Tiago Ribeiro nasceu em terra de Vinho Verde, mas a vida levou-o até à Bélgica e rendeu-se à rica cultura cervejeira do país. É guia turístico na ‘capital’ da Europa e boa companhia para conhecer os recantos da cidade enquanto bebe cerveja (ou não).
Num país em que a cerveja está entranhada na cultura há séculos, ao conversar sobre cerveja é inevitável tropeçar na História da Bélgica. E Tiago Ribeiro não deixa nada ao acaso. A visita guiada de O MINHO com Tiago Ribeiro começa no último teatro de marionetas da capital belga, depois da ocupação espanhola no século XVI ter encerrado todos os espaço do género na cidade. Eram espaços de crítica e resistência ao poder.
Sobrou um para contar a história. Para além de funcionar como espaço cultural ainda em atividade com 52 peças em exibição, o Théâtre Royal de Toone é também uma taberna bem preservada e onde se podem provar as melhores cervejas.
Pés ao caminho porque nem só de cerveja vive o Homem. Tiago Ribeiro passa pelas Galerias Reais, onde estão as lojas dos melhores mestres chocolateiros do país. Não para em qualquer uma, mostra aquela que fornece a casa real belga e aconselha o chocolate preferido da rainha Mathilde.
Tiago Ribeiro mudou-se de Ponte de Lima para a Bélgica pela primeira vez em 2015, mas, entretanto, passou pela França, Alemanha, Espanha e Países Baixos. Trabalhou primeiro numa empresa de construção na Bélgica e depois passou para uma multinacional portuguesa na área das energias renováveis que o obrigou a andar de país em país.
Em 2020, voltou de vez para a Bélgica e fixou-se na capital. Veio a Covid-19 e acabou despedido. “Tive um revés na minha vida e tentei procurar novas opções”, revelou.
Com um interesse quase umbilical com a História (“a minha história de embalar era a História de Portugal”), tem formação em Turismo e Arqueologia. Juntando a isso o gosto pela vida urbana em Bruxelas, lançou-se para um novo desafio.
“Enviei o meu currículo para seis ou sete empresa e recordo-me que cinco delas responderam positivamente para trabalhar como guia turístico”, conta.
Tudo começou em 2022, ainda desconfiado e a achar que seria só um trabalho provisório. O certo é que começou a ganhar tanto como quando trabalhava numa multinacional portuguesa. “Decidi dedicar-me a isto”, diz.
Ser guia turístico em Bruxelas é um trabalho que o deixa “extremamente feliz”, porque conhece “malta de todo o Mundo” e tem uma vida “extraordinária” naquela cidade. “Passeio, conheço gente nova e dou a conhecer as coisas boas que existem em Bruxelas. Não só os locais atrativos que a gente tem aqui, mas também a gastronomia ou a cultura de cerveja”, relata.
Pelo caminho é inevitável pisar a monumental Grand-Place, passar a mão na estátua de Everhard e seguir para a figura mais popular de Bruxelas – Manneken Pis.
É o pequeno Julien, cuja figura está envolta em muitas lendas, e que se vai vestindo com vários fatos alusivos – tem mais de 3.000. Está vestido com o fato de hipismo da casal real, mas Tiago já o viu disfarçado de Salgueiro Maia, no 25 de Abril. Está sempre a ‘urinar’ água, exceto dois dias por ano, em que ‘nasce’ cerveja da fonte. Nesses dias é difícil chegar perto da estátua, conta o guia.
Cada visita guiada de Tiago Ribeiro é sempre diferente, adaptando-se às expetativas dos clientes. “Tenho pessoas que só querem a história da cidade, há outras que querem um bocadinho de tudo. Querem saber onde estão e onde podem ir, tirá-los daqueles ’tourist traps’ [armadilhas para turistas, em português]. Dizer-lhes onde podem almoçar ou jantar, fora daquelas atrações turísticas horríveis, onde a comida ou a bebida não é o que as pessoas procuram”, explica.
