Os moradores da rua de Vila Verde, em Guimarães, estão descontentes com as obras de “melhoramento” daquela artéria. As obras arrancaram a 06 de janeiro deste ano e deviam estar prontas em 150 dias. Quem mora na rua queixa-se que “vai ficar pior do que estava antes das obras e que vai continuar a não ter acesso para as viaturas de emergência”.
A rua de Vila Verde desce da avenida D. João IV, passando perto das instalações do extinto Cybercentro e continua até à Pousada da Juventude, no largo da cidade. A rua é muito usada pelos turistas que descem por ali, vindos da estação de caminhos de ferro, a caminho da Pousada da Juventude. Antes das obras, era vê-los com os tróleis a saltitar no chão empedrado.
O troço da rua que vai do Cybercentro à Pousada da Juventude está arranjado, desde a Capital Europeia da Cultura, em 2012. O restante não foi intervencionado na altura por falta de acordo com o proprietário das casas. “Logo aí fomos prejudicados, recorda Vítor Martins, um dos moradores descontentes com o andamento que a obra atualmente leva”.
Recentemente houve um fogo na rua e os bombeiros tiveram que operar com as viaturas parqueadas na rua Camilo Castelo Branco, a cerca de cem metros do local, porque não se conseguiram aproximar mais. Os moradores temem que “da maneira que as obras estão a ser feitas este problema vai continuar”.
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Cátia Martins considera “inaceitável que se faça uma obra de melhoramento da rua e que as casas continuem sem acesso para uma ambulância ou para um carro de bombeiros”. Os próprios táxis, quando são chamados ao local, não entram na rua e, se se tratar de uma pessoa com limitações tem que ser transportada até à viatura.
“As viaturas que entregam as botijas vêm pelo bairro Amadeu Miranda, porque aqui não é qualquer um que se aventura com a carrinha”, queixa-se Vítor Martins, morador de longa data na rua. “Uma vez, houve um motorista que tentou entrar com a carrinha por aqui” – conta, encostado ao que resta da entrada do que foi em tempos um terreno agrícola – “, ele passar passou, mas amassou a carrinha toda”.
Os moradores defendem que aquela passagem devia ser alargada para criar uma entrada de emergência para a rua. O terreno, que segundo a Câmara é privado, embora os moradores contestem esta alegação, é o que resta do que terá sido em tempos uma quinta. “Há muitos anos, tudo isto eram quintas, por aí acima onde agora são os prédios da avenida D. João IV. Não faltavam muros como este que foram abaixo”, recorda uma moradora octogenária.
O muro é um dos pomos da discórdia entre Câmara e moradores. Alguns tramos de um muro de pedra e um tanque de água são os únicos vestígios da antiga exploração agrícola. A Câmara alega que “o muro de pedra é importante na referenciação da escala urbana e na preservação da cidade histórica” e acrescenta que “não faz qualquer sentido a demolição do muro existente na medida em que ele é essencial na definição do contexto urbano”.
Já os moradores encaram o muro como um problema que torna a rua estreita e impraticável para os carros, nomeadamente os de emergência, que tira a luz às casas, tornando a rua sombria e que propicia esconderijo para a toxicodependência e a prostituição. “O muro não tem nada de histórico, era um muro que os lavradores usavam para separar os campos agrícolas. O valor histórico do muro é uma invenção”, alega Vítor Martins.
Na verdade, o interesse da Câmara pelo valor histórico do muro é recente, porque os edifícios que estão na esquina da rua com a Camilo Castelo Branco, assentam em cima do muro e parte dele foi até derrubado para criar uma passagem.
“Naquela altura isto nunca devia ter sido licenciado assim, construíram de um lado e do outro em cima do muro e impossibilitaram qualquer alargamento futuro da entrada da rua. Ainda me lembro de os meus avós estarem doentes e de a ambulância ficar ali na rua Camilo Castelo Branco”, comenta Cátia Martins, apontando para a entrada da rua, encravada entre dois prédios mais modernos.
“Se o muro é histórico” – diz a sorrir – “, pelo menos baixem-no um pouco, para que se veja o que se passa ali daquele lado e para entrar a luz. Nós vivemos aqui emparedados”, sugere Vítor Martins.
Do outro lado do muro há um pântano, onde se criam ratos e cobras que, volta e meia, aparecem aos moradores. O tanque, sem água, transformou-se num deposito de lixo para quem aproveita a cobertura do muro para fumar uns charros e beber umas cervejas.
