A visão romântica da vindima comunitária que preenche a alma minhota está prestes a mudar e a colheita “cacho a cacho” dá lugar à sucção de uma máquina com cerca de cinco metros de altura e outros cinco de comprimento.
A falta de mão de obra e a instabilidade do clima levaram a que Francisco Rosas, proprietário de uma das maiores vinhas do concelho de Ponte de Lima, decidisse enveredar pelo recurso a uma máquina agrícola automotriz para fazer a colheita dos bagos de uva. O agricultor já recorre pelo quinto ano consecutivo a esta “força laboral” e, a O MINHO, confessa não saber o que fazer se a mesma lhe faltar.
Antigo industrial e atualmente proprietário da Quinta da Codeçosa, pertencente a Sociedade Agrícola Santa Rita, da qual é gestor, Francisco Rosas tem cerca de 50 hectares de vinha divididos entre as freguesias de Calvelo (Ponte de Lima) e Marrancos (Vila Verde). Durante as últimas semanas, dedicou-se a uma vindima mecânica, com recurso a uma máquina agrícola automotriz especializada em, com recurso a vibração, vindimar os bagos de uvas da casta Loureiro.
O funcionamento é simples: a máquina emite uma vibração enquanto passa pelas folhas da videira, acabando por fazer com que as uvas caiam para um tapete rolante que as descarrega posteriormente num reservatório para o efeito. Um dos poucos senãos é que, pelo menos, um quinto das uvas já se transformam em vinho, muito antes de estarem nas cubas de fermentação.
“Estaria em pânico se estivesse dependente de pessoal”
“Eu estaria em pânico se hoje estivesse dependente de pessoal e, mesmo que arranjasse, já estaria em pânico para a vindima do próximo ano”, confidencia o agricultor, que apenas vindima 3% da vinha de forma manual, por serem uvas de casta Vinhão, mais frágeis e que não aguentam a vibração da máquina. Os restantes 97% de uvas, de casta Loureiro, são recolhidas com recurso à automotriz.
“Vindimei o Vinhão com uma senhora de 75 anos, que não dava muito rendimento mas estava cheia de boa vontade. Mas como a senhora me pediu, eu quero-a aqui, e assim foi. Mas cada vez há menos gente, é impossível ter dezenas de pessoas para vindimar 50 hectares em poucos dias”, refere.
Outra das vantagens da mecanização é contrariar a dependência do clima: “No Minho, ao contrário do Alentejo, estamos sempre entre a maturação da uva e o cutelo da chuva. Muitas vezes as uvas estão a ficar maduras mas começa a chover. Não vindimamos à chuva porque a água afeta o grau do vinho. Outras vezes ainda não choveu mas estamos à espera que amadureçam. A máquina dá-nos elasticidade em rapidez para fugir a esses dois cutelos”.
A máquina e um condutor vindimam seis hectares por dia
Em termos financeiros, Francisco Rosas garante ser “equivalente”, até porque se há uma redução nos custos com a mão de obra, há um aumento exponencial em termos de aluguer da máquina, combustível e manutenção. “Há uma necessidade de investimento, sobretudo no combustível porque ela gasta imenso. Em dois dias gastamos 200 litros, ou seja, 100 litros de gasóleo por dia, mas com a máquina dá para vindimar cerca de seis hectares nesse mesmo dia”, aponta.
Em termos de velocidade, o recurso há máquina faz com que economize um terço do tempo gasto em “modo manual”, fazendo em seis dias aquilo que a mão humana faz em 18. “Não sabia o que fazer hoje se não tivesse esta máquina, e não sou o único. Ouvi um produtor de vinhos do Porto a dizer que ou se mecaniza ou as uvas ficam nas vinhas. Julgo que lá já andam a fazer estudos nos socalcos para conseguir fazer vindima mecânica”, revela.
Instinto visionário
Criada há mais de 15 anos, a vinha foi construída a pensar numa possível mecanização futura, concebendo espaçamentos de três metros entre fileiras de videiras. Cada videira, está separada cerca de 1.5 metros entre si.
Francisco Rosas reivindica um “instinto visionário” de quando fundou a vinha, após ter herdado a quinta do pai: “Tive a visão de implementar a quinta e as vinhas de forma a que a mecanização fosse possível. Não fui visitar vinhas lá fora que já recorriam à vindima mecanizada, mas fui aprendendo e deixei o espaçamento necessário. Agora já se começa a ter essa visão e eu, apesar de não ser da área, já tive essa visão há mais de 15 anos”.
Mas a colheita de uvas com recurso a uma automotriz, sobretudo uma das de maior porte, ainda é olhada com desconfiança, dado o facto de apanhar mais vegetação e de, muitas vezes, esmagar as uvas durante o processo de recolha, o que leva a uma urgência na fermentação do mesmo, não havendo grande tempo para repouso da uva.
