A engenheira biomédica, Sónia Ferreira, natural de Serzedelo, Guimarães, nasceu com uma malformação na bexiga que faz com que tenha que urinar para um saco (ostomia urinária), desde os sete anos. Desde tenra idade, sempre conviveu com a fraca qualidade dos adesivos, agressivos para a pele e com pouco poder colante. A certa altura, decidiu que tinha que fazer alguma coisa para ajudar a resolver o problema. Fundou uma empresa – a Besthealth4U -, e em janeiro deste ano foi uma das raras portuguesas presentes na CES 2023, a mais importante feira de tecnologia do mundo, que decorre em Las Vegas.
O saco para ostomia tem que ser colado à pele, isso causa às pessoas que necessitam de usar estes dispositivos médicos diariamente vários problemas: irritações e feridas na pele, causadas pelas substâncias usadas nos adesivos e fraca falta de poder de adesão, fazendo com que os sacos saiam do lugar, levando a que as pessoas fiquem sujas, nas mais variadas situações. Com o passar dos anos, Sónia Ferreira percebeu que este não era um problema só dela, mas de muitas pessoas por todo o mundo. “A questão das feridas e das irritações cutâneas vai mesmo para além do universo das pessoas ostomizadas”, refere.
Quando fez 18 anos, Sónia Ferreira começou a procurar, junto da indústria, soluções de adesivos mais eficazes do que aqueles que conhecia. “Não encontrei, porque não há”, afirma, perentória. Nessa altura, a família tinha uma empresa têxtil, por isso o caminho não foi direto para a universidade. “Só quando a família fechou a fábrica, tinha eu 30 anos, é que decidi que era o momento de ir estudar”, conta.
Ainda pensou em ir para Bioengenharia, “com a ideia de desenvolver uma bexiga em laboratório que pudesse ser implantada em seres humanos”. Acabou por optar por Engenharia Biomédica, na Universidade Católica de Lisboa, seguiu-se um mestrado em Engenharia Biomédica e Biofísica e um MBA, no ISCTE. Já havia a ideia de empreender e era preciso conhecimentos na área científica, mas também de gestão.
Começou em casa sem apoio de nenhum instituto de investigação (e agora mostra em Las Vegas)
A partir de 2014, em casa e sem nenhum vínculo a instituições de investigação ou de ensino superior, formou a Besthealth4U (BH4U) e iniciou o desenvolvimento de um produto que que fosse muito adesivo, não magoasse a retirar, não irritasse a pele e que até ajudasse no processo de cicatrização. “As primeiras experiências aconteceram na cozinha de casa”, afirma. “Trabalhamos com materiais 100% recicláveis, apesar dos resíduos médicos, por imposições legais não serem reciclados, os nossos poderiam ser”, garante.
Mais tarde, a BH4U esteve incubada no Laboratório Ibérico de Nanotecnologia, em Braga. O primeiro produto desta ‘startup’ acabaria por ser o Bio2Skin, um gel que se cola ao corpo através de ligações que estabelece com as moléculas de água que existem na pele. A adesão é forte, mas não provoca irritações e é fácil de retirar (nem sequer arranca os pelos). Foi com a apresentação deste protótipo que a BH4U conseguiu captar mais de um milhões de euros de investimento de fundos de capital de risco, para continuar o desenvolvimento.
A empresa esteve presente, em janeiro passado, na Consumer Eletronics Show (CES), em Las Vegas, a convite da Comissão Europeia e conquistou a atenção das grandes multinacionais do setor. “O nosso objetivo passa por desenvolver as tecnologias para depois as licenciar. Está fora de questão competir com os gigantes”, afirma a investigadora.
Adesivos que monitorizam as feridas e evitam idas ao hospital
A BH4U está agora incubada na Faculdade de Medicina da Universidade do Minho e a trabalhar num penso, o adhesiv.AI, com sensores que monitorizam as feridas permanentemente e transmitem a informação para o telefone do doente e para os profissionais de saúde, médicos e enfermeiros. Os sensores do adhesiv.Ai vão poder controlar parâmetros da ferida como a temperatura, pressão, deformação e presença de bactérias. Está inclusivamente em estudo a possibilidade de estes pensos, através de uma tecnologia de nano-agulhas, poderem fazer a inoculação de medicamentos. Estes pensos poderão, graças à monitorização remota pelos profissionais de saúde, reduzir as visitas aos serviços clínicos.
A BH4U prepara-se, a breve prazo, para sair da incubação em ambiente académico para um espaço que permita desenvolver soluções de industrialização dos processos de produção.