Entre quinta e sábado, o Festival Política ocupou o espaço do Centro de Juventude de Braga com espetáculos e debates segundo o mote “A hora de intervir é agora ou já”. A programação artística e de participação social chamou os jovens para a mesa das discussões mais latentes da sociedade, como os direitos LGBTQIA+, a democracia, as vozes da resistência e o significado de comunidade. Este festival colocou novamente a tónica no conceito “política”, que vai muito para além do partidarismo.
Durante três dias os bracarenses foram convidados a refletir e usufruir das qualidades estéticas da intervenção, com iniciativas produzidas por diversos países do espaço europeu. O Festival Política, desde 2019 com uma programação anual vasta em Braga, completou a sua quarta edição no Centro de Juventude. O evento, com entrada gratuita a todos, recebeu pessoas de vários pontos do país e estrangeiros, curiosos e movidos pelas dinâmicas importantíssimas ocorridas durante a semana. Ao todo, passaram pelo espaço bracarense mais de 800 pessoas.
A tarde de quinta-feira abriu espaço às performances “Lost – Itália”, que pensou sobre a História e observou as profundezas do interior; e “Notícias de última hora – Portugal”, um espetáculo mediático onde o público foi convidado a debater quais direitos fundamentais prometidos pela democracia estão ainda por cumprir. Estas ações foram desenvolvidas e apresentadas pelo grupo RESISTANCE! – Youth Festival of Modern European History. O dia contou também com a sessão cinematográfica “A sala dos professores -Alemanha” e a conversa despoletada pela pergunta “Precisamos de maior participação política e cívica?”. A sessão descontraída com António Fernando Tavares, professor associado com agregação e diretor do Departamento de Ciência Política na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho e adjunct associate professor na United Nations University – Operating Unit on Policy-Driven Electronic , questionou ainda se os portugueses estão resignados ou se há sinais de que estão mais interessados na vida pública e política.
O auditório do Centro de Juventude de Braga recebeu na sexta-feira o concerto de “Fado Bicha mata o Fado, com amor” que preencheu e encantou a plateia. “Resistance Redux – Países Baixos” apresentou uma interpretação visual, musical e física da vivência dos Molucanos nos Países Baixos e “You are what you eat – Eslovénia”, um verdadeiro compêndio de rebeliões, desde as mais banais até às grandes críticas no contexto da antiga Jugoslávia.
A apresentação “Reconhecer o Padrão”, que ocorreu na sala de convívio, combinou uma breve apresentação da revista com o lançamento do seu novo podcast, Argumentum. A Reconhecer o Padrão disponibiliza artigos de especialistas, análises aprofundadas e perspetivas sobre temas como a acessibilidade, o padrão estético, a crise laboral nos mais jovens, assim como outros de relevo na atualidade, desde política, sociedade e cultura de uma forma livre. Este é um projeto vencedor do concurso de bolsas para jovens artistas, ativistas e criadores, promovido pelo Festival Política e pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ).
Na mesma tarde, o centro da cidade recebeu o concerto de Lucas Pina. O cantor são-tomense tornou-se conhecido do grande público depois da participação no Got Talent Portugal. Lançou no dia 8 de março, “Mamã”, uma ode às ações e gestos da mãe para os seus filhos.
O sábado abriu as portas a um dia repleto de atividades, iniciando-se com a oficina de fala performativa “Encontra a tua voz”que estimulou os participantes a buscarem, através de jogos e dinâmicas, diferentes formas de se expressarem. Neste contexto, foi através do corpo que surgiram as mais formas de se dizer, individual e coletivamente, um texto em prosa ou poesia, com o tema do 25 de Abril, de autoras portuguesas de diversas gerações, funcionando como ferramenta de construção cívica e de pensamento crítico.
Também a oficina de canto “Vozes do mundo: um canto de protesto” encarou a voz como um instrumento ancestral, que imprime quem somos e como estamos no mundo, fazendo-se ouvir no canto de protesto. Segundo o Festival Política, “O canto em grupo é a maneira de juntarmos nossas vozes e estarmos afinados num propósito coletivo de darmos voz ao que se quer calar.” Esta oficina trabalhou com o repertório da canção de protesto de várias partes do mundo, tendo sido apresentadas, juntamente com a performance de voz, no espaço do centro de Juventude de Braga, numa apresentação emocionante. Estas atividades foram da organização da Plataforma do Pandemónio.
