A secretária de Estado da Igualdade e Migrações, Isabel Almeida Rodrigues, reconheceu hoje que há futebolistas estrangeiros “abandonados” pelos clubes de destino em Portugal, quer antes, quer depois de serem inscritos, no âmbito do tráfico humano na modalidade.
A governante frisou que o Brasil, a Argentina e a Colômbia são os países de onde provêm mais futebolistas vítimas de tráfico humano em Portugal e lamentou que haja “clubes que nunca cumpriram obrigações”, num dos discursos que lançou a campanha “Não deixes que o teu sonho se transforme em pesadelo”, apoiada pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e pelo Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF).
“Já conseguimos identificar dois tipos de perfis: um perfil de cidadão que após ser recrutado no país de origem acaba em Portugal sem ser inscrito em nenhum clube. Já identificámos situações em que, após serem inscritos em clubes, os jogadores são dispensados e abandonados”, referiu, num ‘webinar’ transmitido a partir do Teatro Jordão, em Guimarães.
A secretária de Estado reconheceu hoje que o combate ao tráfico de seres humanos exige reforço das “políticas de prevenção” e a “cooperação entre Estados” e lamentou que se continue a “aceitar perspetivas que se acomodam com fenómenos de tráfico”, porque dão a entender que “há pessoas que são mais pessoas do que outras”.
Isabel Almeida Rodrigues referiu ainda que os casos de tráfico se dão sobretudo em “clubes de divisões não profissionais”, “mais afastados do radar mediático”, depois de o semanário Expresso ter noticiado hoje que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) identificou mais de 250 vítimas e quase 100 arguidos nos últimos cinco anos, com o caso mais recente a ser reportado em setembro, em Serpa.
O coordenador da Unidade Anti-Tráfico de Pessoas do SEF, Orlando Ribeiro, frisou, por videoconferência, que os casos do futebol costumam envolver “clubes menores que querem atingir um maior nível de profissionalismo”, mesmo “quando não têm condições”.
“Os clubes passam a SAD e a ter muitas pessoas de nacionalidade estrangeira, várias vezes ligadas a agências de futebol”, afirmou, detalhando que “a viciação de resultados” é outro dos aspetos, por vezes, ligado ao tráfico.
Já Ricardo Barros, assistente social do Palmeiras, clube do principal campeonato brasileiro, treinado pelo português Abel Ferreira, adiantou que, dos 1.749 futebolistas brasileiros que se mudaram para a Europa em 2021, 274 rumaram a Portugal.
“É muito evidente que o Brasil é o país que mais atletas envia para o estrangeiro. E Portugal é a principal porta de entrada na Europa”, especificou.
O responsável reconheceu que jogadores do escalão sub-20 sem empresário ficam especialmente “vulneráveis ao aliciamento” para tráfico, até no seio do país sul-americano, e defendeu que as bolsas de estudo para atletas fora do “1% que chega ao alto nível” podem mitigar um crime ainda sem “tipificação” nas leis brasileiras.
A falta de documentação por parte dos jogadores que chegam a Portugal é outro dos problemas, segundo a coordenadora da Unidade Integridade e Compliance da FPF, Rute Soares.
“Há pessoas que chegam cá fragilizadas, sem documentos, à espera que os agentes lhes paguem o salário que prometeram. Temos um caso em tribunal que juntou a imigração ilegal de uma pessoa e a manipulação de resultados”, disse, numa sessão que contou ainda com as intervenções da vice-presidente da Câmara Municipal de Guimarães, Adelina Pinto, e com a coordenadora de projetos da organização não-governamental Saúde em Português, Ana Figueiredo.