ARTIGO DE TIAGO BEITES
Geneticamente melgacense, cientista por acaso
Quem não gosta de ter razão? Eu gosto, tu gostas, ele/ela gosta e as pessoas plurais gostam também. Há um prazer muito humano em ganhar uma discussão, seja em pessoa, seja nas redes sociais. Aliás, uma boa parte do que nos agarra às redes sociais é a necessidade de discutir com o senhor Venâncio, numa qualquer caixa de comentários, sobre a combinação de queijo da Serra com pão-de-ló. E como com qualquer outro prazer, quando julgamos ter ficado por cima na discussão, o nosso cérebro envia-nos as hormonas de bem-estar de que tanto gostamos, como quem diz “olha que isto até sim senhores, é coisa a repetir”. O problema começa quando este circuito se sobrepõe à vontade de entender o assunto em questão e vencer o oponente argumentativo se torna um fim em si mesmo. Esta é, de resto, a base da nossa quase irresistível tendência para procurar factos que confirmem aquilo que tomamos por verdade, independentemente da fonte, independentemente do seu carácter mais ou menos alternativo. Pondo isto em termos mais simples, para quem acredita em unicórnios, qualquer burro com chapéu de aniversário serve de prova.
Em contraponto a esta nossa faceta vem o conceito de falsificabilidade como componente essencial do pensamento científico (conceito desenvolvido e celebrizado pelo filósofo Karl R Popper). E o que quer dizer falsificabilidade em ciência? Quer dizer que o trabalho de um cientista é apresentar uma hipótese que seja capaz de ser refutada através de uma experiência científica, isto é que seja passível de ser falsificada. O valor desta abordagem é que se, pelo contrário, apresentarmos uma hipótese que não possa ser refutada, então explicamos tudo e não explicamos nada. É absolutamente inútil. Quer isto também dizer que o cientista deve ir contra um dos grandes prazeres da vida: ter razão. A tarefa é, por vezes, emocionalmente violenta. Imaginemos um pobre cientista a trabalhar afincadamente para obter dados sobre o seu tema de trabalho. Depois de muitas noites sem dormir chega a uma hipótese que explica perfeitamente o que observa. Finalmente entendeu o mecanismo! Planeia o teste da hipótese, faz a experiência e os resultados indicam que a sua hipótese está errada. Destroçado, o instinto muito humano do nosso pobre cientista será congeminar e minar os resultados do teste para salvar a sua linda hipótese. O problema é que se o fizer, é possível que convença alguém de que a sua hipótese está certa, mas, na verdade, não iria aprender rigorosamente nada.
Posto isto, vamos agora introduzir um terceiro tópico a este raciocínio que é o padrão migratório do tordo-pardo. E qual é o interesse do padrão migratório do tordo-pardo para esta história? Rigorosamente nenhum. Foi para ver se ainda estamos todos sintonizados.
O pensamento científico é, portanto, absolutamente contraintuitivo ao funcionamento do nosso cérebro. No entanto, foi este ir contra a nossa necessidade de validação que permitiu a humildade suficiente de perguntarmos à natureza das coisas o que está certo ou errado e deixarmos de lado as teorias cristalizadas sobre o mundo. Mais importante ainda, esta revolução do pensamento humano não se restringe ao laboratório. Numa era de desinformação e teorias da conspiração, tentarmos pôr as nossas crenças em questão será cada vez mais uma actividade necessária à nossa sanidade mental. Daí que proponho que faça um exercício muito simples. Da próxima vez que estiver numa discussão com aquele primo chato que todos temos, resista à tentação de procurar factos que corroborem a sua opinião. Pelo contrário, pergunte que factos o convenceriam de que está errado e procure por esses factos tenebrosos que possam mudar a sua opinião. Irá esta estratégia ajudar a ganhar o argumento ao primo chato? Certamente que não. Na verdade, a opinião do primo chato é um movimento perpétuo cheio de inutilidade que ninguém pode parar. Mas é bem capaz de aprender mais sobre o assunto e ficar com uma opinião mais informada. Na minha experiência, entender melhor um assunto é bastante mais gratificante do que ter razão, mesmo que nem sempre consiga seguir o meu próprio conselho. A verdade é que o queijo da serra com pão-de-ló é e sempre será uma boa combinação, independentemente do que diga o senhor Venâncio.