Quando tem pouco que fazer na sua banca de frutas e de legumes do mercado de Viana do Castelo, José Lourenço dedica-se à pintura, uma paixão “adormecida” desde a escola primária.
“Pintar liberta-me e aumenta a minha autoestima“, afirma o autodidata, de 60 anos, que desde 2009 tem na pintura um “escape maravilhoso”.
Há dois anos, José ganhou “coragem” e concorreu à Bienal Internacional de Arte de Vila Nova de Cerveira. Apresentou uma série de cinco quadros das Lagoa de Bertiandos e São Pedro de Arcos, em Ponte de Lima, e ficou “feliz” só pela participação no concurso “Artistas do Alto Minho”.
O coordenador artístico da mais antiga bienal do país viu os trabalhos e diz que a pintura de João António Lourenço reflete “versatilidade” ao “apresentar os mais variados aspetos do quotidiano”.
“A paisagem é dominante na obra do pintor, ressaltando nos seus trabalhos a forma natural do colorido da sua paleta”, sublinhou Cabral Pinto.
Das cores misturadas na paleta de José, feita “com um pedaço de acrílico que tinha guardado em casa”, ganham forma rostos, paisagens e “coisas bonitas” que o “libertam para longe” do mercado da cidade, sem “nunca ter aprendido nada sobre a arte” e corrigindo “os erros a cada quadro que pinta “com os dedos, o pincel ou a espátula”.
O negócio da venda de frutas e legumes está na família da mulher, Fátima, “há mais de 50 anos”, ainda dos “tempos do primeiro mercado” da cidade, no local onde hoje ainda se encontra o prédio Coutinho, com demolição prevista desde 2000, ao abrigo do programa Polis, para ali ser construído o novo mercado municipal.
Pelo meio, o negócio familiar passou pelo segundo mercado, que também foi demolido para dar lugar a habitação para os moradores que abandonaram o prédio de 13 andares e está, desde 2003, instalado num espaço provisório, entretanto adquirido pela Câmara.
O casal ainda espera “ter saúde” para continuar o negócio no novo espaço que a autarquia quer construir, no lugar hoje ocupado pelo “Coutinho”.
“Ainda somos novos para parar e esta é única alternativa que temos para viver. A pintura não dá para comer”, afirmou o artista autodidata, orgulhoso dos três filhos “engenheiros” formados com o negócio que gere com a mulher desde 1989.
Em dias de mercado, durante a manhã, José faz entregas ao domicílio. À tarde “atende”, na banca, mas reconhece que o negócio “caiu muito” e as “horas mortas custavam mais a passar” se não fosse a pintura.
“Entretenho-me a pintar. Acabo um quadro e tenho de começar logo outro”.
Nem mesmo n burburinho do mercado o incomoda: “É-me indiferente. Podem tocar-me no braço que não estou cá”.
Já pintou, com “os dedos, o pincel ou à espátula, mais de 150 quadros”, “cerca de 70 foram vendidos e outros oferecidos”, “alguns espalhados por vários países, como a Noruega, Grécia, Finlândia”.
Os “mais baratos”, sobretudo retratos, vende por 75 euros. O mais caro é “uma pintura, lindíssima, do Palácio da Pena, em Sintra”, vendida por 300.
Começou por “treinar” em telas improvisadas “em materiais que tinha em casa”, tudo reaproveitado, porque até a mala onde guarda as tintas e os pincéis resultou de um antigo arquivo em madeira.
“Eu não estrago, não sei estragar, não gosto, reutilizo tudo. Mesmo o líquido onde lavo os pincéis é utilizado para fazer o esboço do desenho”, explicou.
Pinta a óleo, porque “a tinta espera” quando tem de atender um cliente. “A tinta acrílica seca mais rápido e depois não dá para fazer o que se pretendia”, explicou o autodidata que ouve sempre as “opiniões” dos colegas do mercado.
“Chamam-me à atenção e as opiniões deles ajudam muito, temos que saber ouvir”, afirma, lamentando a falta de “poder de compra” para investir em arte.
“Os clientes da banca gostam muito dos quadros. Já compraram alguns e dizem que não compram mais porque não podem”, disse.