“Para melhorar a salubridade das nossas casas o muro é histórico, mas para melhorar a visibilidade do Pingo Doce não houve nenhum problema em deitar o muro abaixo”, comenta Vítor Martins, mostrando uma parte do muro rebaixado, no ponto onde a rua encontra a avenida D. João IV. Os moradores queixam-se de uma dualidade de critérios, porque o Pingo Doce não só baixou o muro como, “se não fossem as reclamações dos moradores”, ia mudá-lo de sítio, tornando a rua ainda mais estreita.
Vítor Martins e Paulo Oliveira queixam-se de a Câmara não cumprir as promessas feitas e de “agora lançar esta obra, à pressa, porque estamos em ano de eleições”. Vítor Martins comenta, “assim que vi que o valor da obra era 160 mil euros, percebi que não iam cumprir o que estava prometido”.
O que foi prometido, segundo os moradores e o presidente da União de Juntas de Freguesia de União de Freguesias de S. Sebastião, Oliveira do Castelo e S. Paio, Rui Porfírio, foi a construção de um parque infantil, no terreno por trás do muro, junto ao tanque. “Foi numa reunião, na campanha para as eleições autárquicas de 2017. Domingos Bragança veio aqui com o candidato do PS, o Jorge Cristino, e prometeram a construção do parque infantil”, relembra Vítor Martins.
Questionada por O MINHO, a Câmara de Guimarães afirma que “verificou-se que esse terreno é de dominialidade [sic] privada, o que impede qualquer intervenção municipal nesse local”. Os moradores não aceitam a explicação da Câmara, “porque todos os terrenos onde a Câmara constrói são privados antes dela os comprar, mas aqui nem é o caso”.
Os moradores e o próprio presidente da Junta sustentam que a propriedade dos terrenos não está bem explicada e que a Câmara está a usar o subterfúgio da propriedade para não cumprir a promessa feita à população reunida em assembleia popular.
Rui Porfírio, tem memória de outra promessa que ficou por cumprir. “Amadeu Portilha, na altura número dois da Câmara Municipal, disse aqui à população, reunida no auditório da Fraterna, que o senhor presidente tinha prometido que quando a obra do Pingo Doce fosse inaugurada a requalificação da rua também estaria pronta. O Pingo Doce abriu em junho de 2017, as obras estão a decorrer agora”.
À semelhança do que aconteceu na requalificação da rua D. João I, a obra da rua de Vila Verde arrancou sem projeto para instalação de gás. Foi a mobilização dos moradores e as diligências do presidente da Junta que inverteram a situação. “Querem fazer disto uma rua para os turistas e não para os moradores, por isso, coisas como o gás não são importantes”, queixa-se Vítor Martins.
“Na verdade, isto de requalificação não tem nada, a rua está a ficar ondulada, toda cheia de lombas. Isto não era assim”, comenta Cátia Martins, enquanto olha para a rampa. De facto, a rua em vez de ser o plano inclinado perfeito que estamos habituados a ver nas artérias com pendente, é uma sucessão de lombas. “A preocupação deles foi nivelar a rua com a entrada de cada casa e deu nisto. Ainda por cima, não estou certo que, quando chegar o inverno, a água que vem pela rua abaixo não vai entrar nas casas. As portas tinham um degrau não era por acaso”, afirma Vítor Martins.
“Esta obra foi feita à pressa para encaixar no calendário eleitoral”, comenta Rui Porfírio. Para o presidente da União de Juntas do centro da cidade parece óbvio que “depois virão os aditamentos a esta obra, porque ela não está bem feita”. Vítor Martins afina pelo mesmo diapasão e aponta para uma caixa de contadores de água que foi deixada abaixo do nível do passeio. “Olhe para isto! Esta obra foi feita apenas para calar as pessoas que andavam a reclamar”.
Depois de, no mês passado, um incêndio ter deixado 12 pessoas desalojadas, sem que os bombeiros pudessem entrar na rua, o acesso para as viaturas de emergência é a principal reivindicação dos moradores. A Câmara sustenta que “as obras realizadas, que são obras de melhoramento, consideram (porque melhoram) também a acessibilidade a veículos de emergência num contexto de urbano que importa preservar”.
Os moradores asseguram que sem mexer no muro para alargar a via, ou fazer um novo acesso pelo terreno devoluto, não há solução possível “e qualquer dia acontece uma tragédia”.