Artigo de Vânia Mesquita Machado
Pediatra e escritora. Autora do livro Microcosmos Humanos. Mãe de 3. De Braga.
Começaram as férias da Páscoa para milhares de crianças. As que frequentam as escolas.
Outras, em países distantes de diferentes continentes do nosso mundo, continuam entregues à sua sorte, ignorando mesmo o significado da palavra férias, sobreviventes de guerras civis em campos de refugiados.
Resignadas na felicidade de permanecerem vivas, a lotaria de bombardeamentos indiscriminados do dia seguinte a selecionar as que são feridas ou mortas.
Mais fácil seria ignorar: vítimas inocentes em países longínquos geram sentimentos de impotência em quem é sensível e se sente de mãos atadas.
Cada um de nós tem no seu umbigo milhares de problemas com que se entreter.
Ignorar? Quem cala consente.
E se sem sombra de dúvida que impedir a visualização de imagens de violência real é indispensável para evitar consequências da banalização da agressividade entre as nossas crianças e adolescentes, e se mesmo nós adultos as devemos reter na retina com moderação para impedirmos o contágio com a alta virulência implícita em imagens de famílias em fuga para locais seguros apenas com a roupa do corpo entre corpos mutilados e desventrados, crianças arroxeadas por livores, entre tantas outras, pelo impacto nocivo psicológico com efeitos a longo prazo, isso não implica cruzar os braços passivamente.
A união faz a força, e mesmo quem julga nada poder fazer, apenas com a participação em petições de causas humanitárias já está a contribuir.
Parece pouco.
Os bastidores políticos são de uma complexidade praticamente inacessível para os cidadãos comuns, mesmo os mais informados.
Aliás, grande parte da informação divulgada nos meios de comunicação social é filtrada e manipulada, exceto se os jornalistas corajosamente se deslocarem para estes locais hostis e inóspitos para revelarem o que realmente se passa.
Há alguns meses, enquanto preparávamos o fio condutor de uma entrevista sobre a violência em campos de refugiados e o impacto em crianças, o jornalista João Fernando Ramos lançava-me o repto, em questão aberta: «Longe da vista, longe do coração?».
Argumentei conforme pude, sentindo-me culpada por fazer tão pouco para ajudar comparativamente com a voluntária que tinha sido entrevistada uns dias antes.
Depois sacudi as culpas das costas e compreendi que cada um de nós pode dar o seu contributo, maior ou menor, e importa sim agir conforme podemos.
Mesmo que apenas escrevendo. Agitar consciências é uma forma de ajudar.
São tantas as causas humanitárias que precisam de atenção…
Anteontem, infelizmente, aconteceu um dos mais graves ataques com gases químicos na Síria, matando centenas de pessoas, entre os quais dezenas de crianças.
Algures na República centro Africana, milhares de refugiados sudaneses procuram abrigo, dependentes exclusivamente da ajuda internacional por intermédio das Nações Unidas e organizações humanitárias.
O voluntariado e o espírito de altruísmo são um antidoto contra o veneno da violência movida pela ganância, pela sede de poder, ou por pretensas causas religiosas.
Não faltam bons exemplos, em pequena e grande escala.
Para quem é cético em relação ao lado humano dos profissionais de saúde, no terreno destes campos de refugiados estão milhares de médicos e enferneiros.
Um deles, o médico Gustavo Carona, esteve há algumas semanas a falar sobre o seu trabalho como voluntário numa reunião de serviço de Pediatria do Hospital de Braga. Deixou todos os presentes de lágrima no olho.
Sempre de mochila às costas como se pode ler na sua página Gustavo Carona- Um Médico Sem Fronteiras: «Vou partir em missão, e outra vez para uma zona de conflito (Iraque), onde as necessidades humanitárias são para além do imaginário. A vontade de ir estava de tal forma, que usarei todas as minhas férias para trabalhar»
Admirável exemplo, mas tantos outros anónimos estão a dar de si, pelo bem do próximo.
O jornalista João Fernando Ramos, da última vez que o contactei para lhe falar sobre uma possível abordagem do tema da humanização da Medicina, combinou comigo agendarmos para mais tarde.
A semana seguinte era esta, férias de Páscoa, pensei eu, disse-me que iria estar fora «numa das reportagens de que ele gostava», que veria depois na RTP.
Soube através da RTP Notícias que integrava a equipa que acompanhava uma missão de Comandos portugueses da ONU na República Centro Africana, os quais são peças-chave, «num Estado sem Estado».
