O candidato do BE à Câmara de Guimarães fez um percurso da direita para a esquerda, começou na Juventude Social Democrata, ainda jovem, desfiliou-se, já adulto, “porque não podia compactuar com um partido que não defende a liberdade individual e fundamental”. Professor de artes preformativas nas Atividades de Enriquecimento Curricular, define-se como um precário que fica todos os anos desempregado. É um melómano e um músico, está a 18 meses sem passar música nem tocar ao vivo, o que lhe causa grande sofrimento. Juntou-se ao Bloco de Esquerda há menos de um ano, depois de um longo percurso de intervenção cívica, “mais inorgânica”, “para enfrentar os principais inimigos da democracia”.
O Bloco de Esquerda (BE) candidata-se às eleições autárquicas porque é essa a sua missão enquanto partido político. No caso do Luís Lisboa, qual é motivação pessoal para se candidatar?
Candidato-me reclamando o direito a participar na vida pública, política e social da cidade de Guimarães. Assumindo a minha responsabilidade enquanto pessoa e munícipe de ajudar as pessoas, de me ajudar a mim também. Conclui que para ajudar os outros tenho que me ajudar a mim também. É preciso caminhar no sentido de um mundo mais justo, perfeito, equitativo. Tendo esse sentido de um mundo melhor, para todos e para todas, entendi, depois de fazer uma travessia por vários movimentos sociais e ativismos, que a mudança começa em mim, para ajudar a minha terra a mudar.
O BE é um partido que pretende reformar o sistema, dar voz às pessoas e às suas sensibilidades, por isso, percebi que não valia a pena continuar a exercer atividade cívica de forma independente e precisava de me filiar num partido. Não tive nenhuma dúvida na opção pelo BE, é o partido que protege todos os direitos fundamentais dos seres humanos e todas as minorias, sendo elas racializadas, sexuais, as mulheres, os emigrantes. Neste sentido, eu não podia ter feito outra escolha a não ser o BE.
A adesão ao BE é recente?
Na verdade, eu sempre acompanhei o BE com muito interesse e simpatia e mesmo como eleitor. Na altura em que o Bloco surgiu foi quando eu me desfiliei do partido em militei na juventude.
E qual era esse partido?
Era o PSD. Enquanto jovem aderi ao PSD, por afinidade com militantes da jota. Já adulto, percebi que o meu posicionamento humano não era conservador. Precisava de sair do partido onde estava porque não podia compactuar com um partido que não defende a liberdade individual e fundamental de cada um dos seres humanos.
Esse foi um percurso diferente do habitual. Normalmente as pessoas são de esquerda na juventude e tornam-se mais conservadoras com o passar dos anos.
Precisamente. Foi um caminho para me encontrar a mim próprio. Na verdade, fui ao encontro de quem eu era.
Acabamos por não saber quando é que se filiou no Bloco?
No início deste ano, aquando das presidenciais. Percebi que não podia continuar a exercer ativismo de forma inorgânica: nos movimentos antirracistas, feministas, climáticos e pró-LGBTQIA+. Estive envolvido em vários destes movimentos s nível local, nacional e internacional, mas compreendi que para travar a batalha autárquica, para enfrentar os principais inimigos da democracia precisava de fazê-lo a título político.
O BE tem propostas arrojadas, nomeadamente ao nível da pedonalização da cidade e dos transportes. Quer mesmo acabar com os carros na cidade?
Neste momento temos milhões de razões em prol da “carrocracia”, por exemplo, o novo parque de estacionamento de Camões. Acreditamos que para tornar a cidade mais democrática e mais justa, para que haja coesão territorial e justiça no acesso ao trabalho, precisamos de democratizar os transportes. Tem que haver real oferta pública de transporte que potencie que as pessoas deixem de usar o carro pessoal. Chamamos-lhe “carrocracia” porque tudo gira em volta do automóvel pessoal e é quase impossível não ser detentor de um veículo, senão vemo-nos privados de aceder a vários espaços, nomeadamente às freguesias. Tem que haver mais transporte público, mais ecológico e que faça face às necessidades dos munícipes e das munícipes. Precisamos de devolver a cidade às pessoas, para isso precisamos que as principais artérias do centro da cidade sejam das pessoas
Concretamente: a avenida D. Afonso Henriques devia ser pedonal, a avenida Conde Margaride devia permitir ir do centro ao Hospital sem encontrar carros?
