Há trinta anos foi inaugurada “a obra do século” em Guimarães

Efeméride
Foto: Rui Dias / O MINHO

“A obra do século” foi como o Comércio de Guimarães apelidou o Hospital de Guimarães, noticiando a sua inauguração, na edição de 06 de fevereiro de 1992, pelo primeiro-ministro, Cavaco Silva.

O Hospital já tinha as portas abertas desde 25 de setembro de 1991, mas teria a sua inauguração oficial apenas no dia 8 de fevereiro do ano seguinte. Um empreendimento que levou 18 anos e custou seis milhões de contos (cerca de 30 milhões de euros) e que, por um momento, colocou Guimarães na liderança do distrito.

De facto, naquela altura, a norte do Porto não havia nenhuma unidade hospitalar que pudesse rivalizar com as 513 camas do Hospital Distrital de Guimarães, com serviços como cirurgia vascular ou cirurgia reconstrutiva. Em Braga, na capital do distrito, os doentes continuariam a depender dos serviços do velhinho Hospital de São Marcos, até 2011. A imprensa da época destaca o novo serviço de cuidados intensivos – que esteve em foco nos últimos meses –, por passar a evitar as frequentes transferências de doentes para o Porto.

O Comércio de Guimarães aponta o Hospital Distrital de Guimarães, ainda sem nome oficial, como “uma unidade cinco estrelas”, em que “para além de tudo aquilo que é próprio e necessário ao funcionamento de um hospital, este contará ainda com alguns serviços de apoio no átrio de entrada, nomeadamente uma dependência bancária, uma estação de correios, um serviço de relações públicas, um bazar para venda de flores e ofertas, um bar…”

Capa do Comércio de Guimarães de 19 de setembro de 1991, anunciado a mudança de instalações. Foto: Comércio de Guimarães / AMAP

O estudo prévio para a instalação do hospital é de 1976 e as obras arrancaram dois anos mais tarde, nos terrenos que a Câmara Municipal, ainda no tempo do Estado Novo, tinha adquirido para instalar o Regimento de Cavalaria 6. A chamada primeira fase das obras decorreu ao longo do primeiro mandato de António Xavier (Aliança Democrática [AD], constituída por PSD, CDS e PPM), como presidente de Câmara, entre 1979 e 1982.

Depois, as obras pararam durante quatro anos, sensivelmente ao longo do mandato de Manuel Ferreira (PS). Apesar de Guimarães ser um dos concelhos com maior mortalidade infantil do país, naquele tempo, considerou-se que a obra não era prioritária. As obras só voltariam a arrancar em 1987, já no primeiro Governo de Cavaco Silva, era ministra da Saúde Leonor Beleza. Recorde-se que, em 1983, se dá a segunda intervenção do FMI, em Portugal, com um Governo de bloco central, liderado por Mário Soares.

A adjudicação da segunda fase das obras do hospital, que se chegou a questionar se viria mesmo a ser acabado, foi assinada por Leonor Beleza, na Biblioteca da Fundação Gulbenkian, no largo da Oliveira, a 2 de fevereiro de 1987, na presença do vice-primeiro-ministro, Eurico de Melo. Logo ali, foi prometido que a inauguração seria em 1991, e a promessa acabaria por ser cumprida.

O Hospital Distrital de Guimarães abriu as portas a 25 de setembro de 1991, depois de uma transferência feita no tempo recorde de um dia. A inauguração com a presença do chefe do Governo teve que esperar até 8 de fevereiro do ano seguinte.

Os três magníficos

Eurico de Melo. Foto. DR
Fernando Alberto. Foto: Mais Guimarães
António Xavier. Foto: Mais Guimarães

O nome de três homens ficou fortemente ligado à construção do Hospital de Guimarães. António Xavier, que, no momento em reconquistou a Câmara para um segundo mandato, encontrou a obra parada, Eurico de Melo, vice-primeiro-ministro e figura vimaranense muito influente junto de Cavaco Silva e Fernando Alberto, governador civil do distrito. Aos três reconhece-se a energia que foi necessária para mover as influências necessárias para pôr a obra novamente em andamento. A 6 de fevereiro de 1992, o Comércio de Guimarães, antecipando a inauguração pelo primeiro-ministro, dois dias depois, dizia: “Há que dar o seu a seu dono. E aqui está o momento certo para lembrar os três magníficos que estiveram na origem de tudo aquilo que cheira a progresso, desenvolvimento e bem-estar social neste concelho, na última década”.

O Hospital Distrital de Guimarães, como era então designado, abriu sem “nome próprio”. Esse nome devia ser escolhido pelo Conselho Geral, contudo, o presidente deste órgão só seria empossado no dia da inauguração. Entre os nomes falados estavam o de Abel Salazar, Mário Castro e Fernando Alberto. Este último tinha contra ele o facto ainda estar vivo, o que, em Portugal, é normalmente um obstáculo a reconhecimentos deste tipo. A seu favor tinha a circunstância de, “ao longo de todos esses anos de dúvidas…” ter sido “um vimaranense que não só nunca desanimou como se empenhou e lutou sempre para que este como outros empreendimentos de interesse para a Região fossem concluídos”.

