ARTIGO DE LILIANA MATOS PEREIRA
Presidente Concelhia das Mulheres Socialistas – Igualdade e Direitos de Braga. Vereadora na Câmara Municipal de Braga.
No final dos anos 40, Simone de Beauvoir escrevia O Segundo Sexo onde retratou as discriminações sofridas pelas mulheres durante séculos e os papéis secundários que ocuparam ao longo da História. A sociedade entendia o papel da mulher como um papel menor, sendo esta perspetiva aceite por todos. Só no séc. XIX, com a obrigatoriedade da escolarização, alguns lugares começaram a ser ambicionados.
Em muitos lugares do mundo, as mulheres ainda hoje são vistas e tratadas como cidadãos de segunda. Na China, por exemplo, as mulheres não podem conduzir ou trabalhar durante a noite. Na Malásia, as mulheres não se podem divorciar e casar novamente. Na Índia, uma mulher foi violada por cinco homens de uma casta considerada superior e, no seu julgamento, estes foram absolvidos apenas porque homens de uma casta superior não violariam uma mulher de casta inferior.
Em Portugal a realidade é distinta, assistimos já a mulheres na liderança de grandes multinacionais e a ocupar lugares de destaque na vida pública. Estas conquistas devem ser celebradas e disseminadas, mas nem tudo corre bem! Sabemos as várias dificuldades que ainda hoje todas nós sentimos para conseguirmos ser mulheres na essência completa do que ser mulher significa. As dificuldades nas entrevistas de emprego – mesmo quando somos as mais qualificadas e nos questionam, nem sempre de forma discreta, “E ser mãe? Está nos seus planos?” ou “E quando os seus filhos ficam doentes, como gere a situação?” – a diferença salarial, entre outras situações que nos fazem sentir a todas diminuídas enquanto profissionais e condicionadas porque nascemos com o segundo sexo.
Infelizmente ainda faltam dar largos passos para atingirmos a igualdade plena entre géneros. “Tempo para termos tempo”. Este foi o mote para uma campanha desenvolvida pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, no final do ano passado, com o intuito de alertar para a diferença na partilha, entre géneros, de tarefas profissionais e domésticas.
Dados da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género revelam que, em média, as mulheres dedicam diariamente mais 1h 45 min às tarefas domésticas que os homens. Nos últimos 20 anos, o tempo que o sexo masculino dedica a este tipo de trabalhos aumentou apenas 8 minutos, pelo que faltam 180 anos para que a divisão de tarefas domésticas seja igual.
Relativamente à educação e cuidados dos filhos, as mulheres asseguram 73% do trabalho (não remunerado), não se registando qualquer evolução na última geração relativamente ao contributo paterno nesta tarefa.
Em termos laborais o cenário é ainda mais desolador. No ano passado, 54,1% dos alunos matriculados no Ensino Superior eram do sexo feminino. 60% dos licenciados são mulheres.
Cerca de metade dos doutorados em Portugal são mulheres. Apesar disso, os homens continuam a auferir mais. Os últimos dados revelados pelo Governo, evidenciam que os homens ganham, em média, 1034,90 euros mensais e as mulheres auferem 886 euros, um diferencial de 14,4%. E sabemos que este diferencial é tanto maior quanto maior for o nível de qualificações, atingindo os 27,3% nos quadros superiores.
No que à precariedade diz respeito, Portugal é o terceiro país da União Europeia com maior proporção de trabalhadores em situação precária, sendo o número estimado de cerca de 1 milhão e 300 mil pessoas. Cerca de metade são mulheres, mas estes números preocupam ainda mais quando olhamos para as gerações mais novas, sendo 2 em cada 3 precários do sexo feminino.
A crise provocada pela pandemia Covid-19, provocou um enorme retrocesso nestas estatísticas. As várias medidas de confinamento implementadas evidenciaram ainda mais a fragilidade da condição profissional da mulher. Um dos valores que mais nos deve chamar a atenção são os números do desemprego: 90% dos 50 mil novos desempregados são do sexo feminino.
Várias podem ser as justificações apontadas, porque os seus vínculos laborais são mais precários ou porque são provenientes de setores mais afetados. A verdade é que alguns números são muito claros, as mulheres foram aquelas que mais recorreram aos programas de apoio às famílias, com 8 pedidos provenientes de mulheres em cada 10. Além disso, sabe-se que as mulheres tendencialmente fazem a renovação de pedido de assistência, mas os homens não. Se olharmos para aquelas que ficaram em casa em regime de teletrabalho, estas atingiram um nível enorme de exaustão, com a dificuldade em conciliar a vida profissional, familiar e doméstica.
Com todas as dúvidas sobre o comportamento da pandemia nos próximos meses, a indefinição acerca do funcionamento do próximo ano letivo, a eventual necessidade do apoio aos filhos e a consequente ausência dos locais de trabalho, muitas são as empresas que declinam contratar mulheres e renovar contratos de trabalho.
A este retrocesso de décadas para o mercado de trabalho e para o sexo feminino, junta-se a um estudo do Citigroup, que prevê uma perda de 1 bilião de dólares do PIB mundial, com a saída das mulheres do mercado de trabalho, em consequência da pandemia.
Quem- como eu – teve o prazer de ler Simone Beauvoir, no seu tratado sobre a condição feminina nos longínquos anos 40, questiona-se sobre o “agora” escrito há mais de sete décadas. É que não podia ser mais atual uma das mais significativas afirmações que nos deixou n’ O Segundo Sexo: ” Não se trata para a mulher de se afirmar como mulher, mas de se tornarem seres humanos na sua integridade”.
Liliana Matos Pereira
Presidente Concelhia das Mulheres Socialistas – Igualdade e Direitos de Braga
Vereadora na Câmara Municipal de Braga