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Casimiro Quintas começou a trabalhar, como ajudante de cozinha, com 13 anos, desde essa altura nunca mais deixou a restauração e a hotelaria. Nascido em Lanheses e criado em casa dos avós paternos, na freguesia de Fontão, Ponte de Lima, foi em Angola que encontrou o sucesso como proprietário do mais afamado restaurante de comida portuguesa de Luanda, o PIMM’S. Aos 60 anos decidiu voltar a Ponte de Lima para recriar, na terra natal, o conceito que tanto sucesso teve na capital angolana.
O PIMM’S em Luanda, como agora em Ponte de Lima, é um restaurante de comida portuguesa, a carta assenta essencialmente nos pratos típicos do Minho, mas há iguarias de outras regiões de Portugal.
Nada se inventa, “mas tudo é feito com muita atenção ao detalhe”, assegura o chef.
“A loiça, Vista Alegre, os talheres Cutipol, um grande cuidado com qualidade dos produtos. Depois de terminar esta entrevista, vou a Afife buscar Robalos para logo à noite”, vai dizendo enquanto manda algumas instruções para a cozinha, onde ainda entra, pontualmente, pelo prazer de cozinhar.
“Felizmente fui formando uma excelente equipa ao longo dos anos”, regozija-se, “em Angola tenho cinco portugueses e 46 angolanos a trabalhar comigo, sei que tudo funciona lindamente, mesmo quando eu não estou lá”, acrescenta.
Primeira vez em Angola não correu bem
Mas nem sempre foi assim fácil. A primeira investida de Casimiro em África, em 1991, durou oito meses e terminou com uma depressão e um regresso a Portugal, “para me curar entre as águas do Lima e a serra de Arga”.
Eram outros tempos em Angola e mesmo tendo sido contratado para gerir um restaurante, as condições de vida eram muito más.
“Cheguei a viver num contentor, sem água canalizada”, recorda.
Mesmo assim, em 1992 voltou, decidido a triunfar.
“Fui sem emprego e quando lá cheguei convidaram-me para chefiar o refeitório da Teixeira Duarte. Uma experiência nova, nunca tinha trabalhado em refeitórios, mas correu bem”.
Desta vez, foi começando a fixar raízes em Angola e, passado algum tempo, estava a liderar o restaurante onde começou a construir o seu nome como chef: o Tamarindo.
“Era sócio, com uma quota de 25% a realizar”, revela.
Sucede que, em 1992, a guerra civil angolana, que durou 27 anos (entre 1975 e 2002), teve um novo episódio. A UNITA chegou às portas de Luanda e colocou a capital sob cerco.
“Houve um momento em que as tropas da UNITA entraram mesmo em Luanda e eu perdi o C 130 que foi lá evacuar os europeus. Fiquei para trás, escondido numa cave, durante vários dias”.
Uma ponte aérea para comprar alimentos
Aquele momento passou e uma calma relativa voltou à cidade, mas os produtos de que precisava para servir generais, ministros e banqueiros que já se tinham tornado seus clientes habituais, não se encontravam nos mercados de Luanda.
Não esconde que as relações privilegiadas com essas pessoas importantes e com o pessoal das petrolíferas lhe abria as portas de certos armazéns que não eram acessíveis ao resto da população, “mas não era sempre e, mesmo nesses sítios, faltavam produtos”.
Para garantir que nunca faltava nada no Tamrindo, “fazia todas as semanas uma viagem de ida e volta a Harare [2.700 Km], a capital do Zimbábue, para comprar géneros. Punha tudo em caixas de esferovite e levava para Luanda”.
Nomes famosos foram passando pela sua mesa
O vinho, indispensável para empurrar uns bons rojões ou uma bela feijoada, ia de Portugal por avião.
“Mais tarde, conheci o Roquete [José Roquete, Herdade do Esporão] e ele mandava-me o vinho em contentores”.
Quando tudo faltava em Luanda, no Tamarindo nunca faltou nada. Mas não foi só com esse argumento que Casimiro conquistou o coração (e o estômago) dos clientes. Até porque, pelas mesas do seu restaurante não passavam só os angolanos.
“Os portugueses, políticos e empresários, quando iam a Angola acabavam sempre por ir lá comer: Américo Amorim, comendador Nabeiro, José Roquete, Almeida Santos…” – vai desfiando nomes conhecidos.
O segredo é a comida portuguesa, “bem feita, com muito rigor na receita”, garante.
Em 1996, comprou a empresa “Produção de Iguarias e Acepipes Martins dos Santos” (PIMM’s) e com ela o espaço onde viria a instalar o seu restaurante com marca própria.