Fernando Alberto viria a ser o presidente nomeado para o primeiro Conselho Geral e, embora o seu nome não tenha sido escolhido para batizar a infraestrutura, a sua ação ficou para sempre ligada não só a esta conquista, mas também à vinda de um polo da Universidade do Minho, ao quartel do Bombeiros Voluntários de Guimarães, à primeira fase da circular urbana e à construção da autoestrada para a Cidade Berço.

Hospital foi inaugurado um dia depois da assinatura do tratado que deu origem à União Europeia

Apesar do tom laudatório da imprensa relativamente à obra e aos que contribuíram para ela, Cavaco Silva não se livrou de uma manifestação no dia da inauguração. Depois de, no dia anterior, presidir a um a um Conselho, na qualidade de Presidente da Comunidade, que ocupava na altura, em que a Comunidade Económica Europeia (CEE) foi transformada em União Europeia (UE), o celebre tratado de Maastricht. Cavaco veio a Guimarães inaugurar a obra e confrontar-se com os problemas domésticos.
Uma manifestação de trabalhadores da indústria têxtil esperava o primeiro-ministro com bandeiras negras, protestavam contra os salários em atraso e reivindicavam as 40 horas de trabalho semanal. Eram cerca de 400, de acordo com o Povo de Guimarães e vinham também de fora de Guimarães, para aproveitar o palco mediático da inauguração. “Não pode ser, trabalhar sem receber”, ouviu Cavaco Silva antes de entrar no novo Hospital.

A jornalista do Povo de Guimarães acusava a comitiva de Cavaco Silva de ter passado ao lado dos serviços com doentes em macas nos corredores e da cave, onde, segundo o seu relato, ainda se amontoavam os novos equipamentos, em caixas, à espera de serem instalados.

Leonor Beleza a ministra da Saúde que adjudicou a obra já não teve a oportunidade de acompanhar o primeiro-ministro na inauguração, entretanto era responsável pela pasta Arlindo de Carvalho.

À saída da comitiva, os trabalhadores, inflamados pela espera, atingiram alguns dos jornalistas e a própria viatura do primeiro-ministro. A delegação acabou por não ser recebida pelo primeiro-ministro, o melhor que conseguiram foi falar com o governador civil.

“Hospital Distrital, nem tudo são rosas”, titulava o Povo de Guimarães na edição da semana anterior à inauguração pelo primeiro-ministro. A jornalista Sandra Antunes meteu-se pelos corredores do Hospital e concluiu que “alguns serviços não entraram em funcionamento ao mesmo tempo que a abertura, e ainda agora não estão a funcionar.” A jornalista reportava doentes colocados em macas nos corredores. A notícia dá conta de os cuidados intensivos não estarem também a funcionar e apresenta a justificação do diretor, José Guimarães, “é uma área que precisa de muito treino do pessoal”, que estavam naquele momento a fazer formação em outras unidades hospitalares.

Em 1987, as obras foram retomadas, ao todo o Hospital levou 18 anos a ser construído. Foto: Aquivos RTP

As falsas urgências são e já naquela altura parece que eram um problema. Com esperas de quatro horas no serviço de urgências de um hospital novo é natural que os jornalistas fizessem perguntas. “É que muitas delas são falsas urgências, as pessoas por tudo e por nada recorrem ao Hospital esquecendo-se que das 8:00 às 20:00 funcionam consultas no Centro de Saúde”, queixava-se José Guimarães. A jornalista lembrava que, ao fim de semana, essas unidades não funcionavam.

A vida continua

O primeiro bebé a nascer no Hospital Distrital de Guimarães foi uma menina, viu a luz às 6:00 do dia 26. A bebé era o primeiro filho de Maria Emília Sousa Gomes, uma jovem de Gandarela de Basto que batizou a filha Carla da Conceição. Por ter sido a primeira pessoa a nascer no novo Hospital, Carla teve direito a uma prenda, uma conta bancária aberta em seu nome, com 50 mil escudos (250 euros), o equivalente a 515 euros, hoje.

Carla Conceição foi o primeiro bebé a nascer no novo Hospital. Foto: Comércio de Guimarães / AMAP
A primeira bebé regressou ao Hospital nos 25 anos e plantou uma árvore.

Numa visita, um dia depois da mudança, o ministro Arlindo de Carvalho teve oportunidade de conversar com a mãe. Quando o Hospital, entretanto já batizado de Senhora da Oliveira, fez 25 anos, Carla foi convidada e plantou uma árvore nos jardins.

 
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