores que condenou, o engenheiro Jerónimo Correia e o arquiteto Alfredo Machado, “tinham a obrigação legal de prestar uma informação técnica em conformidade com a realidade, aquilo que ambos não fizeram, antes pelo contrário”.
“Ao contrário daquilo que foi aqui dito durante o julgamento, não existia qualquer vazio legal” no enquadramento do licenciamento administrativo, “aquando da construção de um T4, com dois pisos, com um total de 318 metros quadrados, quando a lei somente permitia construção a custos controlados, invocando-se uma extrema necessidade que já na altura não existia, aliás, nunca existiu”, acrescentou o presidente da Instância Central Criminal de Braga.
Referindo-se ao engenheiro Jerónimo Correia, chefe da divisão camarária das obras particulares, o juiz-presidente disse que “com a informação favorável prestada” naquele processo de licenciamento municipal deixou uma porta aberta para a sua aprovação, pelo então presidente do Município de Terras de Bouro, como viria a suceder, quando a deveria era ter fechado”, destacando-se “a responsabilidade de três dos quatro arguidos pertenceram à Câmara”.