Um homem de 60 anos entrou em estado de anafilaxia após ter sido picado por uma vespa ‘asiática’ (Vespa velutina), em Barcelos, necessitando de assistência imediata depois de notar um aumento de obstrução nas vias respiratórias.
Luís Batista saía do trabalho, na freguesia de Fragoso, em Barcelos, quando entrou na sua carrinha para se deslocar para casa, como faz todos os dias da semana. Porém, no final da semana passada, pouco mais de 100 metros em andamento, sentiu uma picada no ombro, sacudiu e verificou que se tratava de uma vespa velutina, que tratou de ‘matar’ ainda no chão do carro.
“Segui viagem, mas passados dois ou três minutos comecei a sentir uma vibração no corpo e notei que o ombro já estava a inchar. Passados mais uns minutos começou a inchar-me a garganta e foi aí que decidi ligar para a minha mulher, para ela chamar o INEM”, contou o homem esta tarde a O MINHO.
Quando chegou a casa, cerca de 10 minutos depois, “já mal falava, tinha uma dor forte no peito e custava a respirar”. Quando a assistência chegou, a cargo dos Bombeiros de Barcelos e da equipa médica do INEM, que se deslocou na VMER proveniente de Viana do Castelo, recebeu logo o antídoto, uma vez que faz parte dos 3% da população mundial que sofre reações anafiláticas após contacto com o veneno de uma vespa ou de uma abelha.
“Eles quando chegaram viram-se aflitos porque eu estava mesmo mal, acho que se tivessem demorado mais dez minutos eu batia a caçoleta. Os bombeiros até já estavam preparados para o pior quando a médica disse que estava no limite”, revelou.
Luís adiantou a O MINHO que já por duas ocasiões tinha sido picado por abelhas e teve de se deslocar ao hospital para receber o antídoto, mas nunca conheceu sintomas como os relacionados com a picada da vespa asiática, embora haja especialistas a afirmar que o efeito é o mesmo. “Das outras vezes senti uma comichão no corpo, nunca me tinha inchado a garganta nem faltado o ar, por exemplo”, assegurou.
Desta vez, assistido no Hospital de Barcelos, levou “uma injeção no rabo” e “passados 10 minutos” já não tinha qualquer inchaço na garganta e conseguia respirar normalmente.
Tipos de ninho
Em junho é quando surgem alguns ninhos secundários de vespa ‘asiática’ (Vespa velutina nigrithorax), levando a que agentes da proteção civil e apicultores estejam já atentos a esse fenómeno que ocorre todos os anos no início do verão.
O ninho primário, que pode atingir os 15 centímetros e surge entre março e junho em beirais de telhado, tetos de anexos, arrecadações, caixa de persianas e até enterrados. Têm por missão gerar a primeira geração de obreiras daquela colónia.
E o secundário, que surge habitualmente entre junho e março e pode medir de 15 cm a 70 cm. Encontra-se tipicamente em árvores, vegetação rasteira, muros, beirais de telhado, por baixo das telhas, arrecadações, caixa de persianas e enterrados nos solos. Servem para desenvolver novas gerações de rainhas que vão dar origem a novas colónias no ano seguinte.
Ninho primário – pode atingir os 15 centímetros e surge entre março e junho em beirais de telhado, tetos de anexos, arrecadações, etcAssociação Nativa
Ninho secundário – surge habitualmente entre junho e março e pode medir de 15 cm a 70 cm. Encontra-se tipicamente em árvores, vegetação rasteira, muros, beirais de telhado, etcAssociação Nativa
Velutinas regressam ao ativo
Os ciclos biológicos da vespa velutina, assim como de quase toda a biodiversidade, estão condicionados pelo clima. Depois de hibernaram, no final do outono, para locais de difícil acesso, quase sempre associados a lenhas e madeira, habitualmente o mês de fevereiro é quando as ‘rainhas’ que nascem em ‘ninhos’ do ano anterior começam a procurar alimento. Em março começam a construir os ninhos primários, onde criam a sua ‘guarda’ de honra, restrita a poucos insetos. Cerca de um mês depois, mudam-se para o ninho principal e a rainha começa a dar à luz de forma massiva, com o vespeiro a poder albergar cerca de duas mil vespas.
