As bases em que assentava a vida de João Alberto Silva começaram a desabar em 2013. Tinha entrado na casa dos quarenta há pouco tempo e sabia que os pais não seriam eternos, mas nada o preparara para o que se seguiria. Solteiro, João partilhava com os pais um apartamento, no bairro de Nossa Senhora da Conceição, em Guimarães e, também por isso, o vínculo que tinha com eles era muito forte. Em menos de uma década, o cancro levou-lhe os dois.
Foi um período difícil em que, além de ter de lidar com o desgaste emocional da perda, teve também de aprender a ser o cuidador dos pais que, até essa altura, tinham sido autónomos. “Foi um período terrível, além de perder o meu pai e a minha mãe, na mesma época o meu irmão divorciou-se e tive uma prima que se suicidou”, recorda.
A sequência negra na vida de João começou quando, num exame de rotina, se descobriu que o pai tinha um cancro no estômago. “Inicialmente pensou-se que havia esperança, começou a fazer tratamento e achávamos que problema se ia resolver. Depois da cirurgia, os médicos descobriram aquilo que não gostávamos de saber”, conta. O cancro tinha metástases e nada mais havia a fazer pelo pai, além de cuidar dele para que passasse o melhor possível os últimos dias. “A partir desse momento foi uma queda brutal”.
Com a mãe idosa, João tornou-se no principal cuidador do pai em estado terminal. Por vezes, quando as noites eram difíceis, pedia-lhe: “descanse um bocadinho, senão a gente não dorme”, confessa. Eram noites em claro, numa casa pequena, com a pai a lamentar-se das dores. “Ser bombeiro e motorista de ambulâncias ajudou-me com muitas coisas que tive que fazer”, esclarece.
Depois da morte do pai, mãe e filho ficaram ainda mais próximos, apoiando-se um ao outro na dor da perda. A certa altura, a mãe começou a queixar-se de cansaço, “tinha dificuldade em subir escadas”. Foi ao médico e descobriu que tinha um cancro nos pulmões. “Ela nunca fumou. Calhou-lhe a ela, foi isso”, conforma-se.
“No caso do meu pai foi mais fácil, passaram-se quase dois anos desde que soubemos, houve tempo para nos prepararmos. Com a minha mãe foi fulminante, depois de sabermos, durou poucos meses”, lamenta. Foi na altura em que a mãe estava acamada que João entrou em contacto com a Equipa de Cuidados Paliativos Continuados do Hospital Senhora da Oliveira (HSOG).
Quem cuida deixa de pensar nas suas necessidades
Inicialmente, o alvo dos cuidados, mas João acabou por ser referenciado como uma pessoa com fatores de risco para desenvolver um processo de luto complicado. “Era um cuidador que tinha enfrentado a perda de duas pessoas muito próximas, com as quais vivia, num espaço de tempo muito curto”, esclarece Gerly Macedo, psicóloga, responsável pela consulta de luto do HSOG, sobre o motivo para este cuidado.
A intervenção pelos psicólogos dos cuidados paliativos do HSOG teve início numa altura em que a mãe de João ainda estava viva, preparando a perda. “Esta situações são altamente exigentes para os cuidadores que têm de aprender muito depressa. As pessoas tornam-se autonegligentes, não identificam os seus próprios sinais de sofrimento”, explica a psicóloga. “A morte deve ser preparada e cuidada como a chegada de uma nova vida”, defende Gerly Macedo.
João admite que foi muito importante ter alguém que o ouvisse, numa primeira fase. Depois da morte da mãe, já integrado na consulta de luto hospitalar, em grupo, “percebi que não estava sozinho naquele sofrimento e isso ajudou-me a acalmar a dor”. João superou tão bem quanto se pode o sofrimento, agora até relativiza, dizendo que na consulta conheceu pessoas em situações piores que a dele. Fala do assunto como uma recordação má, mas de uma forma tranquila.