Nuno S. decidiu abandonar o exército ucraniano, para o qual se tinha alistado durante a invasão russa, depois de perceber que iria ser utilizado como “carne para canhão”.
O mecânico português de 29 anos é um dos “pelo menos 15” ‘lusitanos’ que se alistou nas forças ucranianas, através da vulgarmente chamada de “legião estrangeira”. Mas já rasgou o contrato e encontra-se em trânsito pela Europa.
A situação é relatada pela CNN Portugal, que dá conta dos 15 dias em que o português, emigrado em França desde 2014, passou no campo militar de Yavoriv – o mesmo que fica a 25 quilómetros da Polónia e foi recentemente bombardeado pelo exército da Federação Russa.
Nuno explica àquela estação de televisão que “depois do bombardeamento, todos no exército achávamos que ia haver um ataque terrestre dos russos. E por isso, mandaram-nos ficar em linhas de defesa. Fiquei ali em pé, sem arma, sem colete, sem capacete. Percebi que não podia continuar assim” disse, complementando: “Assim, éramos apenas carne para canhão”.
O português alistou-se por impulso, admite: “Achava que não fazia sentido ficar sentado a ver um país, civis, incluindo crianças, a serem mortos. Além disso, há o risco de um dia os russos atacarem o resto da Europa”.
Deixou mulher e filha em casa e rumou à fronteira da Polónia com a Ucrânia, onde manifestou a vontade de integrar a frente de combate contra os homens de Putin. Foi interrogado e acabou por assinar um contrato “por termo incerto, até terminar a guerra”, recebendo depois uma farda.
Diz ter-se cruzado com portugueses e que estarão muito mais do que os sete apontados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros português. Conta que um compatriota ex-paraquedista que lá encontrou, rapidamente foi mobilizado para a frente de batalha, para as cidades que estavam a ser atacadas.
Durante os 15 dias, recebeu formação, pois não tinha qualquer experiência militar de relevo. A primeira semana serviu para conhecer os pontos fracos dos russos. Na segunda, já existiam treinos táticos de combate. Mas o bombardeamento russo, no passado domingo, veio trocar os planos a todos, resultando em pelo menos 35 mortos e 134 feridos, de acordo com a autoridade ucraniana.
“Assisti ao vivo a duas explosões e a dois edifícios a cair. A uns 100 metros, um míssil entrou direto numa caserna onde estavam pessoas, ficou destruída, a arder. O mesmo aconteceu à minha frente num edifício junto à cantina. Não tenho bem noção do tempo, julgo que foram muitos durantes 30 minutos”, disse à CNN Portugal.
O protocolo de segurança mandava esconder-se na floresta ao lado da base, para onde se dirigiu com os colegas. Só regressaram à base depois de os mísseis terem parado. Foram reagrupados e instalados numa linha defensiva, para enfrentar uma possível invasão terrestre das forças russas. No entanto, não tinham armas, nem sequer capacetes. E as ordens eram para ali se manterem, naquelas condições, conta, apontando para “cerca de 200” ‘soldados’ desarmados, todos voluntários estrangeiros.
Conta que tentou procurar armas, mas que estas estavam inacessíveis. Por não ter como se defender, e receando um ataque terrestre por parte dos russos, pediu armas ao comandante, mas este negou-as, dizendo que não havia. Só que Nuno tinha visto onde elas estavam e ainda conseguiu recolher algumas metralhadoras. Mas sentiu-se “desprotegido” e que estava a ser “enviado para a morte”. Foi aí que ganhou coragem e pediu para regressar. Pedido aceite, mas com o papel do contrato a ser rasgado na mesma hora.
Nuno conseguiu sair da Ucrânia e já se encontra algures na zona central da Europa, ainda em trânsito, ansioso por regressar a casa e abraçar mulher e filha.
A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que já causou pelo menos 780 mortos e 1.252 feridos, incluindo algumas dezenas de crianças, e provocou a fuga de cerca de 5,2 milhões de pessoas, entre as quais mais de 3,1 milhões para os países vizinhos, segundo os mais recentes dados da ONU.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.