Em cada prato que cozinha em Inglaterra coloca um bocado de Portugal. Marco Freitas, 27 anos, deixou Ponte da Barca há seis anos para se juntar à namorada no Reino Unido. Ele, que pouco mais sabia do que fazer arroz e massa e fritar uns bifes, fez-se cozinheiro. A profissão da mãe. Parece destino.
A pandemia atirou-o para o desemprego. Mas o revés tornou-se oportunidade. Criou um canal no You Tube com vídeos de culinária e, em confinamento, o número de seguidores e visualizações disparou. Ganhou visibilidade.
Quando falou com O MINHO, só ainda não tinha começado no novo emprego, porque estava a cumprir a quarentena obrigatória para quem chega ao Reino Unido de Portugal, depois de ter vindo matar saudades da terra.
Emigrou com a namorada
Marco Freitas vive perto de Leicester, numa pequena vila chamada Corby. Foi para Inglaterra com a namorada, enfermeira, que não arranjava trabalho em Portugal. Ela partiu primeiro, ele seguiu uns meses depois, assim que concluiu o estágio profissional.
Chegado a terras de sua majestade, foi à procura de emprego. Em Portugal tinha trabalhado na empresa de mármores do pai, foi para a tropa, tirou Curso de Especialização Tecnológica (CET) em energias renováveis e, nessa área, estava a fazer o referido estágio profissional.
“O sítio mais fácil de encontrar trabalho é em fábricas ou na restauração”, nota o jovem minhoto, que ainda trabalhou três fins de semana numa fábrica, mas não gostou, lançando-se, então, na restauração.
Procurou emprego a servir às mesas ou ao balcão, algo que tinha feito nos trabalhos de verão da adolescência.
Num dos restaurantes a que foi propor-se, disseram-lhe que para essas funções não havia vagas, mas que se quisesse podia ir para a cozinha lavar pratos. “Aproveitei. Fui com a ideia de ficar lá até arranjar alguma coisa melhor”, conta o jovem natural da freguesia de Lavradas.
Mas como “estava a gostar” da experiência e mostrava-se interessado em aprender mais e mais, começaram a dar-lhe “mais oportunidades”. “Deixaram-me progredir, tive cursos internos e, a partir daí, foi sempre à procura de aprender mais”, aponta.
Entretanto, já passou por vários restaurantes de estilos diversos: de comida mexicana a “mais gourmet”.
No primeiro desses “mais gourmet” foi onde aprendeu “a cozinhar a sério” com um dos melhores chefs com quem já trabalhou. “Comecei como ajudante de cozinha e, depois, o chef saiu e fiquei eu à frente da cozinha”, recorda.
Por lá quedou-se “mais uns anos” até se mudar para um “restaurante do mesmo estilo”, onde estava há cerca de sete meses quando eclodiu a pandemia. “Foi quando perdi o trabalho”.
Pandemia atirou-o para o desemprego
Desempregado, com toda a gente fechada em casa por causa de uma inesperada pandemia, Marco Freitas começou com um vizinho, também português, de Aveiro, a fazer vídeos de culinária.
O amigo trabalhava em audiovisual numa empresa de marketing, estava em casa devido a ‘lay-off’ e “surgiu com essa ideia”. A coisa “começou meio a brincar”, mas o ‘feedback’ foi “muito positivo”, o que os levou a “apostar mais nisso”.
Agora, apesar de novamente empregado, “os vídeos são para continuar”, talvez não com a frequência usual. “Um vídeo por semana, pelo menos, iremos sempre publicar”, garante.
No You Tube tem 1.500 seguidores e alguns vídeos têm perto de 5 mil visualizações.
“No início teve muitas visualizações por ser uma coisa nova e por o Ainanas [site português de entretenimento] ter partilhado os meus vídeos no site deles. Teve um aumento de visualizações e agora está a acalmar”, avalia.
Quando começou a fazer os vídeos, “a ideia era cozinhar pratos de restaurante” que as pessoas normalmente acham que “são muito difíceis de fazer”. “A ideia era mostrar que o que fazemos num restaurante não é assim tão difícil. É só preciso estar atento e gostar do que se está a fazer”, realça.
O público-alvo acabam por ser as pessoas que já “gostavam de cozinhar, mas não sabiam as técnicas” e, assim, “dar-lhes um empurrão para experimentarem coisas novas, sabores diferentes”.