Espreita-se um mercado, para-se o olhar num dos mais de 40 murais do Tintin que existem na cidade e a noite começa a cair. Ao passar pelas ruas cheias e vibrantes da ‘capital’ da Europa, Tiago para. “Percebe a vida de Bruxelas”, atira, enquanto passa numa rua com os bares cheios.
A viagem termina num pequeno tesouro escondido na cidade. “É por isto que precisas de um guia turístico”, brinca. Entra no Au Bon Vieux Temps, um bar que abriu em 1695 ou, como diz Tiago, “existe desde que D. Pedro II era rei de Portugal”.
“Onde estamos neste momento é uma gema escondida, não vens aqui se eu não te disser. Há muita pouca gente que conhece este bar, isto não vem se conhece através da internet”, conta.
Apesar de ser recente na vida de guia turístico e morar do outro lado da cidade, já é cara conhecida na casa que, apesar de ser tipicamente belga, trabalham estrangeiros oriundos de várias latitudes. Tratam-no pelo nome e é recebido como um cliente habitual. “Eu não venho aqui há quarenta anos, eu venho há meses, moro do outro lado da cidade. As pessoas aqui são simpáticas, porque todos partilhamos aquele momento em que temos de deixar a nossa pátria, o nosso país e procurar uma vida um bocadinho melhor”, diz.
Este ‘caldo cultural’ entusiasma Tiago, mas é a herança cervejeira do país que o fascina verdadeiramente. Fecha a noite com a contar sobre o esta “cerveja tão única como não encontras em mais outro local do Mundo”. Há cervejas com denominação de origem controlada, como a Lambic. Olha para uma parede, onde está em destaque o Vinho do Porto e explica: “Assim como o Vinho do Porto que só pode ser feito no Vale do Douro, a Lambic só pode ser no Vale do Senne, em Bruxelas”.
“A cultura turística aqui é muito pela cerveja, temos mestres cervejeiros que não existem em mais lado nenhum. Temos seis cervejas trapistas, que não existem em mais lado nenhum, três no Norte e três no Sul. Nos Países Baixos, que tem a mesma área do Bélgica, só existe um cerveja trapista. Na Alemanha, que é muito maior, só existe uma. Aqui existem seis”, conta.
Uma das curiosidades que se aprendem com Tiago Ribeiro é sobre a “função social da cerveja”. Nomeadamente da cerveja trapista, produzida em mosteiros por monges e que os lucros são entregues à caridade.
E o paladar é “completamente diferente de todas as outras do mundo”. “É especial muito por causa da água que há aqui, é uma água muito dura e que noutros países têm de acrescentar sais minerais para criar uma cerveja semelhante”, explica.
E como começou esta tradição cervejeira no país? “É uma questão histórica”, afirma. “O solo não é fértil para a vinha e há uma grande necessidade da população belga fazer cerveja. Na altura da peste negra, que eliminou um terço da população europeia, a Bélgica teve o menor índice de mortalidade, as pessoas não bebiam água, bebiam cerveja. É uma cerveja de alta fermentação, tem de ser fervida. Era uma cerveja diferente da que temos hoje, com um grau de alcoolemia muito menor do que aquilo que temos hoje, apenas com 2% ou 3%, e que salvou milhões de vidas. Parece absurdo, mas salvou milhões de vidas por ser fervida”, diz o guia de 36 anos.
Mas é melhor não levantar mais o véu porque o melhor mesmo é passear à ‘boleia’ do Tiago. Ele estará em Bruxelas nos próximos anos disponível para mostrar Bruxelas, com ‘tours’ em português, espanhol, inglês ou francês e disponível para reservas.
As exceções são quando está por Portugal, como foi por altura das Feiras Novas de Ponte de Lima deste ano, em que veio mostrar a tradicional festa do Alto Minho à sua namorada eslovena.
Não tem dúvidas que é na capital belga que quer viver nos próximos anos, mas regressa sempre que pode às margens do rio Lima, onde ainda guarda “tudo”. “Tenho os meus melhores amigos, a minha casa, tenho o meu coração em Ponte de Lima”, concluiu.