O estranho caso do fumo que paira há dias sobre aldeias de Barcelos

Fomos saber porquê
Fumo paira sobre aldeias de Barcelos nesta terça-feira de manhã. Foto cedida a O MINHO

Moradores de freguesias próximas do Monte da Padela, em Carvoeiro, Viana do Castelo, estão há dias a sofrer com as consequências de queimadas, gestão de combustível e de um incêndio rural, queixando-se de não poder executar tarefas básicas como estender roupa e de temerem efeitos nocivos na saúde de idosos e crianças. As condições atmosféricas também não ajudam, mas a gestão do monte tem tomado medidas para minimizar incêndios naquele local.

Alguns habitantes das freguesias de Palme e de Durrães, a poucos quilómetros do monte em causa, mas já no concelho de Barcelos, enviaram à nossa redação imagens recolhidas esta terça-feira de manhã onde se vê fumo suspenso no ar por cima das casas. Dizem que vem do monte por “pelo menos duas vezes” lá terem visto “grandes incêndios” ao longo dos últimos dias.

Fumo paira sobre aldeias de Barcelos nesta terça-feira de manhã. Foto cedida a O MINHO
Fumo paira sobre aldeias de Barcelos nesta terça-feira de manhã. Foto cedida a O MINHO

Uma das moradoras, residente em Palme, disse a O MINHO ter tentado ligar para várias entidades para perceber a origem do fumo, mas “ninguém respondeu”, o que lhe causou ainda maior preocupação por não saber durante quanto tempo o fumo continuará a invadir-lhe a casa. Por isso, tentámos saber mais sobre o que aconteceu nos últimos dias no Monte da Padela, porque é que há fumo no ar e porque é que se mantém até esta terça-feira.

Proprietário de parcela decidiu queimar na bouça e arderam três hectares

Falámos com Artur Sá, presidente do Conselho Diretivo da Comunidade Local dos Baldios de Carvoeiro, que gere 600 hectares naquele monte, e que nos adiantou tratar-se de situações distintas. “Na sexta-feira existiu gestão de combustível levada a cabo pelo ICNF”.

Sobre domingo, Artur Sá também confirmou que houve fogo no monte, mas “não estava relacionado com a gestão de combustível” de sexta-feira. “Um proprietário de parcela decidiu queimar parte da bouça, causando um incêndio rural”, disse.

Incêndio de domingo no Monte da Padela. Foto cedida a O MINHO

Os Bombeiros Voluntários de Viana confirmaram a ocorrência a O MINHO e os Bombeiros Sapadores indicaram que nesse incêndio foram queimados três hectares, entre as 16:00 e as 20:00, e que o incêndio foi combatido pelas duas corporações de bombeiros e ainda pelos Sapadores Florestais.

“Fogo controlado” de sexta-feira ficou extinto no próprio dia, diz Proteção Civil distrital

A O MINHO, o Comando Sub-regional do Alto Minho confirmou a gestão de combustível efetuada sexta-feira no Monte da Padela e garantiu que a ação ficou concluída no próprio dia. “Não existiu mais nenhuma gestão de combustível (fogo controlado) naquela zona desde então”, assegurou. Sobre o incêndio de domingo, todas as três entidades que o combateram afirmam a O MINHO que o mesmo foi extinto naquela noite, embora haja possibilidade de ainda fazer algum fumo em pequenos locais onde a água não chegou e onde a terra foi mexida.

Muitas fogueiras no sábado

Confirmados gestão de combustível na sexta-feira e incêndio no domingo, conseguimos recolher ainda outro dado para acrescentar à equação que resulta na ‘bruma’ matinal desta terça-feira. David Pires, secretário da Junta de Palme, freguesia mais afetada, adiantou que no sábado “havia muitas fogueiras de queimas de sobrantes por toda a freguesia”, salientando tratar-se de uma área rural onde é normal existirem estas queimadas domésticas.

O elemento do executivo confirmou os relatos dos moradores, vislumbrando “fumo sobre a aldeia”, sem que, no entanto, hoje haja quaisquer fogueiras a arder: “No sábado havia muitas, mas hoje está tudo limpo. Só se vê o fumo mas não se percebe de onde vem”, enunciou.

Barra escura com fumo pairava na segunda-feira à noite sobre Palme. Foto cedida a O MINHO

Inversão térmica e corrente de leste mantêm o fumo suspenso

A hipótese mais provável para que o fumo ainda esteja a pairar, mesmo dois dias depois do incêndio, reside na inversão térmica na atmosfera e seu efeito tampão, acumulando as partículas poluentes muito próximo do solo, como é o caso do fumo dos incêndios, da combustão de motores ou de outras fontes de energia, sobretudo industriais.

Ouvimos o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) sobre esta situação e foi-nos explicado que, em certos dias de inverno, quando a temperatura mínima é baixa e existe estabilidade meteorológica (sem chuva ou vento), o ar chega a um certo limite onde existe inversão de temperatura e não sobe mais. Se o mesmo estiver contaminado com fumo, a situação torna-se visível a olho nu. Foi-nos também dito por duas especialistas do IPMA queo fumo não se desloca para o mar porque o vento está com corrente de leste, ou seja, “fraquinho”.

