Caso está na Justiça há 18 anos. O Tribunal Central Administrativo do Norte deferiu o recurso de um médico de Braga e da Administração Regional de Saúde do Norte que pedia a anulação de uma sentença do ‘Administrativo’ de Braga que atribuiu 280 mil euros de indemnização aos pais e à criança nascida em 2004 com síndrome de Down.
O clínico e o Centro de Saúde haviam sido considerados culpados por negligência, ao não permitirem que a mãe fizesse uma amniocentese, para verificar se a criança tinha ou não alguma deficiência, tendo-lhe também recusado a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG).
Os progenitores alegaram que “o direito à IVG lhes foi vedado por culpa do médico, que violou os seus deveres pelo desconhecimento das artes aplicadas ao caso vertente, pois que, sabendo dos graves riscos de vir a nascer com a doença de Síndrome de Down, nada fez para o contrariar”.
E tudo, – acrescentavam na Petição Inicial – não obstante os pais, em novembro de 2003, com 12 semanas de gravidez, “terem exposto ao médico a vontade de IVG, tendo-se ele recusado a tal”.
Defenderam que, perante o resultado dos exames realizados, o médicodevia pedir a realização do teste da amniocentese ou colheita de vilosidades da placenta para confirmação diagnóstica, o que não fez, violando as regras da arte médica”.
Criança sem autonomia
E anotavam: “Em consequência desta omissão, a criança nunca será uma pessoa autónoma, mas a necessitar, durante toda a vida, de terceiras pessoas, (pais ou outrem) que a assistam médica, nutritiva, higiene, física, educativa ou socialmente, padecendo de dores incalculáveis que não podem ser contabilizadas, face à sua doença de malformação congénita, com necessidade de ser medicada durante a vida”.
Agora, e depois de terem analisado a prova produzida em julgamento, os juízes concluíram que não ficou demonstrado que tenha havido ‘falha de serviço’ ou violação das leis médicas.
Explicam, também, que, “em ação de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais assente em responsabilidade médica, por atos clínicos e/ou cirúrgicos praticados ou omitidos em estabelecimento do SNS (Serviço Nacional de Saúde), incumbe ao demandante alegar e provar factos integradores dos pressupostos da responsabilidade civil, ou seja: facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano”.
Pedido pressupõe existência de erro médico
O Tribunal salienta que, “nas ações que a doutrina denomina como nascimento não desejado ou “wrongfull birth”, a causa de pedir pressupõe a existência de um erro de diagnóstico do médico o qual impediu a mãe de optar por uma decisão esclarecida sobre a eventual interrupção da gravidez”.
Só que – sublinha – “na presente ação, para se aferir do requisito da ilicitude em relação ao médico era necessário que os pais tivessem alegado e provado factos com poder persuasivo bastante para, num juízo corrente de probabilidade, firmar o convencimento de que o resultado danoso verificado com o nascimento da sua filha com Síndrome de Down foi antecedido de comportamentos clínicos praticados com desrespeito das regras de ordem técnica e/ou do dever geral de cuidado, próprios da atividade médica”.
E conclui: “Tendo os autores na petição inicial alegado apenas como fundamento para o pedido indemnizatório a atuação individual, ilícita e culposa do médico, que reputaram como violadora da «legis artis» da Medicina, advogando que nas circunstâncias verificadas se impunha que tivesse determinado a sujeição da grávida ao exame de diagnóstico/ amniocentese, e não tendo alegado qualquer outro fundamento para a sua pretensão indemnizatória, designadamente, o mau funcionamento dos serviços do Centro de Saúde, o Tribunal não o podia ter condenado com fundamento na falha de serviço (“faute de service”).
Os pais, atendendo a que as duas decisões não coincidem e como a mais recente ainda não transitou em julgado, podem, ainda, recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo.
Notícia atualizada às 23h49 com correção do ano de nascimento da criança (2004, e não 2014).