A situação climática atípica dos meses de dezembro de 2021 e janeiro de 2022, onde as temperaturas máximas rondaram os 20 graus e a chuva foi quase uma miragem, terá proporcionado uma maior esperança de vida à vespa velutina, vulgo asiática, levando a que vários ‘ninhos’ ainda se encontrem em plena atividade e com os – assim chamados – ovos do dia nos alvéolos (células do favo construído com celulose), assim como as larvas, as ninfas e os insetos já adultos.
Em janeiro, as “rainhas” habitualmente já se encontram em estado de hibernação, para começarem a construir novos vespeiros primários a partir de fevereiro, mas tal não está a suceder em alguns casos. Calor e fruta estarão a propiciado esta particularidade.
Miguel Maia, engenheiro zootécnico especialista em apicultura, que, em conjunto com José Grosso Silva, foi reconhecido como o primeiro a identificar uma vespa ‘asiática’ em Portugal, mais concretamente em Viana do Castelo, não tem dúvidas: “A extensão do período de atividade da vespa velutina, registado esta época, deve-se ao clima”.
Com apiários na zona litoral do Norte, mais concretamente em Esposende e na Póvoa de Varzim, Miguel Maia reparou que, em 2021, “as abelhas começaram a enxamear um mês mais tarde que o habitual, e atribui esse facto ao clima mais quente”.
“Se reparar, esta temporada foi ano de muita fruta, e na anterior não. E a fruta também serve de alimento à vespa – mais uma razão para que tenha condições para prolongar a longevidade”, afirmou o antigo formador da associação apícola do Alto Minho, ao nosso jornal.
“Não há conhecimento que novas rainhas fundadoras possam estar a ocupar ninhos dos anos anteriores”
Maria João Verdasca, bióloga investigadora da Universidade de Lisboa, e especialista em investigação na área da velutina em Portugal, concorda com o engenheiro zootécnico, apontando que “os ninhos realmente costumam ficar inativos no final do ano” e que o clima tem sido o factor preponderante para que tal ainda não tenha sucedido com alguns deles.
“As vespas fecundadas hibernam para voltarem a emergir no final de janeiro, fevereiro e assim começarem um novo ciclo. Este ano as temperaturas no inverno estão a ser relativamente altas para a época, pelo que não é estranho que ainda haja ninhos ativos”, disse, apontando que recebeu “na semana passada” um relato idêntico por parte de um apicultor de Ourém, em Fátima.
A bióloga disse-nos que a vespa asiática tem um ciclo de vida anual em que as suas colónias acabam por morrer no final do ano. “No entanto, como este inverno as temperaturas têm sido relativamente altas, é natural que alguns ninhos possam ainda ter atividade”.
Sobre as ‘rainhas’ ainda em atividade, “até ao momento não há conhecimento que novas rainhas fundadoras possam estar a ocupar ninhos dos anos anteriores”, afirmou.
“Os ninhos que agora permanecem ativos são os do ano passado, mas que em breve deixarão de ter atividade. As novas rainhas fundadoras irão sair da hibernação agora no final de janeiro, início de fevereiro e começar a sua própria colónia”, explicou.
Contudo, e conforme constatou O MINHO durante uma reportagem fotográfica realizada por Paulo Jorge Magalhães, em Aboim da Nóbrega, concelho de Vila Verde, os vespeiros do ano passado ainda têm ‘rainhas’ no interior – e a prova disso são os ovos recentes nos alvéolos e as larvas ainda em movimento e à espera de alimento por parte das operárias (que ainda trabalham para isso).
No entanto, a investigadora não crê que esta situação leve a um “retardamento do ciclo de vida da vespa para este ano, pois as novas fundadoras foram aquelas que eclodiram e acasalaram no outono passado, e que agora após este período em que estão a hibernar irão reaparecer para começar a construção do novo ninho”.
“O que pode retardar o ciclo é se durante a fase em que estão a hibernar ocorrer um frio muito intenso que faça com que as vespas demorem mais um tempo a sair, isto é, até que as temperaturas subam mais um pouco”, avaliou.
Larvas movimentam-se num vespeiro de ‘asiáticas’, captadas a 18 de janeiro de 2022. Vídeo: O MINHO
O MINHO ouviu Marco Portocarrero, presidente da associação NATIVA e técnico de intervenção em ‘ninhos’ de vespa, natural de Caminha, e responsável pela destruição de vespeiros na zona do Douro Litoral e Aveiro, e este reforçou que as vespas estão ainda em plena atividade e cada vez mais agressivas.
“Sobretudo no litoral, onde as temperaturas são mais suaves, verifico que cada vez há o alargamento do ciclo de vida ativo da vespa. Tanto na primavera começam mais cedo – esta época começaram no mês de junho já com ninhos secundários ativos, portanto um mês mais cedo – e ainda estão a acabar um mês mais tarde”, afirmou
E sustentou: “Ainda estamos com muitos ninhos ativos. Hoje (dia 20 de janeiro de 2022), fiz várias intervenções, com atividade bastante, sobretudo em árvores de folha caduca”.
