As histórias de vida de 18 dos mais antigos trabalhadores dos extintos estaleiros de Viana do Castelo vão ser partilhadas, no dia 03 de junho, através de um documentário que quer “guardar para sempre” um “património” indissociável da cidade.
“O objetivo é guardar para sempre as histórias de vida incríveis que ouvimos na primeira pessoa e partilhá-las. São histórias só conhecidas pela família mais próxima destes 18 trabalhadores, que se reformaram antes dos anos 1990. Alguns ajudaram a fundar a empresa pública, há 75 anos”, disse hoje à agência Lusa a presidente da direção do Teatro do Noroeste-CDV, Elisabete Pinto.
O documentário “CASA ENVC Instantes e Memórias”, realizado por Elisabete Pinto, Flávio Cruz e Luís Lagadouro vai estrear-se, na segunda-feira, às 21:30, no teatro municipal Sá de Miranda, em Viana do Castelo.
O trabalho, com 60 minutos, “que reúne rostos e testemunhos de protagonistas da empresa que a partir da segunda metade do século XX se tornou uma referência social de Viana do Castelo e do Alto Minho”, vai ser exibido no aniversário da fundação da empresa pública, entretanto extinta e subconcessionada, num evento aberto a toda a comunidade, com entrada livre.
A escritura pública de constituição dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) foi assinada a 03 de junho de 1944.
“A sociedade adota a denominação de Estaleiros Navais de Viana do Castelo, Limitada, tem sua sede nesta cidade de Viana do Castelo e durará por tempo indeterminado, a contar do dia 03 de junho”, lê-se no Diário Governo de então.
As histórias de José da Veiga, José da Gandarinha, José Rodrigues, Manuel da Silva, Salvador Lima, Manuel Augusto Barros, Baltazar Faria Marques, Armindo Lima, Benjamim Casal Ribeiro, José Abreu, Manuela Valença, Teresa Morais, Clarisse Vieira, Maria de Lurdes Serrano, Justino Freitas, Francisco Freitas, Carolino Barreiros e Virgílio Gomes começaram a ser recolhidas em janeiro, mas o projeto do “Instantes e Memórias” ganhou forma muito antes.
Em setembro de 2018, Elisabete Pinto começou a pesquisa para um novo espetáculo a realizar com os seis ex-trabalhadores dos ENVC que integram a oficina de teatro amador Enquanto Navegávamos e acabou por se deparar com “histórias de vida muito bonitas”, ainda por contar.
“Histórias de pessoas de Viana do Castelo e da sua vida nos estaleiros. Pessoas que trabalharam na abertura das docas como o senhor José da Veiga, hoje com 94 anos, que com o seu carro de bois ajudou a tirar a terra para abrir as docas. Todos falam do navio Gil Eannes, que ajudaram a construir. Pessoas que trabalhavam descalças, testemunhos duros, num documento muito intenso”, referiu Elisabete Pinto.
Para a presidente da direção do Teatro do Noroeste-CDV, o documentário “é o trabalho mais importante que realizou nos últimos anos de vida”.
“A cidade era o estaleiro, o estaleiro era a cidade. Era uma casa. Uma segunda casa. Uma escola. Uma escola de vida, de conhecimento, de valores. Um universo de gerações que irradiava chieira na excelência que colocava em cada reparação”, lê-se na sinopse do documentário.
O resumo acrescenta: “Em cada construção. Em cada navio. Suor recompensado com o sustento de famílias inteiras. Não havia quem lá não tivesse alguém. A independência para uns. A educação para outros. O ganha-pão para todos. E todas”.
Os autores do documentário acrescentam que “o estaleiro foi a fornalha edificadora do caráter de mulheres e homens com mãos de ferro e coração de fogo que durante décadas deram o melhor de si em nome de um emblema, que era uma empresa, que é uma cidade, que é uma região”.
Além do documentário, o material recolhido pela oficina Enquanto Navegávamos deu origem à peça “Instantes e Memórias – A Cena” que vai subir ao palco do teatro municipal Sá de Miranda, nos dias 08 e 09 de junho, um projeto que conta com o apoio da Câmara Municipal de Viana do Castelo.
Os ENVC foram extintos em março de 2018, mas encontravam-se em processo de extinção desde 10 de janeiro de 2014, data da assinatura, entre o anterior Governo PSD/CDS-PP e o grupo privado Martifer, do contrato de subconcessão dos estaleiros navais até 2031, por uma renda anual de 415 mil euros.