Eis o problema! Sabemos que mudar é difícil, mudar traz dissabores e oposições. Temos que perceber que temos que o fazer, é urgente que o façamos. Temos que o fazer passo a passo, podemos começar pelo Centro Histórico que ainda não está privado de carros e usar até o parque de estacionamento de Camões. A parte norte da alameda de S. Dâmaso, a parte norte do Toural, a rua de Santo António, podemos começar aos poucos a pedonalizar essas ruas, o que vai favorecer o comércio tradicional, toda a fruição do espaço público.
O BE é um partido muito urbano e isso é visível na implantação autárquica que tem. Todavia, Guimarães tem duas caras, uma mais urbana e uma mais rural. O que é que o Bloco tem para dizer a um eleitor de Gonça, por exemplo?
O que temos para dizer a um eleitor de Gonça, Gominhães, Gondar, Serzedelo, São Martinho de Candoso… é que toda a gente conta e que estamos aqui para fazer política para todos. Entendemos que o BE é um movimento com várias sensibilidades que está aqui para fazer política para todas as pessoas. Para que as pessoas de Gonça, e das freguesias em geral, tenham acesso à cidade.
“Em Portugal temos 2% de habitação pública e nós queremos mudar isso”
A habitação tem estado presente em todos os discursos políticos, dos diversos partidos, nesta campanha. Depreende-se que é um problema grave, em Guimarães. Como é que o BE se propõe criar condições para que haja habitação acessível no concelho?
Como refere, este é um enorme problema que atravessamos em Guimarães. Um problema essencialmente da população com menos rendimentos. É um tema crucial, porque, com ele queremos alertar a população que se trata de um problema político. O que se passa é que o sistema liberal, as políticas neoliberais, fizeram crescer a especulação imobiliária e a ganância relativamente ao crescimento das rendas e do preço das casas. A construção de novas casas foi feita para pessoas com um poder de compra muito superior aquelas que aqui habitam, que agora são obrigadas a deixar o centro da cidade e até mesmo oo concelho. Este problema só se resolve com medidas políticas. É preciso que as pessoas percebam que o PS de socialista só tem o nome. Nós precisamos, de facto, de políticas socialistas que tragam mais justiça social para todos e para todas e este é um dos compromissos pelo qual eu me candidato.
Isto não vai lá com subsídios, não vai lá com amostras de qualidade. Os problemas das pessoas só se resolvem com políticas sérias, honestas e solidárias. A nossa proposta concreta é o parque público de habitação. A título europeu, países como a Holanda têm um parque público de habitação de cerca de 40%, não são apenas bairros sociais, é habitação promovida pelo Estado. Em Portugal temos 2% e nós queremos mudar isso. Este é um setor que dá muito lucro aos privados e tem que ser o Estado a controlar esta ganância, esta disparidade social.
Como é que vai fazer isso? A Câmara constrói diretamente, estabelece parcerias com privados…
Através do parque público de habitação, construção pública de habitação, para controlar desde o princípio até ao fim o preço das casas e das rendas. A médio e longo prazo o parque público de habitação é rentável.
Mas o Estado tem-se revelado mau a gerir o parque de habitação de que é proprietário. Vive-se de forma insalubre no bairro da Emboladoura, em Gondar, que é do Estado. Vamos criar mais, para o Estado continuar a gerir mal?
Eu estava a falar do parque público de habitação e não de habitação social, são coisas diferentes. Temos propostas de requalificação dos bairros sociais, particularmente do bairro da Emboladoura, mas também dos bairros centrais.
Tomaria conta dos bairros do IRHU se fosse eleito presidente de Câmara?
Essa medida não faz parte do nosso programa, até ao momento. Estamos ainda a fechá-lo, contudo, iremos reunir com algumas associações de moradores, nos próximos dias e iremos limar essa proposta. Temos de saber se é economicamente viável.
Há uma série de apoios europeus que temos que aproveitar da melhor forma para preparar o nosso futuro e para evitar a crise económica que se seguirá a esta crise pandémica. O PRR tem fundos que podem ser canalizados para resolver o problema, o próprio primeiro-ministro veio falar do parque público de habitação, sabemos também que o Portugal 2030 tem eixos onde podemos incluir a habitação.
