O anterior presidente da Câmara Municipal de Barcelos, Miguel Costa Gomes, foi ilibado pelo Ministério Público, dos quatro mais recentes casos judiciais, todos os baseados em denúncias anónimas, contra o antigo autarca, segundo apurou O MINHO.
Miguel Costa Gomes, em declarações a O MINHO, considerou que os arquivamentos são “uma decisão justa, apesar de tardia”, ao mesmo tempo que se afirmou “absolutamente convencido” que será absolvido nos dois julgamentos, em Braga e no Porto – ajustes diretos com empresa de segurança privada e Caso Teia.
Os arquivamentos foram os casos da bomba (Cepsa de Arcozelo) e da permuta da casa com o escritório de Miguel Costa Gomes, situações que estariam interligadas, uma viagem do ex-autarca ao Brasil e a ligação de uma das duas filhas à Gertal.
Segundo o MP, não se apuraram condutas ilícitas em nenhuma das quatro situações denunciadas, afastando as suspeições sobre esses eventuais crimes, de abuso de poder, prevaricação, participação económica em negócio e violação de regras urbanísticas.
“Em todos os despachos de arquivamento, nenhuma das denúncias anónimas teve qualquer tipo de consistência, após anos de realização de perícias, inquirições e outras diligências”, conforme destacou o seu advogado de defesa, Nuno Cerejeira Namora.
O causídico citou outro arquivamento, chamado “Caso das Águas”, em que referiu, “Miguel Costa Gomes foi completamente ilibado com o Ministério Público a elogiá-lo e a afirmar que no negócio defendeu os interesses de Barcelos e dos barcelenses”.
“Terminou o Karma de Miguel Costa Gomes”, afirmou o mesmo advogado, referindo-se “a todos os casos que se trataram de meras denúncias anónimas”, pois, de acordo com o causídico, Nuno Cerejeira Namora, “nunca tiveram qualquer consistência”.
O caso da bomba
No que ficou conhecido como o “Caso da Bomba”, o que se associou à referida permuta de uma casa, com um escritório, em que Miguel Costa Gomes teria obtido contrapartidas, nada de ilícito se provou, segundo afirmou o MP.
No processo da instalação da estação de serviço e do posto de abastecimento da Cepsa, na freguesia de Arcozelo, não foi apurado qualquer situação de ilegalidade ou de favorecimento, muito menos crime, concluiu a magistrada.
As denúncias anónimas apontavam para o alegado favorecimento, por parte de Miguel Costa Gomes, a uma empresa que teria interesse na instalação de uma unidade da Cepsa, na Avenida Nossa Senhora de Fátima.
O caso da permuta
As denúncias anónimas enviadas ao MP referiam que tendo a compra do terreno para a Cepsa sido intermediada pela empresa imobiliária Fersil, a mesma que tratou da permuta casa/escritório de Miguel Costa Gomes, o ex-autarca teria obtido benefícios.
A versão colocada a correr consistiria em que Miguel Costa Gomes ao permutar a compra da casa (180 mil euros) com um seu escritório (60 mil euros), teria pago os remanescentes 120 mil euros em notas (“dinheiro vivo”), “mas foi através de cheques”.
“A primeira conclusão é que os indícios não sustentam que foi entregue uma quantia em numerário, como pareceria de mera análise da escritura”, segundo refere a magistrada do DIAP Regional do Norte, com base nos pagamentos, “todos em cheques”.
Nos despachos de arquivamento a que O MINHO acedeu, o MP constatou pelos documentos bancários que houve dois cheques de 50 mil euros cada um, um terceiro de 10 mil euros e os outros 10 mil euros foram acertos de contas, também documentados.
Estes últimos 10 mil euros (o diferencial entre os 110 mil pagos em três cheques e os 120 mil euros a pagar, pois o escritório foi vendido por 60 mil euros, completando assim 180 mil euros da casa de Miguel Costa Gomes), “foram de rendas e de obras”.
A viagem ao Brasil
Segundo as denúncias anónimas, aliás, foram sempre anónimas, todas as denúncias contra Miguel Costa Gomes, a viagem ao Brasil do então presidente da Câmara Municipal de Barcelos, tratou-se de “deslocação oficial”, concluiu o Ministério Público.
O Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional do Norte, do Ministério Público, sediado no Porto, constatou existir um Acordo de Cooperação, entre o Município de Barcelos e a Prefeitura do Recife, o que baseou essa viagem e não só.
