Ser mulher na Rússia de hoje “é terrível”, resume a música e ativista Nadya Tolokno, fundadora da banda punk feminista russa Pussy Riot, pouco antes de atuar no festival de Paredes de Coura.
Em entrevista à Lusa antes do concerto “político” que a trouxe a Portugal, Nadya Tolokno, presa após a célebre atuação numa catedral de Moscovo, em 2012, que catapultou as Pussy Riot para a cena internacional, acusa o governo russo de “legitimar” a violência doméstica, desde que, há um ano, aprovou “uma lei que despenaliza quem bate na mulher”.
De nome completo Nadezhda Tolokonnikova, é das poucas ativistas da banda que dá a cara e prescinde da máscara balaclava que cobre os restantes apoiantes do movimento. Não precisa, é sobejamente conhecida por um regime que já a mandou prender mais do que uma vez.
“Em termos de violência doméstica, a situação é bastante terrível de momento”, descreve, sintética nas palavras, mas focada nas declarações que faz aos jornalistas. “It sucks” foi, aliás, a frase curta com que respondeu à pergunta sobre como vivem as mulheres na Rússia de hoje.
“Muitas mulheres não estão protegidas, de todo. Em vez de melhorar a situação, o nosso governo tem piorado as coisas”, denuncia.
As Pussy Riot, que têm regularmente incomodado o regime de Vladimir Putin – recorde-se que, na final do Mundial da Rússia, protagonizaram uma viral invasão de campo, envergando fardas policiais – criaram um meio de informação próprio, para serem “ouvidas”.
A MediaZona cobre “o que se passa nos tribunais, nas prisões e nas esquadras da polícia” e “ajuda as pessoas a protegerem-se dos torturadores”, explica Nadya.
Face à “onda significativa de torturas em prisões e esquadras da polícia”, a MediaZona faz o que os outros não fazem. “Os média oficiais nunca dariam aquela informação”, lamenta.
Apesar de não contarem com “muito apoio de governos de outros países”, é certo que os movimentos sociais e políticos fora da Rússia têm defendido as Pussy Riot e, com elas, a liberdade de expressão.
É isso que “ser político” significa. “Envolvermo-nos”, numa palavra. E as Pussy Riot fazem-no, em palco e fora dele.
A relação entre Rússia e Estados Unidos “não faz sentido”, mas os presidentes de ambas as potências, Vladimir Putin e Donald Trump, “têm algo em comum, só se preocupam com a sua riqueza e o seu poder e governam como o fariam com os seus negócios pessoais”.
Se se pudesse sentar à mesa com Putin, Nadya não lhe falaria. “Não penso que ele me ouviria e não gastaria as minhas palavras com ele”, descarta.
“Não podemos falar de política, no sentido tradicional do termo, o que temos é um bando de criminosos que fazem negócios uns com os outros, e nós somos mais ou menos escravos. Ou assistimos ao que está a acontecer ou os substituímos por alguém melhor”, desafia.
Fundadora de uma banda assumidamente feminista, Nadya diz que ser feminista hoje “significa o mesmo do que há cem anos”.
“Batermo-nos pelos nossos direitos e não permitir que o sexismo diminua o nosso sentido de autoridade interna, só porque se pensa que as mulheres não são iguais aos homens”, explicita.
“O feminismo moderno também significa, para mim, que não temos de viver no sistema dualista de género e que podemos escolher o género que preferirmos”, precisa.
“Não posso decidir pelos outros o que é o punk para eles, essa não é a ideia do punk. Os músicos e os artistas têm de definir para si o que é o punk. Eu tento redefinir todos os dias o que o punk é para mim. Mas o meu punk é feminista”, clarifica.
Mensagem politica e pouco espaço para o público
O espaço para o público no palco secundário no Festival Paredes de Coura foi pequeno para o tamanho da mensagem politica que as russas Pussy Riot trouxeram a Portugal, um manifesto contra a corrupção, desigualdade sexual e oligarquia.
A terceira noite de concertos na Praia Fluvial do Taboão, nas margens do rio Coura, foi ainda pautada pela atuação do britânico Skepta que, menos de dois minutos depois de ter começado, levou as milhares de pessoas que assistiam ao concerto “à loucura”, tendo mesmo a organização interrompido o espetáculo para pedir que parassem de atirar objetos para o palco.
O espetáculo das ativistas russas começou com a leitura e apresentação gráfica dos 25 pontos do manifesto político-social defendido pelas ativistas, uma ode à liberdade, igualdade sexual, democracia e luta contra a pobreza, tendo-se seguido a entrada em palco de Nadya Tolokno, uma das fundadoras da banda Pussy Riot, debaixo de uma forte ovação do público.
Se durante a primeira música Nadya e as restantes ativistas envergaram a tradicional máscara balaclava com que se apresentam, na segunda o rosto principal das Pussy Riot apareceu para deixar uma mensagem “politico-humanitária”.
“Obrigada pelo apoio”, começou por dizer, explicando que o concerto, assim como todas as ações da banda, não são apenas música: “Esperamos ajudar a que um jovem ucraniano, preso politico na Rússia e em greve de fome há 90 dias, sim, três meses sem comer, volte para a sua família, para o seu país”, disse.
“Exigimos que o libertem”, exortou.
O público, que tornou exíguo o espaço à volta do palco secundário do recinto, aderiu à mensagem, ovacionando e aplaudindo a cada palavra de ordem projetada no ecrã que ocupava o palco.
Este foi o primeiro momento do ‘after-hours’ da noite, a que se seguiu o produtor e DJ de Frankfurt, Lauer.
Antes, passaram pelos palcos do paredes de Coura Diiv, Frankie Cosmos, slowdive, Kevin Morby, Imarhan, Smartini e … And You Will Know Us by the Trail of Death.
No entanto, o concerto que mais público reuniu foi “sem dúvida alguma” do artista grime Skepta, vencedor de um Mercury Prize.
Ao segundo minuto do espetáculo do britânico já eram poucos os que continuavam sentados no anfiteatro natural do recinto, que ganhou movimento com o salto dos milhares de ouvintes após palavras fortes de Sekpta.
O entusiasmo foi tanto, que obrigou mesmo a organização a pedir ao público que parasse de arremessar objetos para o palco. “Mostrem respeito”, pediu a organização. “Respeitem-se uns aos outros”, instou o artista.
A edição de 2018 do Paredes de Coura termina sábado, noite que será marcada pelo regresso dos Arcade Fire à Praia Fluvial do Taboão, agora como cabeças de cartaz, mas também pelas atuações de nomes como os portugueses Dead Combo, DJ Kitten, ou Big Thief.