A pena de cinco anos de prisão, mas suspensa por igual período, aplicada ao abusador confesso da sua própria filha, em Braga, podia atingir 24 anos de prisão, segundo consideraram os próprios três juízes, no acórdão proferido esta quarta-feira, em Braga.
Na decisão, a juíza-presidente relatou que a moldura penal abstrata face aos 12 crimes de abuso sexual se menor eram de dois a 24 anos de prisão, sendo que a cada um dos crimes correspondia a pena entre um ano e quatro meses a dez anos e oito meses.
Para a suspensão da pena, o arguido, de 45 anos, empresário, terá de se submeter a tratamento clínico especializado na área da sexologia e frequentar um programa para agressores sexuais, para além de pagar uma indemnização de cinco mil euros à filha.
Segundo o Tribunal Coletivo de Braga considerou provado, os abusos começaram em abril de 2020, numa altura em que a menina tinha 12 anos, prolongando-se até abril de 2021, tendo os crimes sido cometidos com frequência de uma vez por mês.
O caso chegou ao conhecimento da Polícia Judiciária de Braga através da psicóloga da escola então frequentada pela vítima e que por sua vez havia confidenciado anteriormente a duas colegas aquilo que o pai lhe andava a fazer em casa durante a noite.
Segundo ficou provado no julgamento, “entre abril de 2020 e abril de 2021, em número de vezes não concretamente apurado, mas que ocorreram de noite, com a frequência de uma vez por mês, o arguido, trajando apenas uma camisola e boxers, introduziu-se no quarto da ofendida e, quando a mesma se encontrava deitada na cama a ver televisão, deitou-se junto da mesma”.
“Nessas ocasiões, a mãe da ofendida encontrava-se em outro quarto a dormir com o irmão mais novo da ofendida”.
“O arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, com o propósito de satisfazer o seu prazer sexual”, refere o acórdão, pormenorizando que “acariciava a zona genital e os peitos” da filha e “colocando a mão da mesma no seu pénis, não se abstendo de praticar tais atos, mesmo sendo conhecedor de que esta é sua filha e tinha menos de 14 anos e que, por essas razões, lhe estava vedada a prática de atos sexuais com a mesma”, aplicando-lhe a pena de cinco anos, mas suspensa por igual período.
Para o Tribunal Coletivo de Braga, estão em causa “atos sexuais de relevo, ofensivos da intimidade e do sentimento de pudor de qualquer criança e que invadiram, de forma significativa, a reserva pessoal da vítima e o domínio da sua liberdade sexual”.
“O arguido, sabendo que tinha um especial dever de proteção da ofendida, por ser seu pai, valendo-se da ascendência que detinha sobre ela, violou os mais básicos deveres de respeito, traiu a confiança e o sentimento de proteção que a ofendida, enquanto filha, seguramente nutria para consigo, violando a paz, a harmonia e a segurança a que a mesma tinha direito”, ainda segundo o Tribunal Coletivo de Braga, integrado por um juiz e duas juízas, uma das quais foi a juíza-presidente do julgamento.
Em tribunal, o arguido “confessou integralmente e sem reservas” os factos e verbalizou arrependimento, mas não conseguiu apresentar, em termos emocionais, uma explicação para a razão de ser dos abusos sexuais consecutivos contra a própria filha.
Por cada um dos 12 crimes provados, o Tribunal Coletivo de Braga aplicou dois anos de prisão, o que perfazia a soma aritmética de 24 anos de prisão, mas já operado o cúmulo jurídico, a medida da pena foi fixada em cinco anos, suspensa por igual período.
Aquando do recebimento do processo, a juíza titular do julgamento reparou imediatamente um erro do Ministério Público, que na sua acusação não tinha considerado tratar-se no caso de crimes agravados, isto ao contrário do que prevê o Código Penal.
É que neste tipo de crimes envolvendo abusos sexuais, as penas são sempre logo agravadas um terço, quer no mínimo, quer no máximo, quando o autor desses ilícitos for familiar da vítima, sendo que nesta situação se tratava do próprio pai da menina.
MP não pediu pena concreta
A magistrada do Ministério Público, Albertina Celeste Santos, durante as alegações finais, não quantificou uma pena concreta, nem se pretendia efetiva, nem se suspensa, desconhecendo-se se vai recorrer ou não para o Tribunal da Relação de Guimarães.
Aquela procuradora da República, no final do julgamento, fez questão de frisar ser muito discutível o alegado arrependimento do arguido, argumentando que nunca pediu desculpa diretamente à filha, mas através da sua então sua esposa, a mãe da criança.
Já o advogado João Ferreira Araújo, defensor do arguido, respondeu que o seu cliente nunca poderia ter pedido desculpa à sua filha, diretamente, porque estava e está ainda proibido, judicialmente, de contactar a menor, por qualquer meio, com a menina.
Falando também durante as alegações finais, o mesmo causídico solicitou que a pena de prisão fosse suspensa na sua execução, entre outros motivos por o seu cliente não ter antecedentes criminais e ter verbalizado “arrependimento” durante o julgamento.
O porquê da pena suspensa
Para a suspensão da pena, da não efetividade de cinco anos de prisão efetiva, o Tribunal Coletivo de Braga considerou que “o arguido está inserido profissional e socialmente, gozando na correlativa comunidade residencial de uma boa imagem social”.
“Em face do enquadramento familiar, social e profissional e da sua primariedade penal, entendemos ser possível fazer um juízo de prognose social favorável às suas futuras condutas, até porque se desconhecem outros processos pendentes contra o mesmo”, consideraram os três juízes no seu acórdão, para desse modo optarem não obrigar o arguido a cumprir a pena efetiva.
“O referido enquadramento permite-nos crer, apesar da gravidade das condutas apuradas, na possibilidade de recuperação do arguido através da simples ameaça da prisão, crendo-se, ainda, que a reprovação pública inerente à pena suspensa e o castigo que ela envolve, satisfazem o sentimento jurídico da comunidade e, consequentemente, as exigências de prevenção geral de defesa da ordem jurídica”, segundo concluíram os três juízes, por unanimidade e sem qualquer declaração de voto de vencido.
“Relembre-se que a suspensão da execução da pena de prisão só pode ser negada quando, em termos de juízo de prognose, se mostrar desfavorável, nomeadamente, às exigências de defesa do ordenamento jurídico e tal juízo é aferido no momento da condenação no presente, não à data da prática dos factos e não é o que acontece no caso”, concluíram igualmente os três juízes.