De acordo com as conclusões do Ministério Público, a deslocação de Miguel Costa Gomes, em fevereiro de 2011, ao Recife, inseriu-se no acordo de cooperação entre os municípios, daí terem sido as despesas pagas pela Câmara Municipal de Barcelos.
A cooperação entre os dois municípios incluía viagens anuais de visitas entre os responsáveis de ambas as autarquias, tendo a Prefeitura do Recife estado também em Barcelos, segundo toda a documentação recolhida e analisada pelo Ministério Público.
“Conjugados todos os elementos de prova carreados não podemos concluir, como se denunciava, que a viagem ocorreu a título ‘particular’ e com o dinheiro do Município de Barcelos”, segundo concluiu o despacho de arquivamento do Ministério Público.
O caso da Gertal
Uma outra das denúncias anónimas afirmava que as duas filhas do ex-autarca, Ana Rita Gomes e Teresa Miguel Gomes, teriam beneficiado do facto de trabalharem da Gertal, porque a empresa fornecia refeições às escolas do ensino básico de Barcelos.
Concluiu o Ministério Público, após as suas investigações, que afinal apenas uma das suas filhas, Teresa Miguel Gomes, é que trabalhou na Gertal, além de laborar em duas outras empresas, mas estas nada tinham a ver com fornecimento de refeições.
Na sequência das denúncias anónimas, o Ministério Público passou a pente fino as contas bancárias, os movimentos fiscais e os registos contributivos de ambas as filhas, Ana Rita Gomes e Teresa Miguel Gomes, para o que foi levantado o sigilo fiscal.
Segundo o Ministério Público, “tais factos por si só, na ausência de quaisquer outros elementos, não permitem indiciar a prática de qualquer crime, nem minimamente indiciar a factualidade denunciada”, pelo que o DIAP do MP arquivou agora o processo.
“Decisão justa, apesar de tardia”
Miguel Costa Gomes, comentando a O MINHO os seus quatro arquivamentos, considerou “constituírem uma decisão justa, apesar de tardia, porque foram sete anos de sofrimento”, mas acrescentando “já estar à espera”, pois nunca fez “nada de mal”.
“Lamento que seja possível gente ressabiada, por revanchismo e vinganças políticas, cobardemente lance lama para cima das pessoas, como o sapo faz ao pirilampo, nas Fábulas de La Fontaine, atirando pedra e escondendo a mão”, afirmou o ex-autarca.
Miguel Costa Gomes defende, com base na sua experiência recente, que “a lei deveria estabelecer uma triagem antes de abrir um processo criminal, porque muitas vezes desde logo se vê não haver o mínimo de fundamento com as denúncias anónimas”.
“Mas não foram só esses quatro casos agora arquivados de uma ‘assentada’, passe a expressão, os arquivados pelo Ministério Público, houve por exemplo ainda os das Águas de Barcelos e da instalação das lâmpadas led”, destacou Miguel Costa Gomes.
Sobre a absolvição, no Tribunal de Barcelos, quanto ao alegado peculato no uso de uma viatura de serviço, o ex-autarca disse “ter sido outra situação em que a justiça tardou, mas funcionou”. “Acredito na justiça, enquanto houver Juízes em Berlim”, disse.
Acerca do caso do trabalhador que se queixou de alegada perseguição, ao ter sido integrado no pavilhão da empresa municipal EMEC, Miguel Costa Gomes disse “tratar-se de outro equívoco, o que sempre quis foi salvaguardar o seu posto de trabalho”.
“A lei obrigou-nos a extinguir as empresas municipais que não tivessem uma atividade mercantil superior a 50 por cento, foi só o que fizemos, lutei para não prejudicar os trabalhadores com muita antiguidade e acabei acusado de abuso de poder”, disse.
Miguel Costa Gomes afirmou “estar-se a assistir a uma espécie de ‘judicialização’ da política”, o que, segundo a sua perspetiva, “sucede por razões tão simples por o Ministério Público não conhecer muito bem o funcionamento das Câmaras Municipais”.
“E esta minha afirmação não é uma crítica ao sistema judiciário, nem aos seus profissionais, mas apenas uma constatação que se houvesse uma triagem, estes processos nunca teriam chegado a decorrer cerca de sete anos”, afirmou Miguel Costa Gomes.
“Repare-se nas situações em que o Ministério Público não afere bem, pelo menos de início, as regras do Código da Contratação Pública, levando a acusações desnecessárias que passados uns anos terminam em absolvições concludentes”, referiu o ex-edil.
