A descriminalização das leis da pandemia originou o volte-face do Ministério Público. Ramiro Santos, procurador da República que tinha feito a acusação, foi o próprio a retirar o libelo acusatório, reconhecendo que se à data soubesse que passou a ser mera contraordenação não teria proferido aquele despacho.
Em causa está a ‘acusação’ em que imputava o crime de desobediência a André Ventura e aos futuros deputados Filipe Melo (Braga) e Rui Paulo Sousa (Lisboa), todos do partido Chega, mas na tarde desta terça-feira não teve pejo em solicitar à juíza de instrução criminal que não os leve sequer a julgamento.
O mesmo foi pedido em relação aos proprietários do restaurante Solar do Paço, em Braga. Secundino Baptista de Azevedo e Teresa da Silva Ferreira Azevedo, ambos naturais de Vila Verde, residentes em Ferreiros, Braga, onde detêm ainda o restaurante Satélite dos Leitões, não quiseram prestar declarações esta tarde, a sair do Palácio da Justiça de Braga, assim como o advogado bracarense que os defende desde a primeira hora, A. Rocha Pinto.
A advogada Marta Cerqueira Gonçalves, que defende Filipe Melo e Rui Paulo Sousa, os dois futuros deputados do Chega, o primeiro presidente da Distrital de Braga e o segundo secretário-geral e presidente da Comissão de Ética, também não quis falar as jornalistas.
Ambos arguidos renunciaram ao direito de estarem presentes no debate instrutório desta terça-feira, em Braga, enquanto António Filipe Dias de Melo Peixoto (sobrinho-neto do cónego Eduardo de Melo Peixoto) nunca prestou declarações ao Ministério Público. Já Rui Paulo Duque Sousa tinha falado ao MP, dizendo não ter a consciência da ilicitude.
Agora a palavra final caberá à juíza de instrução criminal, Ana Paula Barreiro, titular do Juízo 1 da Comarca de Braga, que irá notificar diretamente os advogados em breve sobre a decisão de levar a julgamento ou não os cinco arguidos. Todos os advogados pediram que os mesmos não sejam julgados, incluindo António Pragal Colaço, defensor de André Ventura, que, em conjunto com o seu cliente, participou durante esta tarde, através de vídeoconferência, a partir de Lisboa.
Procurador do MP assume lapso
“Se eu soubesse na ocasião dessa mesma alteração legislativa, nunca tinha proferido essa acusação, mas fui alertado, recentemente, por um meu colega, pelo que não ficaria bem com a minha consciência se agora pedisse para serem julgados, porque à luz da sucessão das leis penais no tempo, deixou de ser crime o que era crime”, afirmou o procurador da República, Ramiro Santos, recordando que “as leis novas favorecem sempre os arguidos”.
De acordo com o raciocínio lógico-dedutivo do procurador, Ramiro Santos, aquilo que à data do jantar, a 17 de janeiro de 2021, constituía um crime de desobediência, cinco dias após, passou a ser uma mera contraordenação punida com coimas entre 100 e 500 euros, para particulares, mas de mil a dez mil euros para empresas, como as de restauração.
Só que ao mesmo tempo que já não era crime, igualmente não estava previsto aplicar coimas, pelo que todos os cinco arguidos devem ser completamente ilibados pelas consequências, pedindo à juíza de instrução criminal de Braga, Ana Paula Barreiro, que os não sujeite ao eventual julgamento.
Caso fossem julgados, teriam de ser absolvidos, porque já não é crime e ainda não era contraordenação, o jantar no pico mais alto da pandemia covid-19.
“Quando deduzi a acusação, não tinha conhecimento de um decreto-lei que saiu cinco dias após o jantar que entretanto descriminalizou toda a conduta dos arguidos, transformando-a em mera contraordenação, eu lamento não ter tido conhecimento do decreto-lei quando fiz a acusação, pois se tivesse tido, não a teria feito”, argumentou.
Sucede que, conforme explicou o magistrado do MP de Braga, “a legislação era confusa”, referindo-se às leis relacionadas com a pandemia covid-19, dizendo “não fazer sentido nenhum haver primeiro uma lei que enquadra os factos como crime de desobediência e depois esse mesmo Governo apresentar outra legislação que já fala em contraordenação”.