ARTIGO DE JOSÉ MIGUEL SILVA
Jurista. Presidente da Juventude Popular de Vila Nova de Famalicão
Geração rasca foi uma expressão usada pelo jornalista Vicente Jorge Silva em 1994 num editorial do jornal Público aquando das manifestações estudantis contra a então ministra da educação Manuela Ferreira Leite.
Em 2011, a expressão foi reeditada, tendo sido ajustada como mote à manifestação de 12 de Março Geração à rasca.
Assim, a 12 de Março de 2011, ocorreram várias manifestações no nosso país (algumas também além fronteiras mas praticamente irrelevantes) alegadamente apartidárias mas que todos sabemos que eram completamente conotados com a extrema-esquerda, bem como com alguma extrema-direita.
As reivindicações eram de melhorias nas condições de trabalho,o fim da precariedade.
Nessa altura, um protesto convocado via Facebook apresentou-se em Lisboa, na Avenida da Liberdade, no Porto, em Viseu, Açores e Madeira.
Nessa altura, era PM José Sócrates que á sua boa maneira não comentou, ao contrário de Paulo Portas, (para mim uma eterna referência e à época líder do CDS-PP) que afirmou a 11 de Março de 2011 que “os partidos [políticos] devem resistir à tentação de colonizar” a manifestação e que os organizadores “não têm nenhuma obrigação de apresentar soluções”.
Já Adolfo Mesquita Nunes, à altura deputado da nação do CDS-PP, apresentou uma proposta de um pacote de 20 medidas urgentes para a “Geração à rasca”, incluindo que as universidades informem os alunos da empregabilidade dos cursos que leccionam, uma maior flexibilidade do mercado de trabalho e a liberalização do mercado de arrendamento.
Esta expressão, nascida em 1994, adaptada em 2011, traduz exactamente aquilo que vai na cabeça dos jovens da minha geração, não querendo obviamente aqui vitimizar-nos.
Nem tempo para isso a nossa geração tem.
Em 1994, vínhamos ao mundo, em 2011 andávamos na faculdade com todas as limitações adjacentes ao facto de estarmos em recessão económica, e agora em 2020 quando finalmente víamos prosperidade na nossa vida, estamos órfãos de pensar e sonhar o nosso futuro, desta vez com aquilo que vimos e estamos a viver de mais próximo de uma guerra.
Estão à rasca aqueles com menos de 30 anos que, após 2011, terminaram a licenciatura e, como esta não chegava para ingressar no mercado de trabalho, foram tirar mestrado. Começaram a trabalhar mais tarde e agora estão à rasca pois são os primeiros a ser dispensados das empresas onde trabalham.
Estão à rasca, aqueles que após concluir os seus estudos foram para fora do país em busca de uma vida melhor e agora se veem em quarentena forçada fora de casa, muitos a milhares de quilómetros de distância, estão à rasca pois não conseguem voltar.
Estão à rasca aqueles que, após concluir os estudos, trabalharam e como tinham ambição constituíram a sua empresa, e agora de um momento para o outro estão à rasca para pagar contas, e sendo sócios-gerentes da sua empresa nem direito a lay-off tem.
Concluindo, há uma geração à rasca, aquela que curiosamente é a que mais cumpre as normas da DGS, aquela que está em quarentena voluntária mesmo antes do Governo ter tido coragem de decretar o Estado de Emergência.
Que futuro para nós, continuar a pagar contas, sem prosperidade de melhoria de vida apenas para mantermos um Estado gastador, pesado que nos falta sempre que mais precisamos?
Desculpem, mas nós merecíamos melhor.
Estamos à rasca, mas sendo portugueses, mestres na arte do “desenrasca”, com um sentido de união entre nós digno de uma pátria com nove séculos de história, com uma mão-de-obra fenomenal, uma forma de receber os outros própria de um povo latino (quando poderemos voltar a abraçar-nos?), com a coragem de sempre, com a sociedade civil a dar lições a um governo onde impera o nepotismo, onde a política em vez de serviço é emprego, a certeza é apenas uma: juntos venceremos.
José Miguel Silva
Jurista e Presidente da JP Vila Nova de Famalicão
* este artigo de opinião também foi publicado no jornal Observador (19 de abril, 2020)