Uma cidadã de Viana do Castelo entregou, para reparação, numa ourivesaria da cidade um par de brincos em ouro que valem dez mil euros. Mas ficou sem eles porque a loja foi trespassada e o conserto nunca se fez. Agora, o Tribunal da Relação de Guimarães ordenou ao antigo ourives que devolva os brincos e pague 750 euros a título de indemnização por danos não-patrimoniais.
Na ação que interpôs no Tribunal vianense, Maria M., que tinha consigo o talão de conserto que lhe foi dado quando entregou as peças de ourivesaria, lembrava que, “por várias vezes se deslocou ao estabelecimento para saber dos brincos, continuando por fazer a reparação. O estabelecimento foi trespassado”.
Dizia, ainda, que, por diversas vezes interpelou os donos da ourivesaria – um casal – para reaver os brincos, tendo-lhe sempre sido dito que “ainda não estavam prontos”. A partir de 14 de fevereiro de 2019 os dois nunca mais atenderam as suas chamadas telefónicas.
Por isso, “continua privada da posse dos seus brincos, o que lhe causou e causa enorme desgosto. Adquiriu-os como sendo uma peça rara e chegou a receber propostas de compra pelo valor de 10 mil euros, sempre recusadas”.
Ourives diz que já não é ele
O ourives, Fernando M. apresentou contestação, invocando a sua falta de legitimidade e a caducidade do direito da Autora. Impugnou a factualidade alegada, dizendo que desde o início do ano de 2016 deixou de ter qualquer ligação com o estabelecimento comercial, o qual passou a ser explorado exclusivamente pela empresa compradora. Esta veio dizer que não conhece a dona dos brincos e estes não lhe foram entregues.
A autora não se conformou e recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, cujos juízes-desembargadores lhe deram razão em acórdao de 4 de abril.
Contrato de depósito
Assim, os juízes concluíram que, “a entrega de um par de brincos para reparação num estabelecimento de ourivesaria, que sem justificação não são restituídos, consubstancia juridicamente um contrato de depósito (art. 1185.º do Código Civil), contrato pelo qual uma parte (depositante) entregou à oura (depositário) os brincos (bem móvel) para que os guardasse e restituísse no tempo próprio – com a finalidade convencionada da sua reparação”.
E salientam: “Tal reparação, se viesse a concretizar-se, traduziria – então, sim – um contrato de empreitada (art. 1207.º do Código Civil), reportando-se a realização da obra à reparação dos brincos. Porém, como a reparação não veio a ocorrer, não chegou a tomar corpo contratual a perspetiva da empreitada, restringindo-se a relação estabelecida entre as partes ao contrato de depósito”.
E, prosseguindo, acentuam: “Neste tipo de contrato, está em causa a natureza infungível do objeto, sendo um dos traços característicos do contrato de depósito o da obrigação de restituição da coisa recebida em depósito quando exigida pelo depositante. Não o fazendo, presume-se culposo o seu incumprimento (art. 799.º, do Código Civil), incorrendo o depositário na obrigação de indemnizar o depositante”.