“A casa já tinha sido restaurante, no tempo colonial, depois fechou e tornou a abrir, mas a qualidade tinha baixado muito. Serviam arroz de tomate com carapaus e ofereciam dois finos a quem comesse o arroz. Os finos eram tirados com uma bomba de encher pneus de bicicleta porque não havia gás. Sabiam a borracha”, ri-se.
Arrancou com as obras, “devagar, até porque não tinha dinheiro para tudo”.
“Mesmo nos piores momentos, eu nunca tive problemas, nunca fui assaltado”
Casimiro conheceu os piores períodos de Angola, aqueles em que o país era uma selva inabitável para a maioria dos europeus.
“Eu nunca tive problemas, nunca fui assaltado. Os meninos de rua naquela altura eram muitos e eu, depois de servir as refeições, punha uma mesa comprida nas traseiras e dava-lhes comida. Obrigava-os a comer de faca e garfo e aproveitava para lhes dar bons concelhos. Alguns aproveitaram e vários acabaram a trabalhar comigo no restaurante, outros foram por maus caminhos, mas ficaram sempre meus amigos”, garante.
O PIMM´s Luanda abriu em 2000 e a partir de 2002, com o fim das hostilidades entre o MPLA e a UNITA, “Angola tornou-se num país visitável”. Se em tempo de guerra o PIMM’s já era um sucesso, com o regresso da paz e da possibilidade de fazer negócios, o restaurante de Casimiro Quintas tornou-se num êxito.
Em 2016, o menino de 13 anos que saiu da terra para ir descascar batatas e lavar tachos em Viana do Castelo, voltou a Ponte de Lima e comprou o espaço onde funcionou o restaurante “A Carvalheira”, parte de um antigo paço senhorial.
O espaço que resultou da recuperação do edifício é um restaurante acolhedor, com espaço para 43 pessoas no inverno e a possibilidade de alargar um pouco esse número com a instalação da esplanada no verão.
“A carta é, na sua maioria, a que tenho no PIMM´s em Luanda”, atesta.
A recuperação da casa dos caseiros da Quinta da Carvalheira salvaguardou a lareira, o forno, as pedras de granito à vista e as traves de carvalho que suportam o telhado.
O alpendre frontal tornou-se num espaço fechado, mas com uma parede vidrada que permite uma visão ampla sobre o espaço onde antes uma eira e um terreiro. O trabalho de arquitetura integrou esta parte frontal, mais moderna, com a casa de lavoura e um enorme carvalho centenário que parece abraçar o edifício.
De volta à terra para parar, mas com vontade de vencer
“O elefante anda muito, não para de andar ao longo de quase toda a vida até que, a certa altura, escolhe um sítio e pára”, afirma.
“Eu andei muito, corri muito mundo, posso dizer que fiz tudo aquilo que quis e, agora, achei que era o momento de parar e escolhi este sítio”, confidencia.
É uma paragem em sentido figurado, porque Casimiro garante que quer ter sucesso neste empreendimento.
“Conto com os empresários angolanos que frequentemente vêm a Portugal e já me conhecem, com os empresários portugueses que têm negócios em Angola e que já eram clientes do PIMM’s, em Luanda. Além disso, Ponte de Lima está muito em voga, haverá também turistas, espanhóis e, claro, portugueses”, enquanto vai dizendo isto recebe uma chamada de um empresário que acaba de chegar de Angola e quer marcar uma mesa para jantar com a família.
Não se impressiona por agora estar em concorrência com outros restaurantes que também fazem da comida portuguesa a sua bandeira.
“Há pratos da cozinha portuguesa que se perderam, fazem-se alguns, sempre os mesmos em todos os restaurantes”, avalia.
Para garantir a qualidade, Casimiro tem ao seu lado neste projeto o chefe de sala Ângelo Silva e, na cozinha, a chef Brigite Silva que já trabalhavam no PIMM’s em Luanda.
Desde 10 de fevereiro, passou a ser possível comer no PIMM’s de Ponte Lima, como no de Luanda, uns filetes de garoupa com arroz de tomate malandro, um arroz de cherne com gambas, uma feijoada à transmontana, um bacalhau com broa em cama de espinafres ou umas costeletinhas de borrego regadas com molho de hortelã.
O PIMM’s de Ponte de Lima está aberto para almoços e jantares, fecha no domingo à noite e na segunda-feira.
GO!
R. Via Foral D. Manuel l, nº 833 – Arcozelo 4990-171 Ponte de Lima
Telefone: 258 943 213 | 927 630 361
Aberto de terça-feira a sábado, das 12:00 às 15:00 e das 19:15 às 22:00 e domingo, das 12:00 e 15:00.
Encerra ao domingo à noite e à segunda-feira.