Foi há cinco anos que um incêndio de grandes dimensões provocou a devastação de 850 hectares da floresta de Braga, reclamando ainda as estruturas de duas empresas e de uma habitação familiar. Em 15 de outubro de 2017, na noite e madrugada que se seguiu, as folhas secas e galhos de eucalipto caídas no terreno funcionavam como combustível para as chamas. Cinco anos depois, foram criadas proteções nas linhas de água e plantadas 30 mil árvores autóctones, mas os eucaliptos, esses, prosperam nos mesmos locais onde os seus ‘antecessores’ pereceram. E alguns dos ‘cadáveres’ ainda lá estão, em terrenos cujos proprietários nunca limparam desde o trágico dia.
Nas encostas da Falperra e de Santa Marta das Cortiças são visíveis grandes manchas de vegetação preenchidas por eucaliptos, de diversos tamanhos e, claro, idades. Algumas, mais pequenas, estão desnudas do verde, com troncos fustigados pelas chamas de há cinco anos, mas ainda hirtos, que nem totens à espera que alguém os derrube. A única semelhança, dos mortos para os mais imponentes, passando pelos ‘bebés’, é todos ocuparem terrenos privados. É que o eucalipto continua a ser uma das árvores mais rentáveis para plantar, pois cresce rápido e produz fibra ideal para fabricar papel, ao contrário de árvores que já por cá existiam, como o carvalho ou o sobreiro, antes de os primeiros humanos pisarem a Península Ibérica.
A proliferação de eucalipto é fácil de comprovar. Quem circula na Estrada Nacional 309, no troço da famosa Rampa da Falperra, pode olhar para os dois lados e tentar contá-los. Mas dificilmente conseguirá manter a soma ao fim de alguns metros, mesmo com as zonas ‘tampão’ de carvalhos e sobreiros que protegem a circulação em algumas zonas. Através do registo do Google Maps é possível observar com mais atenção (e até contar os eucaliptos, se bem o entender).
De acordo com a Câmara de Braga, sem apoio do Governo não há nada que a autarquia possa fazer para evitar aquela ‘propagação’, uma vez que as plantações estão legalizadas, mas já foi solicitado junto do ICNF, que tem a tutela da exploração florestal em Portugal, uma intervenção de forma a alterar algum extrato daquelas plantações. Apesar de assumirem grandes proporções em termos de terreno, muitas dessas plantações estão devidamente contornadas por caminhos corta-fogo, esses sim, obrigatórios. Mas muitos dos caminhos interiores cercados pela árvore, criando uma possível situação de risco para a circulação durante um incêndio. Noutros casos, algumas árvores autóctones servem de tampão para centenas (ou milhares) de eucaliptos.
Rearborizar as encostas com árvores nativas
Contactado por O MINHO, o vereador da Câmara de Braga com os pelouros da Proteção Civil e Ambiente admitiu a proliferação de eucaliptos nas áreas que arderam há cinco anos, expansão essa, aliás, que o próprio censurou: “Nos 850 hectares [que arderam há cinco anos], não há sequer um metro quadrado que seja da Câmara. Há uma zona que tem muitos eucaliptos que estão a crescer descontroladamente, e isso acontece porque os proprietários não fazem a limpeza, nem qualquer outra entidade pública o pode fazer porque aquilo é privado”.
Altino Bessa revela que a intenção do pelouro passa por “montar um plano de rearborização daquela área com espécies nativas, em substituição das espécies que funcionam como grandes combustíveis”, mas para isso clama intervenção do Governo a nível jurídico, e também do ICNF. Com a presença de espécies autóctones, o vereador pretende ver uma “área tampão” para os incêndios, mas também uma promoção de outras espécies, “na área do Sameiro e Falperra, naquele que é o grande pulmão da cidade”.
“Eu próprio já falei com a diretora regional do ICNF para vermos a possibilidade de um plano de intervenção, mas sabemos que são terrenos privados, e que as autarquias não têm autonomia nem financiamento para intervir nestes terrenos privados, embora se faça alguma limpeza de caminhos florestais. Estamos a ver se existe algum financiamento para que se possa fazer algumas alterações, pelo menos em algumas parcelas, para tentar alterar o extrato”, revelou.
Mecanismos para intervenção nos terrenos privados
Mas o passo da Câmara “não é suficiente”. Para o vereador, o Governo deve criar mecanismos que permitam às autarquias uma alteração a nível florestal, sobretudo para que possam intervir “em alguns locais de interesse superior, como a área envolvente do Sameiro e do Bom Jesus, mesmo que sejam de propriedade privada, para salvaguardar o património”.
“Não há floresta ordenada sem investimento, e os proprietários florestais, na sua grande maioria, não gerem a sua floresta, deixam-na abandonada. Temos tido diligências para a prevenção dos incêndios [ver aqui], mas compete ao Governo disponibilizar meios legais e verbas para que haja intervenção mais assertiva na gestão da floresta”, reforçou.
Proprietários pedem “mais área” para haver “menos fogos”
Contrapartida, em julho deste ano, a Federação Nacional das Associações de Proprietários Florestais pediu o aumento da área de eucalipto em zonas de mato abandonadas, para dessa forma “reduzir o risco de incêndio e desenvolver o setor”.
“A área devia ser aumentada e não reduzida”, disse o presidente Luís Damas, em declarações à agência Lusa, afirmando que muitos proprietários desanimaram com “condicionantes” impostos à plantação e replantação de eucaliptos, abandonando, dessa forma, os seus terrenos, e “é por aí que entra o fogo”.
“Temos muitas áreas que são matos e nestes dias estão a ser tomadas pelos fogos porque não têm gestão”, disse o responsável pela associação, propondo “áreas de compensação”, onde por cada 100 hectares, metade seriam árvores nativas e o restante eucaliptos.
‘Segundos’ na Europa e ‘quintos’ no mundo do papel
De acordo com os últimos dados da União Europeia, o nosso país aparece como o segundo maior produtor de papel na Europa e um dos cinco principais produtores da espécie de eucalipto de onde se extrai a fibra ideal para fabricar papel.