Agora, tem outros projetos em mente. Vai começar uma série de vídeos só com massa (“dá para fazer tantas coisas”) e também de como “cozinhar comida portuguesa com ingredientes ingleses”.
“É muito difícil cozinhar comida portuguesa em Inglaterra porque não há onde comprar os ingredientes. Se quiser fazer um arroz de sarrabulho, por exemplo, não há em lado nenhum a vender o sangue de porco”, exemplifica o cozinheiro que aprendeu “90%” do que sabe em contexto de trabalho.
“Nunca tive uma aula de culinária. Tive a sorte de trabalhar com pessoas que sabiam muito e me ensinaram, bons profissionais, mas sempre tentei aprender – cursos online, masterclasses privadas com chefes. Agora com a internet é tudo mais fácil”, repara.
“Qualquer coisa que leve vinho do Porto é um best-seller”
Marco Freitas explica que, em Inglaterra, “os restaurantes bons ficam na aldeia, enquanto os da cidade são os franchisings e de cadeias grandes”.
Quando começou a trabalhar nesses fora dos centros urbano é que “[começou] a aprender e ver onde estava a verdadeira cozinha inglesa”.
E quando passou a tomar conta da cozinha, também começou a “introduzir um bocado de Portugal nos pratos”.
“Fazia um prato inglês, mas usava umas especiarias portuguesas e, então, aquilo já sabia um bocado a Portugal”, afirma. “Comecei a fazer coisas tipo polvo, que aqui faz confusão a muita gente, e a introduzir mais peixe no menu”.
Contudo, a única especialidade portuguesa que chegou a colocar no cardápio foi a francesinha. Convenceu o patrão, que após reticência inicial (“porque é que queres pôr uma sandes no menu?”) acabou por admitir que a francesinha “é mesmo especial”.
Quem provava, gostava, mas os clientes não pediam, pelo que “não correu bem”. O que os ingleses adoram de Portugal, nota Marco Freitas, são os pastéis de nata e o vinho do Porto. “Qualquer coisa que ponha no menu e diga que leva vinho do Porto é um best-seller”, reforça.
“Tento sempre cozinhar as coisas à minha maneira, meter um bocado de Portugal nos pratos”, destaca o cozinheiro, assinalando, porém, a dificuldade de implantar a comida regional do Minho nos restaurantes ingleses.
“Adoro sarrabulho e uma boa cabidela, é o que mais gosto de comer. Mas isso é completamente impossível, nem pensar em meter um prato desses aqui. Se digo a um inglês que vou cozinhar um arroz em sangue são capazes até de me dar um tiro”, ironiza.
A cozinha estava nos genes
Quando Marco Freitas foi para Inglaterra “sabia fazer o básico” na cozinha. Mas os genes de cozinheiro estavam lá. “A minha mãe é cozinheira, trabalha num lar de idosos, é responsável da cozinha. É uma cozinheira incrível, cozinha mesmo muito bem”, elogia o chef.
“Sempre aprendi com ela, mas nunca me interessei muito em aprender, porque achava que não era para mim. A minha mãe até, quando acabei o secundário, quase me obrigou a ir para uma escola de culinária em Viana do Castelo”, conta.
Estava muito longe de imaginar que seria mesmo esse o seu futuro. “É a prova de que as mães têm sempre razão”.
A mãe, claro, “ficou contente” com a profissão abraçada pelo filho: “Disse-me: ‘eu avisei-te, não me quiseste ouvir’”.
“Ainda hoje é o tema de conversa, ficamos horas a falar de cozinha. Tem sempre alguma coisa a criticar. É a minha maior crítica”, conta o jovem emigrante, que espera regressar a Portugal “um dia”.
“O objetivo é sempre voltar para Portugal, mas não é já”, afirma, assumindo o desejo de abrir um restaurante no Alto Minho.
“A ideia destes vídeos também passa por criar nome para um dia, se abrir o meu restaurante, ser mais fácil. Se for uma pessoa conhecida, a aceitação será maior”, explica, adiantando que, em mente, tem dois conceitos, dependentes da localização.
“Em Ponte da Barca, uma coisa que faz falta é uma espécie de steakhouse, com bons bifes, carnes maturadas, diferentes tipo de carnes. Se abrisse mais perto de Viana do Castelo, teria que ser relacionado com marisco, porque é mais próximo do mar”, idealiza.
E em cada prato que cozinhar em Portugal talvez coloque também um bocado de Inglaterra.