A reportagem dos enviados da RTP incluiu a deslocação a uma escola transformada em campo de refugiados e a uma missão católica (emitida anteontem), e mostra bem como o próprio jornalismo, vai muito além do serviço público, sendo também uma missão humanitária.
Quem corre por gosto não cansa.
Vale a pena assistir a estas reportagens e ler o que João Fernando Ramos escreveu durante estes dias sobre a sua experiência (RTP Notícias – «O sorriso na Mara»).
Recebi ontem um e-mail de uma organização Síria independente (cujo objetivo é conseguir um futuro pacífico e democrático para o povo sírio – Syria campaign).
Uma carta de um fotógrafo de guerra, Artino, sobrevivente do ataque do regime sírio com gás sarin em 2013.
Resumidamente, mostrava a sua indignação perante um novo genocídio com armas químicas, este ocorrido no Norte da Síria, transmitindo por escrito a sua revolta perante as imagens de bebés e idosos sufocados que o amigo anteontem lhe enviou pelo whatsupp, quando os líderes mundiais tinham prometido ao mundo que tal não voltaria a acontecer.
Artino encontrava-se em Bruxelas, onde alguns políticos europeus se reuniam para discutir a reconstrução da Síria através do financiamento do regime de Bashar- al Assad, o «alegado» responsável por ambos os ataques químicos.
Na carta referia que como sírio estava habituado a humor negro, «O humor faz-nos humanos».
Em conjunto com outros conterrâneos, lançaram o vídeo «nosepeg.com», um vídeo de um minuto que satiriza a posição dos líderes mundiais em relação aos crimes de guerra.
Pedia através deste e-mail para ajudar a divulgar o vídeo.
Assim o faço agora.
Acredito veementemente que «longe da vista não é longe do coração».
Estes são exemplos de guerras civis que vitimam inocentes perante a apatia da comunidade internacional, principalmente dos governantes, que podem realmente alterar o cenário do xadrez geopolítico.
Felizmente existem seres humanos incríveis, autênticos «cidadãos do mundo» (citando João Fernando Ramos), fundamentais no auxílio aos refugiados, mas que não têm capacidade económica nem poder de decisão para encontrar soluções para as regiões de conflito.
É imperiosa uma ajuda financeira consistente a quem assegura a subsistência das populações inocentes, enquanto uma paz duradoura nos seus territórios de origem não lhes permite o regresso.
É urgente criar de uma vez por todas condições para essa paz.
Continuemos a acreditar na Humanidade.
Dear Vânia,
You may have heard about the chemical attack in Khan Sheikhoun in northern Syria. My friend Abed was at the scene and updating me on Whatsapp. He and others counted more than 60 people dead: suffocated by a poisonous gas from a bombing yesterday morning. Most of the photos that are being sent are of vulnerable people, little babies and the elderly. Chemical attacks affect their lungs the most and they are the first to die.
We thought we were done with chemical weapons, and especially with sarin gas. But the pictures I’m scrolling through look exactly like the ones I took four years ago in Eastern Ghouta. I survived the Syrian regime’s sarin gas attack there in 2013 where I was living and working as a war photographer.
I uploaded the photos and they were picked up around the world. Promises were made that it wouldn’t happen again. Red lines were drawn. World leaders guaranteed it.
Today I’m in Brussels where some leading European politicians are talking about pouring billions of dollars of reconstruction money into the regime responsible both for the chemical attack in 2013, the one today, and countless other war crimes in my country.
We have decided to mock these people and their unbelievable positions.
Please watch this 60 second video of the brand new device called PEG which shows how politicians are ignoring war crimes. Sometimes humour is the best way to make powerful people take action.
As a Syrian I am used to dark humour. It is how we survive the worst times. Humour is what makes us human. It will never be taken away from me.
I am furious that politicians from Europe and the US are considering cutting deals with Bashar al-Assad, while he continues to gas his own people.
I’ll be out on the streets of Brussels with friends, launching this new satirical campaign that will shame those politicians who think it’s ok to cut deals with war criminals.
You can play a critical part by watching, signing and sharing the campaign at NosePeg.com. These politicians are obsessed with their media profiles, so if we can shame them online as well as in the real world, we can make them listen. When we reach 25,000 signatures we’ll deliver actual PEGs to those politicians looking to ignore war crimes in Syria.
Thanks,
Artino