Quando Portugal joga, a obra pára. Quem o diz é Luís Dantas, 37 anos, natural de Lama, Barcelos, a viver há mais de dez com a mulher numa cidade perto de Toronto, no Canadá, onde nasceram filho e filha.
Carpinteiro formado em Construção Civil, ganhou destaque na rede social TikTok (pode seguir o Luís aqui) com dois vídeos publicados na obra onde atualmente trabalha – um futuro arranha-céus de 50 andares (cerca de 170 metros de altura) na baixa de Toronto, ao pé do consulado português. Os vídeos foram registados no dia de estreia de Portugal durante a vitória frente ao Gana (3-2).
Tendo em conta o número expressivo de trabalhadores portugueses no setor e o número de golos já marcados por Portugal nesta competição, as obras já pararam mesmo algumas vezes, nem que por apenas um minuto, o suficiente para ver em direto ou diferido mais um golo de quinas ao peito.
Lá, no alto de mais um prédio a arranhar os céus da cidade, é içada a bandeira portuguesa, mas tem o símbolo da Federação de futebol. “Não era a da esfera armilar, mas era a que havia, que um colega tinha na mochila. E sobressaía”, recordou Luís a O MINHO. Os colegas que a erguem são Artur Silva e Mark Andrade.
VÍDEO: TikTok de Luís Dantas @dantascarpenter
Noutro vídeo mostra a reação de dezenas de trabalhadores perante o golo de Ronaldo no Qatar. A olhar para o telemóvel gritou-se “golo” nos céus da metrópole, para descontentamento de alguns colegas de outras nacionalidades. Mas sem picardias.
“Nada foi planeado, assim como também o video surgiu espontaneamente”, admite, lembrando que se tratava “do primeiro jogo de Portugal no Mundial” e que queriam “apoiar a nossa nação”.
Luís lembra que em Toronto “existem cerca de 500 mil portugueses e 70 por cento dos trabalhadores da construção civil são portugueses, não sendo difícil ouvir mais português do que inglês em várias ruas da cidade”.
E, de facto, pela data do último Censos, em 2016, existiam 483.610 portugueses ou lusodescendentes (1,4% da população) no Canadá, com a grande maioria em Ontário (69%), seguindo-se a região francófono do Quebeque (14%) e, por fim, a Colúmbia Britânica (8%).
Golo de Ronaldo irritou canadiano
No vídeo que conta com 132 mil partilhas no TikTok, vê-se o pequeno ringue multimedia preparado pelos portugueses em pleno local de trabalho. Um telemóvel conectado a uma coluna de som e, “nos melhores lances”, os portugueses, em larga maioria, paravam o que estavam a fazer para “dar uma espreitadelazinha”.
VÍDEO: TikTok de Luís Dantas @dantascarpenter
“Como disse anteriormente 70 por cento dos trabalhadores da construção são portugueses, e quando joga a seleção nacional praticamente a obra pára para ver o jogo”, apontou, num testemunho que O MINHO solicitou.
Luís lembra que, por serem “a maioria e a fazer muito barulho”, um companheiro canadiano “que até nem gosta de futebol ficou um pouco de mau humor”, mas tudo “saudável e na desportiva”, até porque, conta Luís, o homem “é uma excelente pessoa e quando viu o video, mais tarde, riu-se”.
Não conseguimos recolher dados oficiais que confirmem os números apontados por Luís Dantas, mas é um facto que cerca de 65% dos trabalhadores do sindicato de construção civil que abrange Toronto, o maior da género na América do Norte, tem nacionalidade portuguesa.
Benfica no capacete, Portugal no coração
No capacete de Luís destaca-se o símbolo do Benfica, algo que, explica, é normal: “Tuga que é tuga tem este tipo de autocolantes no capacete”. Nada normal é Gonçalo Ramos, herói do mais recente capítulo da saga lusitana no Médio Oriente, jogador que Luís considera “bastante promissor e com talento”, mas prefere destacar “uma geração cheia de talentos” que tem “tudo para ir longe neste Mundial”.
Para Luís, o Mundial dá um “sentimento de pátria” a quem está “longe de casa e das origens e é “nestas alturas que o sangue lusitano demonstra a sua valentia e imortalidade”, sempre com Portugal no coração.
VÍDEO: TikTok de Luís Dantas @dantascarpenter
E garante: “Mesmo os lusocanadianos nascidos cá vivem este sentimento de igual forma, sabendo um pouco da nossa Historia, quem fomos, a nossa identidade e o que descobrimos por este mundo fora. Não é nada difícil para um lusocanadiano comover-se ao escutar o Hino Nacional antes de um jogo”.
Quem é o Luís?
Um “orgulhoso português de alma e sangue” que emigrou para o Canadá em maio de 2010, trabalhando desde então como carpinteiro na área da construção civil.
Saiu de Barcelos por causa da crise, num ano em que muitos portugueses começavam a emigrar em massa, pouco antes da ‘chegada’ da Troika. Não havia emprego nem oportunidade, por isso decidiu emigrar, mesmo sem qualquer elemento de família naquele continente.
No final da escola, Luís seguiu com o negócio de família, na cerâmica e olaria, demonstrando já habilidade com o trabalho manual. Mais tarde decidiu especializar-se em construção civil num curso profissional, concluindo posteriormente um estágio numa empresa que acabou por fechar com a crise.
“Foi aí que decidi que estava na hora de fazer a mala e procurar novos desafios”, enuncia, garantindo que, “mesmo amando” o seu país, não pensa para já em voltar, “talvez mais tarde”, até porque, mais de doze anos depois da saída de Lama, está agora integrado na Old Weston Road com a esposa, uma filha de dois anos e um filho de quatro meses.
Portugal e Marrocos defrontam-se este sábado nos quartos de final do Mundial 2022 de futebol, a partir das 15:00 (10:00 em Toronto), no Estádio Al Thumama, em Doha, em jogo arbitrado pelo argentino Facundo Tello.