“A máquina obriga a processar as uvas no imediato. Tem que se adicionar logo os produtos para processar senão fica oxidado e inicia fermentação no local. Um quinto do que lá está já é vinho. A vindima mecânica não se compadece com as filas de uma adega, que são a antítese da qualidade”, aponta.
“Estou condicionado com a Adega de Ponte de Lima [onde Francisco entrega as uvas para o fabrico do vinho] porque não posso descarregar todos os depósitos em simultâneo, logo tenho de separar em tinões. Alguns produtores têm galeras em inox em que a máquina despeja de uma vez só, mas eu não posso levar uma galera deste tamanho para a adega, tem de ser faseado”.
Adega cooperativa tem de se adaptar
Celeste Patrocínio, presidente do conselho de administração da Adega Cooperativa de Ponte de Lima, diz não ter nada contra a vindima mecânica, assegurando que “a adega é que tem de se adaptar” a esta nova realidade.
A responsável revela que a cooperativa foi admitida num programa de inovação, por isso “tem que inovar” e que não existe qualquer “lei da rolha” sobre esse assunto. “Estamos inseridos numa região de minifúndio, onde a maior parte das vinhas só têm um ou dois hectares, e não recorrem à vindima mecanizada, mas há outros produtores que sim e não temos nada contra eles”, assegura.
“Somos a favor da qualidade das uvas e eles estão autorizados a entregar, mas a mecânica é cega, tanto traz uvas como folhas ou pedaços de vide. O bago não vem com a perfeição de como quando é tirado à mão”, explica, dando o revés da medalha. Todavia, não se mostra preocupada com esta evolução. “Temos de nos preparar e aprofundar o assunto, mas isso não nos assusta”.
De forma a mitigar uma menor qualidade do vinho produzido, a adega disponibiliza mão de obra para retirar as vides e as folhas das cargas que provêm de vindima mecânica.
“O vinho está na moda e o cultivo da vinha é fascinante. É importante ter amor à terra e o fascínio por fazer o vinho. Quem entra nisto fica, mais vindima mecânica, menos vindima mecânica”, vinca Celeste Patrocínio.
Francisco Rosas diz “ter boas uvas”, e se são boas, “o vinho vai ser bom”. “Vão com um bocado mais de folha, é verdade, mas não há nada que a adega não possa resolver. Por outro lado, a adega tem de compensar a diferença de peso em não ir o engaço (caules dos cachos), que estimo que seja cerca de 4% que vão nas outras cargas”.
Investir na vinha
De volta à vinha de Francisco Rosas, o produtor explica como iniciou a paixão pela viticultura. “A quinta era do meu pai. Herdei, olhei e questionei-me o que poderia fazer para que a quinta não me desse prejuízo. Deu-me um clique e pensei que tinha de fazer algo em escala grande. Resisti a mexer nas casas, resisti a fazer uma marca de vinho, e decidi rentabilizar a quinta pela dimensão. Assim aconteceu, tive coragem de resistir a uma marca pessoal de vinhos, porque entendo que essa ação requeria investimentos maiores. Implementar a vinha foi uma estratégia para rentabilizar a quinta”, diz.
“As pessoas estão cada vez mais voltadas para a viticultura, há empresários com outra mentalidade, todos os vinhos nacionais são fantásticos, podemos orgulhar-nos dos nossos vinhos, o nosso país tem uma diversidade quase igual à Itália, temos tanta diversidade de castas e de solos, a combinação do clima com as caraterísticas de solo e uma diversidade enorme, desde xistosos, arenosos, graníticos, e ainda a influência atlântica que produz o bom vinho Loureiro”, revela.
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Investir no Loureiro
O vinho Loureiro é a identidade vitícola da região de Ponte de Lima. Francisco investiu nessa casta porque é “o acreditar no futuro”. “Quando se fala muito em Alvarinho, considera-se uma casta nobre, mas o Loureiro é tão nobre de igual forma”, assegura. “No Loureiro, em termos de produtores privados, têm surgido bastantes ultimamente e são dinâmicos a promover o nome Loureiro. No estrangeiro perguntavam por vinho verde aos profissionais do vinho maduro. Agora já se assiste ao Esporão a comprar cá vinhas, a Ermelinda Freitas, o João Portugal Ramos, porque sabem que o mercado quer vinho verde”, conta.
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Preparação para uma vinha mecanizada
“Existem várias tipos de máquinas. Há uma pequena rebocável, uma média e a automotriz, que é a que uso. E o minifúndio pode adaptar-se à rebocável”, garante. Para preparar uma vinha para a mecanização, o “ideal é que as vinhas tenham uma desfolha e as varas bem metidas antes de passar com a máquina”, aconselha. Arames bem esticados, boas prisões desses arames e postes consistentes são outros dos requisitos para uma “viajem ao futuro” para todos os produtores que lá querem chegar. E começam a ser cada vez mais.