Em julho de 2020, a Câmara de Guimarães deu início às obras de requalificação da rua D. João I. De acordo com o que estava anunciado, as obras deviam terminar em maio deste ano, contudo, a 3 de maio arrancou a segunda fase da obra, sem estar concluída a primeira fase. Entretanto, a forma como a obra está a ser feita pode obrigar a levantar ou perfurar as lajes de granito para instalar gás nas casas.
Em julho de 2020, a autarquia comprometia-se com uma requalificação da rua D. João I, em 10 meses. Em causa estava o reperfilamento da via, percurso ciclável, o alargamento dos passeios e a criação de sítios arborizados, com o objetivo de promover a pedonalização.
A obra foi dividida em duas fases: a primeira, entre o Hotel Ibis e a rua dr. Bento Cardoso; a segunda, entre a rua dr. Bento Cardoso e a rua Paio Galvão. No anúncio do arranque da obra, o Município informava que, “ao mesmo tempo”, seriam requalificadas as infraestruturas da rede de águas pluviais, águas residuais e abastecimento de água, bem como a rede de telecomunicações e a iluminação pública. Aqui pode estar o princípio de um problema que agora se revela.
A intervenção a que a Câmara se propunha não previa a instalação de gás natural, ou pelo menos isso não foi anunciado. A questão é que, “o gás hoje é tão importante como a água ou a eletricidade”, afirma Rui Porfírio, o presidente da União das Freguesias da Oliveira S. Paio e S. Sebastião. “A obra não era para incluir o gás e nós tivemos que ter aqui uma intervenção feroz”, afirma o autarca.
A 21 de maio de 2020, a Câmara dirigiu uma carta aos moradores e proprietários de imóveis da rua a informá-los que, se estivessem interessados, teriam de fazer a instalação do gás “no prazo máximo de duas semanas”. Nesta altura, cumprindo o calendário inicialmente anunciado a obra já devia estar concluída. Apesar de não estar pronta, a primeira fase da obra estava já numa fase muito adiantada, com as lajes de granito assentes nos passeios.
Caso não fizessem a instalação do serviço, no prazo determinado pelo Município, no futuro “não será possível efetuar esta ligação”, dizia a missiva. A carta não explicava como é que seriam resolvidas, no futuro, as situações em que um novo negócio se instalasse na rua, ou um proprietário que fizesse obras e requisitasse gás.
Tudo indica que a impossibilidade de instalação futura, referida na carta da Autarquia, se prende com a necessidade de preservar a obra agora feita. Todavia, a precaução parece ter chegado tarde, em alguns casos. Em parte da rua, onde os passeios já estão concluídos, o granito tem que ser levantado, partido ou perfurado para fazer a ligação do gás às casas. A conduta da Portgás passa no meio da rua e, no projeto da obra, não ficou prevista a ligação a cada uma das casas.
A obra está inserida na Zona de Proteção Especial ao património classificado pela UNESCO
A zona de intervenção está inserida na Zona Especial de Proteção à área classificada pela UNESCO, como Património Mundial, abrangendo, além da rua, os espaços frontais à Igreja de São Domingos e à Capela e Hospital da Ordem Terceira de São Domingos. Isto torna-se especialmente relevante quando se verifica que o critério urbanístico para as instalações de gás não está a ser o mesmo na rua D. João I que foi em outros pontos.
“Na rua de Santo António o gás chega às casas nuns pilaretes enquadrados com a envolvente arquitetónica, aqui não houve esse cuidado. Uns metem caixas de plástico, outros caixas metálicas, alguns colocam-nas por fora, outros fazem-nas embutidas na parede… É uma selva, porque nada disto foi pensado”, afirma um dos proprietários que recebeu a carta e que pretende fazer obras na casa que a família tem na rua. “Sinceramente não sei que solução devo adotar, mas parece-me que, numa rua tão próxima da zona que se quer classificar como Património da Humanidade, devia haver outro cuidado. Cada um fazer como lhe dá na gana não é esteticamente aceitável”, pondera, referindo-se ao alargamento da área classificada como Património Cultural da Humanidade à zona de Couros.