Ou seja, cada fundadora ‘abatida’ representa uma possibilidade de menos 2 mil vespas ‘asiáticas’ a incomodar durante verão e outono (e, agora, até no inverno). O mesmo sucede em relação aos ninhos primários, mas estes mais difíceis de conseguir eliminar com as vespas lá dentro (e dessa forma evitar a continuação da reprodução dessa ‘rainha’).
Nos últimos anos, e conforme deu conta O MINHO numa reportagem realizada no início de 2022, vários vespeiros têm sobrevivido ao inverno com milhares de exemplares de vespas vivas, algo que não era encarado como sendo habitual. Demos vários exemplos de testemunhos ocorridos um pouco por todo o Minho e também na região do litoral de Aveiro. Uma reportagem vídeo do jornal O MIRANTE, no Ribatejo, mostrou um vespeiro ativo com cerca de 2 mil vespas em pleno mês de dezembro de 2022.
Ainda sem fundamentação científica que comprove, a realidade no terreno parece mostrar que os ciclos ativos da vespa asiática são prolongados devido ao nosso clima mais temperado, tornando-a uma ameaça ainda maior para os outros insetos, para a produção frutívora e para a saúde pública, pois podem ser extremamente agressivas e as suas picadas podem resultar na morte.
“As vespas fecundadas hibernam para voltarem a emergir no final de janeiro, fevereiro e assim começarem um novo ciclo”, conforme explicou a O MINHO Maria João Verdasca, bióloga investigadora da Universidade de Lisboa, e especialista em investigação na área da velutina em Portugal.
Ninhos no solo
Outra questão observada com particular interesse durante a época passada está na construção de ‘ninhos’ no solo, técnica pouco habitual dos insetos que parece estar a intensificar-se, conforme notou a O MINHO, no final do ciclo de 2021, Marco Portocarrero, presidente da associação NATIVA e técnico de intervenção em ‘ninhos’ de vespa.
“Isso [a adaptação da vespa] preocupa-me muito, porque traz várias implicações principais, não só na apicultura. Há o ataque às produções de fruta e verificámos cada vez mais um problema na agricultura e floresta, sobretudo nas limpezas de terrenos. Muitos dos ataques têm ocorrido devido a ninhos no solo, em baixa altura, vegetação rasteira. Para defender os vespeiros, ficam agressivas, e quando as pessoas que fazem a limpeza dos terrenos lhes tocam inadvertidamente, são atacadas e muitas vezes picadas”, considerou.
Dessa forma, antes do início da primavera, é aconselhada a colocação de armadilhas artesanais com atrativo para apanhar as rainhas fundadoras, de forma a evitar a criação de mais vespeiros.
Como é que elas chegaram?
O engenheiro Miguel Maia foi o pioneiro na deteção da vespa asiática. Em 2010, trabalhava na associação de apicultores do Alto Minho (APIMIL) quando um apicultor, Nuno Amaro, encontrou uma vespa que não soube identificar. “Mostrou-me e eu suspeitei que seria uma velutina, porque já tinha visto em França. Tirámos fotografias com o telemóvel e enviámos por e-mail para uma associação do País Basco e para o Museu de História Natural de Paris. Todos identificaram como sendo uma ‘asiática’”, salientou.
“Isto foi em 2010, perto do final do ano, se não me engano, e a partir daí fomos falar com os bombeiros, nomeadamente com o comandante António Cruz, que se mostrou disponível. e encontrámos logo alguns ‘ninhos’ na antiga Soporcel”, recorda.
O engenheiro avança que a teoria mais aceite é a de que a vespa invasora terá chegado num transporte de madeira a Viana do Castelo, proveniente de França, num contentor de madeira:
“Isto foi um bebé que nos veio parar aos braços. Houve uma tempestade na zona da Aquitaine onde foram destruídas muitas árvores, e o Governo francês, para limpar a zona, decidiu, isto segundo o ICNF, contratar empresas que trabalham com madeira para lá irem limpar, vendendo-a a ‘preço da chuva’”.
Refere-se à situação catastrófica provocada pela tempestade Xynthia, que em fevereiro de 2010 varreu a costa atlântica de França, provocando 52 mortos.
E o meio dos troncos veio uma vespa fecundada que se encontrava em hibernação e criou o primeiro ninho em Portugal. “Na altura houve relatos de pessoas que já tinham visto desta espécie no ano anterior, pelo que, se calhar, já poderia ter chegado antes, mas nada foi provado”, concluiu.