ARTIGO DE OPINIÃO
João Ferreira Araújo
Advogado
No passado dia 24 de janeiro de 2024 foram detidos três cidadãos, por suspeita de corrupção, na Ilha da Madeira. Entre eles estão um empresário bracarense, Custódio Correia, o maior acionista da Socicorreia, o Presidente da Câmara Municipal do Funchal, e um outro empresário, Avelino Farinha, o CEO do Grupo AFA.
Desde a detenção e até ao momento presente (dia 14 de fevereiro de 2024) já decorreram 21 dias em que estes detidos se encontram a aguardar a aplicação das medidas de coação, após terem sido interrogados pelo Juiz de Instrução, no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, prevendo-se que sejam conhecidas a partir das 15h00 desta quarta-feira, segundo os relatos dos órgãos de comunicação social.
O Ministério Público promoveu a prisão preventiva, enquanto medida de coação adequada, proporcional e necessária a garantir as exigências cautelares do processo em causa.
Os três detidos estão indiciados pelos crimes de corrupção ativa e passiva, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poder e tráfico de influência.
Não pretendo opinar sobre o caso concreto, como é óbvio, mas sim sobre o facto destas pessoas estarem detidas há 21 dias, o que nos parece inaceitável e ilegal.
Teoricamente, os detidos devem ser presentes ao Juiz de Instrução Criminal no prazo máximo de quarenta e oito horas, para serem identificados e informados da factualidade que impende sobre eles.
Caso não haja condições para iniciar o interrogatório e os detidos hajam manifestando vontade de prestar declarações, dentro do prazo das 48 horas plasmado na lei, estes deviam ser libertados até que o possam fazer.
Contudo, na prática, não é o que acontece. Os Tribunais entendem que o prazo das 48 horas serve apenas para apresentar os arguidos ao Juiz de Instrução Criminal, para somente os identificar, sendo que o interrogatório demorará o tempo que tiver que demorar, podendo, no limite, os arguidos estarem detidos semanas e semanas sem que lhes tenha sido aplicada qualquer medida de coação.
Esta atuação é absolutamente ilegal e não devia ser chancelada, como o é, pela Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.
No caso concreto da corrupção na Madeira, este comportamento processual é ainda mais grave pois os arguidos só começaram a ser ouvidos, pelo Juiz de Instrução, sete dias após a sua detenção.
O Juiz de Instrução de Criminal, findas as 48 horas, apercebendo-se que não podia começar os interrogatórios judiciais deveria ter colocado em liberdade todos os arguidos.
Não iniciar os interrogatórios judiciais, dentro do prazo das 48 horas, por não estarem reunidas as condições para o Tribunal ou para o Ministério Público o fazerem, exige que os arguidos sejam restituídos de imediato à liberdade.
Aceitaríamos a prorrogação do prazo, se tivesse sido a defesa a requerê-lo, a fim de poder consultar os autos, por exemplo.
Este estado de coisas tem preocupado o próprio Conselho Superior da Magistratura, que té já manifestou recentemente o seu desagrado com as demoras ocorridas nos interrogatórios judiciais, admitindo estudar “soluções práticas”, para fazer face à limitação de um direito constitucional dos arguidos.
A Ordem dos Advogados emitiu, igualmente, um comunicado em que constata “com preocupação a detenção de cidadãos para ser em submetidos a primeiro interrogatório judicial, ficando detidos por vários dias, sem que o interrogatório fosse concluído num prazo razoável e proporcional”.
Acrescenta ainda que “independentemente dos enquadramentos jurídicos que possam existir quanto a esta matéria, não é aceitável que este tipo de atuação se torne frequente e banalizada”.
Existe violação da Lei, nomeadamente do Artigo 28º da Constituição da República Portuguesa, que refere “a detenção será submetida no prazo máximo de quarenta e oito hora a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coação adequada, devendo o Juiz de Instrução Criminal conhecer as causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa”.
Ora, este normativo constitucional a meu ver, não está atualmente a ser cumprido e observado pelos Tribunais Portugueses. É urgente alterar este estado de coisas, respeitando os Tribunais a Lei Fundamental.