A NATIVA (Natureza, Invasoras e Valorização Ambiental) foi criada para combater espécies exóticas invasoras em que os cidadãos possam colaborar na deteção precoce e em outras ações que permitam o controle dessas espécies.
“Mas temos vindo a atuar praticamente só com a vespa velutina”, revelou, adiantando que, atualmente, a associação dispõe de três equipas de intervenção no terreno, a trabalhar diariamente, e outros tantos elementos na parte administrativa, que fazem a monitorização e administração das intervenções, solicitadas sobretudo pelos municípios.
Vários municípios já deram como encerrado o período de intervenção nos ninhos, como é o caso de Cabeceiras de Basto ou da Póvoa de Lanhoso, mas Marco Portocarrero sustenta, com factos, que essa ação está a ser precipitada, uma vez que não terá havido o cuidado dos agentes de proteção civil em perceber a situação anómala deste ano.
“Enquanto [os ‘ninhos’] estiverem ativos, continuam a ter muitas vespas. Ao contrário do que dizem, que não se deve fazer intervenção porque são do ano passado, eu digo que é preciso verificar se ainda têm atividade, e se sim, é preciso fazer intervenção, porque continuam com muitas rainhas que vão originar novos ninhos na temporada seguinte”, defendeu.
O “caçador de vespas”, como é conhecido por entre os apicultores, lembra que a partir do mês de outubro, as colónias começam a criar novas rainhas, que a partir de agora já deviam estar em hibernação. “Mas enquanto eles estão lá, porque são alimentadas pela colónia, vão ficar lá”. Ou seja, considera que só quando as obreiras morrerem (com o frio, possivelmente), é que estas rainhas vão hibernar.
Cada vez mais perigosas
Marco Portocarrero diz que as vespas ‘asiáticas’ estão a evoluir no nosso território e estão mais agressivas porque se sentem mais ameaçadas, e a isso poderá estar associado o aumento dos vespeiros mais próximos ao chão.
Conforme havia noticiado O MINHO no verão de 2021, as vespas estão a construir cada vez mais ‘ninhos’ em zonas de vegetação rasteira, nas bermas dos terrenos e até nos caminhos municipais, o que tem propiciado mais ataques e mais hospitalizações, sobretudo por parte de quem pratica silvicultura.
“Isso [a adaptação da vespa] preocupa-me muito, porque traz várias implicações principais, não só na apicultura. Há o ataque às produções de fruta e verificámos cada vez mais um problema na agricultura e floresta, sobretudo nas limpezas de terrenos”, expôs.
Muitos dos ataques têm ocorrido devido a “ninhos no solo, em baixa altura, vegetação rasteira”. Para defender os vespeiros, ficam agressivas, e quando as pessoas que fazem a limpeza dos terrenos lhes tocam inadvertidamente, são atacadas e muitas vezes picadas”, disse.
Não há relatos de vítimas mortais nesta temporada, “mas foram vários casos em que as pessoas chegaram a ter de ser reanimadas no hospital, sobretudo no verão”, disse Portocarrero, lamentando que a sinalização da maior parte dos ninhos só possa ser feita “depois das pessoas serem picadas”. No verão e outono – prossegue – foram descobertos “mais de três ninhos por dia” dessa forma. E as maiores vítimas foram os Sapadores Florestais, que vão “semana sim, semana não, parar ao hospital”.
“Terá de aparecer um almirante Gouveia e Melo para levar o navio a bom porto”
Na passada semana, em Mós, concelho de Vila Verde, Rui Soares foi atingido por cinco vezes por vespas velutinas, enquanto procedia a uma pequena escavação para poder reparar uma conduta subterrânea que transportava água para a sua habitação.
O vespeiro encontrava-se parcialmente enterrado no solo e só ficou a nu aquando da intervenção para a reparação. Familiarizado com uma equipa de três apicultores residentes em Aboim da Nóbrega, no mesmo concelho, socorreu-se destes para eliminar a ameaça subterrânea.
José Carlos Nunes, um dos elementos da equipa que conta ainda com Jorge Maia e Domingos Costa, já apelidada de “terror das vespas asiáticas”, explicou a O MINHO que o vespeiro estava localizado junto à conduta, no subsolo.
“A sorte dele foi não espetar lá com o pé, enquanto abria a vala para proceder à reparação”, constatou o apicultor. “Os ‘ninhos’ rasteiros são muito difíceis de detetar, só mesmo quando há limpeza, ou quando alguém tropeça neles, de outra forma não é fácil”, constatou.
Sobre a atividade das vespas nesta altura do ano, José Carlos tem uma forte convicção: “Ao contrário de anos anteriores, em que não se ouvia falar das vespas nesta época, este ano veio contrariar o que se pensava anteriormente, que elas hibernavam a partir de novembro, e só saiam entre fevereiro e março”.
O apicultor detalhou ainda que a equipa de três apicultores eliminou “cerca de 40 ninhos” durante esta última temporada, entre o concelho de Vila Verde e Ponte da Barca, sempre pro-bono, e criticou a ação, a nível nacional, no combate a esta praga.
