O Ministério Público solicitou durante esta sexta-feira o julgamento de todos os acusados pelas construções ilegais na Albufeira da Caniçada, situadas junto da margem direita do rio Cávado, em Terras de Bouro, à exceção de um arguido, cujo caso agora já prescreveu, como tinha sucedido já antes com Cristiano Ronaldo, no caso mais mediático do processo, em que mesmo assim o craque internacional teve a demolir um anexo e o campo de ténis.
Com a posição do Ministério Público, caso seja sufragada pelo juiz de instrução criminal, António Luís Fernandes, que esta sexta-feira presidiu à diligência, passarão a ser já doze, os acusados, com a eventual saída do arguido Vasco Manuel Pacheco de Couto, que tem uma casa, em Admeus, Vilar da Veiga, em Terras de Bouro, tudo por causa da prescrição.
Em causa neste caso, como no de Vieira do Minho, que se encontra numa fase processual mais avançada, estão eventuais crimes de violação de regras urbanísticas, de falsificação ou contrafação de documento, abuso de poder e prevaricação de titular de cargo político.
Segundo a acusação do Ministério Público, terão sido violados o Plano de Ordenamento da Albufeira da Caniçada (POAC) e diversos procedimentos de intervenção imperativa das autoridades administrativas, como são os casos da Agência Portuguesa do Ambiente, Entidade Regional do Norte da Reserva Agrícola Nacional e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, parte dos quais foram verificados através da GNR.
Na prática, foram edificadas casas de luxo, com piscinas e garagens, em terrenos situados em zonas de proteção onde estava interdita a construção de novos edifícios, sendo apenas permitidas obras limitadas, como ampliação ou alteração de edificações existentes, só que “na realidade simularam preexistência de construções, mas que afinal nunca lá existiram”.
Para o MP, os arguidos “violaram as normas legais de condicionante urbanística”, sempre com o mesmo artifício, ir junto do Município de Terras de Bouro invocar a existência de edificações, antes do ano de 1951, única hipótese de contornar o plano de ordenamento da região, com fotos das supostas antigas casas, através de várias montagens fotográficas.
Defesa contra-ataca o MP
No debate instrutório, durante a tarde desta sexta-feira, no Palácio da Justiça de Braga, a defesa passou as alegações a atacar a acusação pública, chegando mesmo a perguntar qual “a razão porque na mesma linha de raciocínio do Ministério Público”, não estão no banco dos réus “os autarcas do executivo da Câmara de Terras de Bouro”, para além de funcionários daquele município geresiano, em vez de apenas dois presidentes de Junta de Freguesia, de Rio Caldo e de Valdosende, que não são sequer profissionais da política.
De acordo com os advogados, “este processo está cheio de contraindícios”, sendo que tal como no processo homólogo de Vieira do Minho assiste-se a uma “desresponsabilização” em cascata, isto é, os arguidos têm vindo sucessivamente a dizer que confiavam uns nos outros, os técnicos nos clientes, os clientes nos técnicos, os funcionários autárquicos nos documentos das Conservatórias do Registo Predial e das Finanças, assim sucessivamente, como disse a juíza de instrução criminal, Ana Paula Barreiro, no caso de Vieira do Minho.
Mas os advogados não desarmam e esta sexta-feira referiram “tratar-se de uma acusação”, a do Ministério Público, de “uma espécie de ‘pesca de arrasto’, em que do nada nasceram estes arguidos, uma acusação sem qualquer substância e apenas baseada em suposições”.
Há 31 arguidos em dois processos
Este é o segundo grande processo relacionado com as construções clandestinas, no Gerês, ofendendo o Plano de Ordenamento da Albufeira da Caniçada (POAC), que faz parte do Parque Nacional da Peneda-Gerês, sendo que segundo a Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), só das 43 operações urbanísticas realizadas entre 2008 e 2017, na zona da Albufeira da Caniçada, próximo do Gerês, apenas uma cumpre os requisitos legais aplicáveis para ordenamento do território.
Há um total de 31 arguidos, nos dois grandes processos criminais, o de Terras de Bouro, para já com 13 acusados, bem como o da margem esquerda do rio Cávado, em Vieira do Minho, com 18 suspeitos, caso que aguarda apenas a marcação do começo do julgamento.
A situação pandémica de construções ilegais levou inclusivamente a que o inspetor-geral da IGAMAOT, José Brito e Silva, tivesse criado mesmo uma “task-force” com entidades com capacidade de licenciar e fiscalizar a fim de atacar o problema das construções ilegais depois de ter sido destacado o trabalho da Equipa de Proteção da Natureza e do Ambiente em Zonas Específicas (EPNAZE), do Destacamento Territorial da Póvoa de Lanhoso da GNR, cuja embarcação permitiu a ação inédita dos técnicos da IGAMAOT, mas também devido às constantes fiscalizações feitas pelos militares da Guarda Nacional Republicana.