O secretário-geral comunista rebateu a ideia de definhamento do partido e alertou que “o PCP faz falta”, sobretudo num momento de agravamento das condições de vida e de perda do poder de compra.
Em entrevista à agência Lusa, a propósito da Conferência Nacional do PCP a 12 e 13 de novembro, Jerónimo de Sousa contrariou a ideia de que o declínio eleitoral dos últimos anos signifique que o partido está a perder força ou influência.
“Muita gente que não é comunista, nem está próxima [do partido], tira uma conclusão: o PCP faz falta. O PCP faz falta aos trabalhadores, aos reformados e pensionistas, aos que menos têm, aos que menos podem, aos agricultores, aos pequenos e médios empresários”, sustentou.
Jerónimo de Sousa reconheceu que se o partido tivesse ajudado a viabilizar a proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) — cuja rejeição esteve na origem das eleições legislativas antecipadas que fizeram com que o PCP ficasse reduzido a seis deputados — até podia conquistar noutras eleições “mais uns votos”, mas não estaria “a corresponder aquela exigência” que os portugueses esperam.
Contudo, o desaire eleitoral, correlação de forças na Assembleia da República e a incerteza no contexto geopolítico internacional obrigaram o PCP a convocar uma Conferência Nacional, a quarta em 101 anos, para reenquadrar o partido e a sua intervenção.
Na conferência o partido vai tentar resolver o dilema da captação de pessoas, numa altura em que o agravamento das condições de vida, a perda de poder de compra e a precariedade transversal a várias áreas poderão ser propícias a um alinhamento com as ideias dos comunistas.
No manifesto que apresentaram há semanas e que está a ser debatido em todas as estruturas locais do partido, os comunistas apontaram como prioridade a formação de quadros jovens.
Na ótica de Jerónimo de Sousa é disso mesmo que o partido e “a participação de muitos jovens” é algo que já acontece e que se vê a “olho nu”.
Mas esse “rejuvenescer” tem de ocorrer “como um ato natural”.
Questionado sobre se esse rejuvenescimento tem de chegar à cúpula da direção comunista, respondeu “sim” e que a direção está a “fazer um esforço por esse rejuvenescimento”.
O partido tem como ambição formar mais 1.000 quadros até ao final de 2024.
Jerónimo de Sousa foi também questionado sobre a posição do PCP em relação à guerra na Ucrânia, dissonante das restantes forças políticas portugueses, designadamente quanto a uma influência em resultados eleitorais futuros, tendo em conta que o conflito deverá continuar nos próximos anos.
“Tivemos a posição pública que conhece, num quadro de grandes incertezas no plano internacional. Quem julgar que tema verdade toda, está a mentir”, comentou.
O PCP, sustentou, podia “ir na onda” dos outros partidos, mas como “ninguém pode ter certeza de nada”, o partido preferiu “reafirmar particular o valor da paz” nesta e em outras guerras.
“Ninguém é insubstituível”
O secretário-geral do PCP alerta que “ninguém é insubstituível” e garante que não irá esperar por qualquer reparo crítico relativamente à idade para deixar o cargo, porque está ciente de que “a lei da vida não perdoa”
“Isto é quase um desabafo pessoal, os meus camaradas perdoar-me-ão, mas tive sempre esta ideia: ninguém é insubstituível”, acentuou Jerónimo de Sousa, em entrevista à agência Lusa a propósito da conferência que irá em novembro reenquadrar os objetivos do partido para o futuro.
Com 75 anos e quase 18 como secretário-geral comunista, Jerónimo de Sousa recusa-se a apontar uma data concreta para a substituição, mas logo a seguir avisa que “a lei da vida não perdoa a ninguém” e, por isso, “um dia será”.
Antes de precisar que “o fator determinante” será a avaliação das “condições físicas e anímicas para continuar a fazer 2.000 quilómetros num fim de semana”, o dirigente comunista garante que “a direção do partido olhará, acompanhará, verificará” a passagem do testemunho.
“Eu, no caso concreto, tenho a ideia de que a vida tem um desfecho e que não deveria, enfim, esperar por qualquer reparo crítico em relação à idade”, admite, aproveitando para esclarecer logo de seguida: “aqui o fator fundamental é de facto a saúde”.
“A saúde é um elemento central, por muitos planos, programas, ideais, sonhos, tudo isso que a vida comporta, há uma coisa que é implacável, que é a lei da vida”, afirmou, assegurando que dará a sua contribuição quando o PCP “considerar chegado o momento de uma substituição, de forma tranquila, mantendo a coesão do partido”.
Até chegar o momento, Jerónimo promete continuar a desenvolver o trabalho que o PCP lhe exige, inclusivamente o de participar na escolha do seu sucessor.
Daí “ser eu também a decidir e a propor essas possíveis alterações do secretário-geral. Podíamos estar a falar da Comissão Política, do Secretariado, do próprio Comité Central”, assinala.
“Vou continuar a trabalhar, a dar o meu melhor, mas qualquer decisão tem a minha participação”, sublinha, advertindo logo a seguir: “No meu partido não existem militantes de diversas categorias, existem militantes com diversas responsabilidades”.
E a responsabilidade é “muito exigente”, pelo que “neste momento o fator determinante está a ser de facto as condições físicas e anímicas para continuar a fazer 2.000 quilómetros num fim de semana”, reitera Jerónimo de Sousa.