“O Plano de Ação para a Vigilância e Controlo da Vespa Velutina não está a resultar. Terá de aparecer um almirante Gouveia e Melo para levar o navio a bom porto”, considerou.
Chefe no Corpo de Intervenção da PSP do Porto, e morador em Vila Verde, transporta-se para o ‘trabalho’ de comboio, e reparou que entre Porto e Braga é possível avistar “mais de 50 ninhos” ao longo do percurso. “Não sei se estão ativos ou não, claro, mas assusta. E é cada um… Parecem cestos de vindima”, disse.
E, a concluir, alertou: “Antigamente, nesse percurso, de cerca de 50 quilómetros, avistava-se à volta de meia-dúzia. Mas agora são mesmo muitos. Isto é a pura realidade. E muitos deles estão ‘plantados’ em árvores, em zonas residenciais”.
O plano mencionado foi desenvolvido pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária e pelo ICNF, com o contributo do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária e finalizado em articulação com as Comunidades Intermunicipais (CIM), SEPNA/GNR e Direções Regionais de Agricultura e Pescas. Dota os municípios com apoio financeiro e formação para mitigar o avanço do inseto.
A responsabilidade é de todos
Marco Portocarrero, presidente da NATIVA, tem a certeza que este ano houve um aumento de vespeiros. “Até agora, vínhamos a diminuir gradualmente o número de ninhos em cerca de 10% a cada ano, mas esta época tivemos um aumento global e intervencionámos quase o dobro do ano passado”, revela.
“Demonstra que houve alteração no comportamento da vespa, pois deve ter conseguido uma adaptação especial que ainda não percebemos, mas a verdade é que estamos a ter o dobro dos ninhos, o que demonstra que a ação de todos os intervenientes, incluindo a nossa, não tem permitido uma resposta eficiente”, admite.
O técnico apelou à população para que, antes do início da primavera, coloque armadilhas artesanais com atrativo para apanhar as rainhas fundadoras, de forma a evitar a criação de mais vespeiros.
Miguel Maia foi o primeiro a identificar uma velutina em Portugal: “Foi um bebé que nos veio parar aos braços”
A O MINHO, Miguel Maia refere que no início existiu alguma apatia por parte de algumas entidades, como o ICNF, em relação à vespa. Contudo, destaca a pronta disponibilidade da proteção civil e dos Sapadores de Viana do Castelo, que se mostraram sensíveis à ameaça.
Miguel Maia lembra que, em 2010, trabalhava na associação de apicultores do Alto Minho (APIMIL) quando um apicultor, Nuno Amaro, encontrou uma vespa que não soube identificar. “Mostrou-me e eu suspeitei que seria uma velutina, porque já tinha visto em França. Tirámos fotografias com o telemóvel e enviámos por e-mail para uma associação do País Basco e para o Museu de História Natural de Paris. Todos identificaram como sendo uma ‘asiática'”, salienta.
“Isto foi em 2010, perto do final do ano, se não me engano, e a partir daí fomos falar com os bombeiros, nomeadamente com o comandante António Cruz, que se mostrou disponível. e encontrámos logo alguns ‘ninhos’ na antiga Soporcel”, recorda.
O engenheiro avança que a teoria mais aceite é a de que a vespa invasora terá chegado num transporte de madeira a Viana do Castelo, proveniente de França, num contentor de madeira:
“Isto foi um bebé que nos veio parar aos braços. Houve uma tempestade na zona da Aquitaine onde foram destruídas muitas árvores, e o Governo francês, para limpar a zona, decidiu, isto segundo o ICNF, contratar empresas que trabalham com madeira para lá irem limpar, vendendo-a a ‘preço da chuva'”.
Refere-se à situação catastrófica provocada pela tempestade Xynthia, que em fevereiro de 2010 varreu a costa atlântica de França, provocando 52 mortos.
E o meio dos troncos veio uma vespa fecundada que se encontrava em hibernação e criou o primeiro ninho em Portugal. “Na altura houve relatos de pessoas que já tinham visto desta espécie no ano anterior, pelo que, se calhar, já poderia ter chegado antes, mas nada foi provado”, concluiu.
Governo deu um milhão para a ‘guerra’
Através do plano de combate, o Governo disponibiliza anualmente mais de um milhão de euros para que os municípios possam desenvolver um plano eficaz de eliminação da espécie, algo que não se tem provado suficiente para erradicar as já maiores predadoras de abelhas em Portugal.
200 mil para o combate na região do Ave
Recentemente, foi anunciada a aprovação de uma candidatura dos municípios de Cabeceiras de Basto, Fafe, Guimarães, Mondim de Basto, Póvoa de Lanhoso, Vieira do Minho, Famalicão e Vizela com valor de 200 mil euros para implementar um plano contra a vespa asiática.
O projeto prevê a implementação de uma rede de armadilhas no território, a aquisição de equipamentos para captura e destruição de ninhos, capacitação técnica operacional e, ainda, a realização de uma conferência para discussão da temática da vespa velutina e os seus impactos na região.