Ex-autarca espera duas absolvições
Entretanto, Miguel Costa Gomes será julgado em Braga por ajustes diretos a uma empresa de segurança privada de Barcelos e no Porto pelo Caso Teia de suposto favorecimento a Manuela Couto, mulher do ex-edil de Santo Tirso, Joaquim Couto (PS).
O ex-presidente da Câmara Municipal de Barcelos, ressalvando “não querer falar muito nos processos pendentes, para não se parecer estar a tentar de algum influenciar o curso da justiça”, mesmo assim enumerou em síntese a sua posição nos dois casos.
“Espero ser absolvido nos dois julgamentos, em Braga e no Porto, pois finalmente, em campo aberto, nas audiências, será tudo esclarecido, nunca houve ilicitude da minha parte e muitos menos prejuízos para o erário público”, disse Miguel Costa Gomes.
“No caso da empresa de segurança privada, foi pena que não tivesse sido arquivado durante a fase de instrução, porque nunca se violou o mecanismo legal dos ajustes diretos, ninguém foi beneficiado e ninguém foi prejudicado”, acrescentou o ex-autarca.
Miguel Costa Gomes referiu ainda “não corresponder à verdade” ter sido na sua primeira presidência que levou para a Câmara Municipal de Barcelos “essa empresa de segurança privada, pois já trabalhava com a Câmara, desde o tempo de Fernando Reis”.
Acerca do julgamento do processo “Teia”, que se realizará no Porto, Miguel Costa Gomes reiterou que “nunca houve ilícitos”. “Penso que tudo também será esclarecido, os termos das contratações, que foram todas legais, mais todas as suas formalidades”, frisou.
“Agora, já ninguém me tira os cinco dias que tive de dormir nos calabouços da Polícia Judiciária do Porto e cerca de três meses e meio preso em casa, com pulseira eletrónica, mas consegui cumprir com a Câmara de Barcelos”, disse Miguel Costa Gomes.
“E digo-o, com todas as letras, tais medidas de coação, que até poderiam ter prejudicado a Câmara Municipal de Barcelos, se eu não tivesse estado à altura, foram desproporcionadas, desadequadas e desnecessárias”, afirmou ainda Miguel Costa Gomes.
Questionado se esses casos judiciais tiveram mesmo a ver com a sua expulsão do PS, Miguel Costa Gomes afirmou que isso é, para ele, “irrelevante”. “É para o lado que me deito melhor, eu sou socialista, para ser socialista não é preciso ter cartão do PS”, atirou.
“Eu não sou profissional da política, felizmente sempre tive uma situação financeira autónoma, antes, durante e depois das minhas funções autárquicas, eu nunca estive na política para me servir, mas sim para servir Barcelos e o Minho”, acrescentou.
“Nunca houve crimes”, afirma o advogado
Entretanto, o advogado Nuno Cerejeira Namora, que tem representado o anterior presidente da Câmara Municipal de Barcelos, nos últimos anos, considerou a O MINHO que “a justiça funcionou e finalmente terminou o Karma de Miguel Costa Gomes”.
“Este despacho finalmente torna claro que jamais existiu favorecimento, a qualquer título, ou aproveitamento do cargo público para fins pessoais”, segundo disse o mesmo advogado, para quem “esta investigação estava à partida condenada ao insucesso”.
“Findo um assassinato de caráter na praça pública, o Ministério Público fez investigação exaustiva, com análise de documentos, prova pericial e audição de duas dezenas de testemunhas e concluiu que nunca houve a prática de qualquer crime”, acrescentou.
“Miguel Costa Gomes tem demonstrado, passo a passo, que nada fez contrário à lei”, ainda segundo o advogado Nuno Cerejeira Namora, salientando que “o tema serve para refletirem aqueles que quem entrar na política e ponderarem bem se vale a pena”.
De acordo com o advogado Nuno Cerejeira Namora, “em doze anos de mandato, Miguel Costa Gomes já foi vítima de dez processos-crime, das mais díspares origens possíveis, todos iniciados por denúncias anónimas ou capas de jornais, sendo que quatro já foram arquivados, um aguarda julgamento e os restantes processos encontram-se ainda inexplicavelmente parados”.
“Quanto a todos os processos em que Miguel Costa Gomes foi absolvido, o justo ressarcimento pelos danos sofridos já será impossível”, considerou o mesmo advogado, que tem acompanhado todos os processos em que o antigo autarca foi denunciado.