Artigo de Vânia Mesquita Machado
Pediatra e escritora. Autora do livro Microcosmos Humanos. Mãe de 3. De Braga.
O Papa Francisco, apelou aos jovens para que se rebelem, que sonhem, que se questionem, evitando caminhos escuros, há cerca de três meses, no decorrer do encontro com milhares de jovens na Cracóvia.
O Papa Francisco sabe bem porque o fez.
É um visionário.
Sabe como é a sociedade em que se inserem as crianças e os adolescentes, cujas regras compartimentadas, estanques, algumas desconexas e fruto da não evolução dos tempos, lhes limita a força inata inerente à idade, lhe manieta o sonho, lhes delineia percursos pré-definidos quando é nesta idade que as mudanças para melhor podem germinar.
Sabe que a violência disseminada, pandémica verdadeiro problema de saúde pública os pode e está já a contaminar.
A exposição indireta à violência, doméstica, nas escolas e nos meios de comunicação social, banaliza a agressividade gratuita.
Quando os próprios educadores não dão o exemplo, não se pode esperar que as crianças e os adolescentes sejam exemplares, na forma de estar e de se comportar.
Em Abril de 2015, mês da prevenção dos maus-tratos infantis, numa interessante iniciativa do Hospital de Braga, foi pedido às crianças e adolescentes internadas que escrevessem em “pauzinhos de ver a garganta”, o que eram os maus tratos nas crianças.
Escrevi um artigo no jornal o Minho nesse mês, e destaco agora a opinião de dois adolescentes:
Uma menina de 12 anos que pedia para amarem as crianças abandonadas.
Um jovem de 17 anos que afirmava que a violência não era apenas física, mas que alterava a personalidade.
Criou até um slogan:
“Violência gera violência. Tenha consciência”.
A violência gratuita é um dos fatores que vai marcar indelevelmente a geração futura.
Já se nota nos lares e nas escolas, mas a nível mundial e com a hemorragia que não estanca dos refugiados, sejam económicos ou de guerra, as consequências a nível psicológico serão devastadoras. São crónica e continuadamente vítimas de violência direta.
As crianças estão em fases de desenvolvimento em que o medo é aprendido precocemente, e em que as emoções geradas pelo stress pós traumático (morte dos pais, desenraizamento dos seus países , dos seus lares, escolas e rotinas, realidade diária de tiroteios e espancamentos, vivência em campos de refugiados sem o mínimo de condições logísticas), se incrustam a longo prazo e provocam problemas psicológicos diversos: ansiedade, depressão, fobias, somatizaçōes.
Felizmente a resiliência é um dom infantil, o que pode poupar as sequelas em muitas delas.
Talvez mais temível seja a perda da capacidade de sonhar, pela revolta contra um mundo injusto e que não os protege, a falta de sensação de pertença a uma comunidade, a desorientação emocional.
A falta de noção de que a violência é errada.
Essa situação levará à propagação da violência indiscriminada entre adolescentes e jovens. Delinquência sem remorsos.
A violência é uma herança transgeracional, que estamos a deixar aos nossos filhos.
Quem são as nossas crianças?
As do nosso sangue, as com quem criámos laços afetivos, as do nosso país?
As de todo o mundo.
Os nossos filhos são-nos emprestados por breves momentos terrestres.
Somos responsáveis por este legado absurdo de violência exponencial à geração futura.
O Papa Francisco talvez já não acredite que nós adultos podemos mudar a nossa forma de estar.
Apela por isso a um inconformismo saudável aos nossos sucessores na Humanidade.
Talvez haja ainda esperança.
Mas o nosso conformismo generalizado, a desculpa pronta na ponta da língua da falta de tempo e dos nossos problemas pessoais tem de ser por nós, adultos, ultrapassado.
Estamos a transformar-nos em velhos do Restelo, que apenas nos queixamos de como esta juventude está perdida, cegos para que dobrar o cabo Bojador passa pela mudança das nossas próprias atitudes.
Tentar ser pró-ativo no nosso nicho comunitário, agindo a favor da tolerância, marcando uma posição contra a violência local e divulgando a violência mundial, é uma forma de ser voluntário e de tentar travar a escalada de violência.
Até que os governantes, agentes com capacidade de intervenção, acordem. E compreendam que o mundo é muito mais do que jogos de bastidores de especulação económica e de estratégias geopolíticas.
O mundo é a geração futura: os nossos jovens desestruturados, os jovens que crescem em campos de refugiados, e não apenas uma minoria de jovens privilegiados e alheios a estas realidades, protegidos em redomas de vidro, que um dia irá estilhaçar.
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