Guimarães tem tido como bandeira as obras nos teatros, comparticipadas pela europa, mas está na hora que esses apoios europeus possam, de facto, resolver os problemas das pessoas. Que esses fundos sirvam para resolver o problema da habitação, só assim podemos travar a saída de pessoas do concelho e aumentar a natalidade.
É fundamental promover a habitação permanente, não podemos dar apoios públicos a investimentos que são feitos para alojamento local, que não resolvem o problema da habitação, pelo contrário, afastam as pessoas do centro.
A esquerda é normalmente vista com alguma reserva pelos industriais, por razões históricas e políticas. Contudo, Guimarães é um concelho industrial e, quem quer ser presidente de Câmara tem que falar para estas pessoas que fizeram os seus investimentos e, agora, atravessam, alguns deles, situações muito difíceis?
Eu cresci num dos maiores centros têxteis do concelho, no caso São Jorge de Selho. Parte da minha família dedica-se ao ramo.
Nós somos uma candidatura de esquerda, a verdadeira candidatura de esquerda que se posiciona na defesa intransigente do povo e das gentes. Isto não significa que não respeitemos e que não iremos incentivar um sistema misto em que haja possibilidade de as empresas fazerem os seus negócios. Agora, temos isto muito claro, nenhuma empresa com contratos precários irá receber apoios públicos. É importante centrar as políticas nas pessoas e não no capital.
Como é que avalia a gestão que o Município fez da pandemia?
Nem tudo o que tem sido feito pelo Município foi mal feito. Mas, também entendemos que não está a ser feito tudo aquilo que é necessário na ajuda aos mais desfavorecidos. Os problemas ficaram a nu. A discrepância entre as pessoas ao nível da habitação, transportes, mobilidade, saúde.
Há aqui um problema que não tem sido falado, a segurança. Por segurança não entendemos autoritarismo. É preciso lutar para que Guimarães deixe de ser um dos concelhos com maior índice de violência doméstica. Neste período de pandemia as vítimas foram obrigadas a viver com os opressores e as marcas disso ainda estão por avaliar.
Uma das classes mais afetadas por esta pandemia foi uma pequena burguesia de comerciantes, donos de restaurante, por exemplo. O que é que o BE pode dizer a essas pessoas?
O BE pode dizer que está cá para as defender e à sua iniciativa privada. Contudo, precisamos de entender uma coisa crucial para o BE: o Bloco defende um sistema misto, em que a população tenha direito aquilo que são as riquezas naturais da sua terra, mas a iniciativa privada é fundamental para o desenvolvimento. Não podemos é promover a iniciativa privada à custa de investimento público.
Imaginando que é eleito. No primeiro dia do mandato, qual é o primeiro problema que vai começar por tratar?
A habitação.
Os vimaranenses fizeram um enorme esforço para montar a Capital Europeia da Cultura (CEC). Passados estes anos, o que é que a CEC deixou e o que é que falta fazer a este nível?
A CEC deixou-nos a marca e o currículo, mas ficou por concretizar a sua aceção final que é democratizar a cultura. Fazer com que as pessoas assistam aos espetáculos. Para isso é preciso que os espetáculos se multipliquem por todas as freguesias.
São os espetáculos que devem ir às freguesias ou são as freguesias que devem vir aos espetáculos?
As duas coisas. Mas para isso é preciso uma rede de transportes e mobilidade e temos que ter uma política cultural que possa democratizar o acesso. Faz-me lembrar o 25 de abril, em que alguns aspetos também ficaram por sagrar, concretamente a habitação, que é um direito constitucional.
O que é seria, para si, um bom resultado?
Podemos fazer várias especulações, conjeturas, mas um bom resultado será sempre o fortalecimento do BE. Vencer a Câmara seria um bom resultado…
Esse seria bom, mas, pela dificuldade, o que seria um bom resultado, mais realista ?
Temos os pés bem assentes na terra, portanto, um bom resultado será o fortalecimento do BE e uma votação superior aquilo que tem sido a votação do partido, em Guimarães. Estamos a desenvolver um trabalho para levar o BE às pessoas e trazê-las ao Bloco, para que juntos possamos fazer política e intervir civicamente para mudar a cidade. Seria bom aumentar os deputados municipais, alcançar a vereação e fazer a diferença na vida das pessoas.