“Além disso, quando um particular submete um projeto para apreciação na Câmara, esta exige-lhe projetos de especialidades. Quer dizer, a Câmara exige aos privados, mas não faz projetos de especialidades nas suas próprias obras. O gás anda no meio da rua, para puxar o gás para minha casa, agora, vai ser preciso partir tudo o que andaram a fazer”, denuncia.
O presidente da União de Freguesias, Rui Porfírio, defende um modelo em que a Autarquia assumisse o custo da colocação em cada número de porta do gás, seguindo uma estética única e evitando a necessidade de levantar os pavimentos sempre que um morador fizer a requisição. O custo seria debitado aos proprietários à medida que estes fossem solicitando as instalações.
A questão, explica Rui Porfírio, “é que a lei não obriga à instalação de infraestruturas de gás” e, por isso, não estava previsto no projeto da Câmara. Contudo, para o presidente da União de Freguesias, é claro que “se houve uma intervenção agora, tinha de se fazer”.
No dia 05 de maio, na sequência de ofícios da Junta de Freguesia a questionar a Câmara sobre o andamento das obras, decorreu uma reunião, em frente a igreja de São Domingos. Nessa reunião, os técnicos da Câmara deram algumas respostas ao presidente da União de Freguesias, mas recusaram-se a falar com a população. A Câmara assumiu nessa reunião o compromisso de ter toda a rua pronta em setembro, embora tenham remetido a calendarização dos trabalhos para o empreiteiro. A justificação dada para o atraso das obras foi a falta de matérias-primas, nomeadamente a pedra. Nesta reunião ficou também garantido o estacionamento no parque e de Camões para os moradores, durante as obras, e na rua Bento Cardoso, para cargas e descargas e estacionamento de clientes.
Naquela altura ficou também confirmada a instalação de gás natural “a fornecer aos interessados”, embora sem o prazo de duas semanas que depois veio a ser colocado.
“Quando há uma intervenção devia-se ouvir a população”, defende Rui Porfírio. Um proprietário classifica a carta de “intimidatória”. “Então se eu não quiser fazer obras agora e fizer no próximo ano, já não posso ter gás, nunca mais?”, protesta.
Numa zona onde muitos dos moradores são pessoas com muita idade, queixam-se também do desnível que foi deixado entre a soleira de algumas portas e o passeio. “Não custava nada terem colocado um degrau”, reclama um morador.
Na sexta-feira, dia 4 de junho, estavam a trabalhar nas obras da rua quatro trabalhadores. “Isto não se admite”, afirma um proprietário, “tenho mais homens a pintar a minha casa que o empreiteiro a construir uma rua”. Na primeira fase da obra, ainda em conclusão, os moradores já se queixam da eliminação do estacionamento e da falta de pontos de cargas e descargas que vai provocar “paragens de circulação” e contribuir para “desertificar a rua”.
A dificuldade de o empreiteiro arranjar mão de obra, a falta de matérias-primas, as condições atmosféricas e o surgimento de afloramentos rochosos inesperados, são as razões invocadas pelo Município para o atraso das obras.
Os moradores por outro lado “lamentam os atrasos constantes” na conclusão das obras “e a alteração do critério, de que só se interviria na segunda fase após a conclusão da primeira fase”. Os moradores rejeitam a explicação da Câmara que relaciona os atrasos com as condições climatéricas. “Os trabalhos estiverem parados vários dias consecutivos e semanas sem relação direta com as condições atmosféricas adversas, mas por ausência de planeamento e por não terem sido contemplados e antecipados eventuais contratempos”, afirma um morador. “Estão agora com pressa para acabarem antes das eleições, por isso avançam para a segunda fase sem acabarem a primeira quem aqui vive é que aguenta os transtornos”, acrescenta.
A obra de requalificação da rua D. João I foi adjudicada pelo valor de 963.224,16 euros, acrescido do IVA. A obra pretende dar um novo rosto à rua que foi, outrora, uma das mais movimentadas de Guimarães, por ali se saía em direção ao Porto. A rua é marcada pelo Padrão de D. João I, uma obra do século XVI.