Lareiras também podem ter contribuído 

Segundo uma avaliação tornada pública esta tarde pela Universidade Nova de Lisboa, a região Norte de Portugal continental registou na semana passada elevadas concentrações de partículas poluentes devido ao tempo frio, más condições de dispersão do ar e uso de lareiras.

Na última semana foram registadas “elevadas concentrações das partículas poluentes inaláveis com níveis acima do valor limite legislado (…), afetando principalmente a região Norte” do país.

“As condições meteorológicas verificadas desde 30 de janeiro, segunda-feira, contribuíram para a acumulação de poluentes atmosféricos à superfície, causando uma forte degradação da qualidade do ar”, aliando-se “à maior utilização de lareiras para o aquecimento doméstico”, lê-se no estudo.

Monitorização europeia confirma elevada quantidade de partículas pm2.5 na região

De acordo com a monitorização da qualidade do ar, a estação de Freixo, em Ponte de Lima (gerida pela escola local), aponta níveis elevados de partículas poluentes de microdimensão (as já por nós chamadas de “partículas mortais”) em comparação com as outras, tanto no Norte de Portugal como em Galiza e em Castela e Leão, o que confirma os níveis de poluição (fumo) observados pela população. Consultada por O MINHO, a estação do Freixo, que monitoriza a qualidade do ar no coração do Minho, aponta níveis “pouco saudáveis para grupos sensíveis”, algo que não é verificado em mais nenhuma estação ao redor de 100 quilómetros em todas as direções. Importa salientar que as estações mais próximas em Portugal se encontram desativadas desde ontem, contudo nessa altura apresentavam bons indicadores, enquanto a de Freixo já estava no ‘vermelh0’.

Cerca do meio-dia de hoje, a estação do Freixo apontava níveis alarmantes de partículas finas no ar. Fonte: AirIndexQuality da União Europeia

Efeitos na saúde

De acordo com o INEM, o fumo resultante dos incêndios florestais possui altos níveis de partículas e toxinas que podem causar lesões a nível respiratório, cardiovascular e oftalmológico, entre outros.

Explica a fonte que “as partículas suspensas são os principais poluentes no contexto dos incêndios florestais com impacte direto na saúde, de acordo com a dimensão das mesmas”, adiantando que as partículas com diâmetro inferior ou igual a 10 micrómetros podem ser inaladas profundamente e afetar os pulmões. E são precisamente essas que na região envolvente ao Freixo estão em níveis elevados, pelo menos, nos últimos três dias.

Altas concentrações destas partículas levam a tosse persistente, aumento da mucosidade e dificuldade respiratória, alerta o instituto.

“Assim, pode surgir sintomatologia respiratória em indivíduos saudáveis, com necessidade de tratamento médico. Em indivíduos com doença respiratória crónica, a exposição a fumo resultante de incêndios, pode levar ao agravamento do estado de saúde”, conclui.

Recomendações da DGS

De acordo com a Direção-geral da Saúde (DGS), recomenda-se, em caso de fumo dos incêndios, “evitar exposição ao fumo, mantendo-se dentro de casa, com janelas e portas fechadas, em ambiente fresco. Ligar o ar condicionado, se possível, no modo de recirculação de ar; evitar a utilização de fontes de combustão dentro de casa (aparelhos a gás ou lenha, tabaco, velas, incenso, entre outros); evitar atividades no exterior; utilizar máscara/respirador (N95) sempre que a exposição for inevitável; manter a medicação habitual (se tiver doenças associadas, como asma e doença pulmonar obstrutiva crónica – DPOC) e seguir as indicações do médico perante o eventual agravamento das queixas. Manter-se informado(a), hidratado(a) e fresco(a)”.

Baldio investe 255 mil euros no monte para evitar incêndios 

De forma a prevenir incêndios florestais no Monte da Padela, a Comissão de Baldios do Carvoeiro tem em marcha um plano ousado que envolve a sua própria equipa de Sapadores Florestais, charcas de apoio ao combate de fogos e um percurso pedestre.

Para isso, foi lançado um concurso público no final de 2022, no valor de 225 mil euros, para “prevenção de incêndios florestais através da intervenção em 90 hectares de terrenos e 13 quilómetros de rede viária”.

Artur Sá salientou tratar-se de um investimento, o “maior de sempre” no monte, e que que será executado ainda a partir deste trimestre com limpezas e arborizações, de forma a reduzir a carga combustível existente, para potenciar biodiversidade no local.

Incêndio no domingo. Foto cedida a O MINHO

Esta ação, financiada pela candidatura ao programa Compete 2020, engloba plantação de 18 mil árvores como o pinheiro-bravo e o carvalho, o controlo de invasoras, com especial ênfase nas acácias e a limpeza de 60 hectares de mato junto a povoamentos florestais, para além da melhoria de 13 quilómetros de rede viária.

Vai fazer queimadas? Registe-se

Cerca de 98% das ocorrências de fogos em Portugal têm origem humana. Por isso, uma forma de evitar surpresas é realizar o registo antes de fazer uma queimada, de forma a que as autoridades saibam que a mesma decorre e realizam as próprias diligências para atuar em caso de necessidade. Para isso é preciso registar-se na app “Fogos” do ICNF e pedir a autorização em apenas três passos aqui.

Notícia atualizada às 15h03 com estudo da Universidade Nova sobre o efeito das lareiras na atmosfera

 
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