“Os primeiros dias da democracia em Braga” foi a visita guiada com ponto de encontro marcado para as 10h30 na Praça Torres e Almeida, conduzida por Rui Ferreira. Esta visita evocou o advento do regime democrático na cidade de Braga, a partir dos seus principais acontecimentos e protagonistas, nomeadamente as manifestações espontâneas que sucederiam no dia seguinte à revolução, como o comício do Movimento Democrático na Praça Municipal e as exteriorizações de júbilo na Avenida Central e Avenida da Liberdade. Lembrou-se também o verão quente de 1975, que teve um dos epicentros na cidade de Braga, com a homenagem a D. Francisco Maria da Silva e o consequente incêndio da sede do Partido Comunista Português.
A tarde de sábado contou ainda com os espetáculos “Revolution is a sexually transmitted infection – França” e “A intervenção sai à rua”. O mais esperado filme português “Onde está o Zeca?”, do realizador Tiago Pereira, teve a sua estreia nacional pelas 18h00. O filme faz um retrato nacional a partir de músicos múltiplos, que usam a sonoridade como ferramenta política e como megafone das suas opiniões e críticas sociais.
O realizador vê a música como emocional, capaz de tocar nos sentidos e no coletivo. “Qualquer canção intervém num espaço público, pois qualquer manifestação é sempre um ato político. Quem faz música e canções tem o seu contexto, o seu percurso, as suas origens e as suas ideias. Há ainda esta ideia muito portuguesa de um rosto que pode voltar e salvar isto tudo, mas não seremos todos nós capazes de o fazer todos os dias? Onde está o Zeca? Onde estamos nós?”. No fim da sessão, o realizador e o músico Gil Dionísio conversaram com o público, refletindo sobra as suas perspetivas e debatendo sobre a forma de fazer e construir o mundo que propõe. Este filme é uma coprodução de “A música portuguesa a gostar dela própria” e do Festival Política.
Hugo van der Ding trouxe para o palco do Auditório “O que importa é participar”, um espetáculo com as mesmas raízes do podcast de sucesso da rádio Antena 3, Vamos Todos Morrer. O artista contou, com o seu estilo característico, as histórias de personagens portuguesas especiais como “os padres que se passaram com o rei e o puseram a andar (1245), os trabalhadores das obras do Palácio de Mafra que cruzaram os braços até que lhes pagassem o que deviam (1732), o grupo de mulheres do Norte que quis à força enterrar uma velha numa igreja (1846), quando andou tudo à batatada pela falta de batatas (1917) e quando, contra a ditadura do Estado Novo, se assaltou um barco (1961), um avião (1961) e um banco (1967)”.
“Will you come with me?” de Derya Durmaz; “Fragments”, de Marie-Lou Bélande; “Nadie se enamora en um cine porno”, de Varinia Perusin; e “Maghreb’s hope”, de Bassem Bem Brahim compuseram a sessão de cinema para maiores de 18 na noite de sábado.
O Festival Política trouxe também três exposições ao Centro de Juventude de Braga. “História LGBT+ de Portugal”, do Clube Rainbow, foi uma iniciativa estudantil da Universidade do Minho que promove o convívio e consciencialização da comunidade LGBTQIA+. Tratou-se de um panorama histórico da comunidade LGBT+ em Portugal: os desafios que enfrentou ao longo dos anos e os marcos mais importantes na sua luta contínua pela conquista de direitos. “Afinal quantas pessoas se abstêm em Portugal?” baseou-se no estudo preparado por João Cancela, José Santana Pereira e João Bernardo Narciso para a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), em que se avaliou a magnitude e as causas da abstenção técnica no país, formulando propostas concretas para lidar com este fenómeno. Reletiu-se sobre os números oficiais da abstenção, que apontam para a baixa participação dos portugueses nas eleições. O questionamento da exposição detém-se se serão estes números um bom retrato da realidade. A “Polarização afetiva: Causas e implicações para o sistema democrático”, uma perspetiva de Filipe Pacheco, foi a terceira aposta do Festival Política. A exposição baseou-se em vários trabalhos científicos que têm vindo a ser publicados sobre o fenómeno em vários países, mostrando-se as causas e as implicações que a polarização afetiva tem para o funcionamento dos regimes democráticos.
O Festival Política teve ainda em conta a acessibilidade dos cidadãos. Todas as sessões de cinema foram legendadas em português – incluindo as de língua portuguesa, as exposições foram acompanhadas por audiodescrição e todas as sessões restantes tinham presença de um intérprete de língua gestual portuguesa.