A doze dias do Natal, no dia em que a cidade celebra 21 anos sobre a elevação do seu centro histórico a Património da Humanidade, a maioria dos comerciantes estão desiludidos com as vendas. Queixam-se da Câmara Municipal e da experiência de cortar o trânsito nas ruas adjacentes ao casco histórico. A iniciativa “Guimarães Cidade Natal” também recebe fortes críticas.
Filipe Caldas, proprietário da Livraria Ideal, na rua da Rainha, não tem dúvidas de que “o problema da cidade de Guimarães começou com a elevação a Património da Humanidade, em 2001”. Para este comerciante, “houve uma orientação da cidade para o turismo, começada pelo antigo presidente da Câmara, António Magalhães”. Filipe queixa-se do Centro Histórico estar a ficar despovoado, “os moradores são despejados e os proprietários instalam alojamentos para turistas”.
Nuno Duarte, da Babini, uma loja de vestuário e calçado infantil, na rua de Santo António, também se queixa de a cidade estar a ser planificada para agradar aos turistas. “Os visitantes não me compram nada, nem a mim nem a nenhuma das lojas do comércio tradicional. Podem gastar algum dinheiro nos bares e nos restaurantes, mas estas ruas não podem ser só bares e restaurantes”, reclama. Filipe Caldas associa-se a este protesto, “só os turistas portugueses é que me poderão comprar um livro, os outros não me trazem nada.
“A Câmara está errada quando aposta tudo no turismo, porque Guimarães é uma cidade industrial, não temos nem nunca vamos ter volumes de visitantes para suportar o comércio, precisamos dos habitantes locais a fazer compras nas lojas de rua”, avalia Nuno Duarte.
Corte experimental do trânsito gera protestos
A Associação do Comércio Tradicional de Guimarães promoveu um inquérito junto dos comerciantes do centro sobre o anunciado fecho da alameda de São Dâmaso, largo do Toural e da rua de Santo António ao trânsito, em que a esmagadora maioria dos comerciantes se manifestou contra a medida (179 contra, oito a favor e dois sem opinião).
Mesmo assim, este mês de dezembro, a Câmara Municipal promoveu o encerramento das referidas artérias, aos fins de semana, entre as 16:00 e as 18:00, a título experimental.
“Natal, época de presentes, e nesse âmbito continua o executivo camarário a presentear o comércio tradicional com decisões unilaterais, mais do que isso, não ouvindo os comerciantes, conforme posição e pedido expresso apresentado, teimando em cortar o acesso ao trânsito, repetindo o já efetuado no fim de semana anterior”, protestam os comerciantes, em comunicado.
“Saída do Mercado Municipal foi um erro”
Filipe Caldas afirma que não é contra o corte do trânsito no centro da cidade, mas com condições que não são as que existem. “Era preciso criar estacionamento subterrâneo na Alameda e no Toural. Isso não foi feito para não prejudicar o ‘shopping’ que se instalou na cidade, causando até problemas no acesso ao hospital”, acusa. Para este comerciante, a falta deste tipo de estacionamento de proximidade “faz com que o centro de Guimarães não tenha lojas âncora – McDonald’s, Bertrand, FNAC, Zara –, como há em Braga”.
Na opinião do livreiro, a retirada do Mercado Municipal do centro da cidade para construir a Plataforma da Artes, na altura da Capital Europeia da Cultura, foi um erro. “Perdemos uma âncora que trazia muitas pessoas de fora da cidade ao centro e que, atualmente, até seria um atrativo para os turistas. Veja-se o que o Porto fez com o Bolhão”, aponta. “Levaram o Mercado para as proximidades do ‘shopping’”, critica.
O proprietário da Casa dos Santos, Joaquim Bastos, não se conforma com o encerramento das ruas ao trânsito. “A experiência destes fins de semana deu para ver que sem carros não há negócio”, afirma perentoriamente. O comerciante queixa-se de que o Município não ouve ninguém. “Tentei falar com o presidente no dia em que inauguraram a árvore de Natal no Toural, mas ele não me quis ouvir”, queixa-se. “Se fecharem realmente o trânsito, tenho de sair daqui. Eu vendo velas do tamanho de uma pessoa. Os clientes vão carregá-las para o parque de Camões?”, questiona.
Joaquim Bastos diz que nunca houve um Natal com tão pouco negócio e, embora reconheça que a meteorologia também não ajuda, põe a maioria das culpas no Município, “pela fraca animação e pelo fecho das ruas”.
Animação de rua não convence os comerciantes
A ACTG também é muito crítica relativamente à animação de Natal e mesmo à iluminação das ruas. “Temos uma cidade cada vez mais “cinzenta”, liderada por um executivo ainda mais cinzento, elitista, que nem as iluminações de Natal consegue colorir, e cuja agenda terá como objetivo acabar com o comércio tradicional de Guimarães”, afirma.
A associação afirma que havia propostas de animação mais completas e com menores custos e crítica a adjudicação deste serviço à associação “Sol no Miral”. “As paradas são pobres, têm poucos figurantes, a casa do Pai Natal é repetida e os carrosséis são pequeninos”, comenta Cristina Faria, presidente da ACTG. A falta de uma pista de gelo é considerada uma das principais limitações desta edição de “Guimarães Cidade Natal”. Segundo Cristina Faria, “havia empresas interessadas em montar pistas de gelo, só pediam eletricidade e a licença para ocupar a via pública, mas foram rejeitadas pelo Município”.
A ACTG queixa-se também da falta de interação entre as iniciativas e o comércio. “Deviam ser distribuídos bilhetes pelos comerciantes, para estes oferecerem aos seus clientes, era o que propunham algumas das pistas de gelo. É esta dinâmica que garante que estes divertimentos atraem pessoas para as lojas”, refere Cristina Faria.
Algumas lojas já vivem sem carros
A loja de decoração Chafarica, na rua de Santa Maria, já há muito que vive sem o trânsito automóvel. “Tem prós e contras”, afirma a proprietária, Raquel Freitas, “por um lado tenho mais turistas, mas acredito que tenho menos vimaranenses”. Os turistas constituem a maioria dos clientes da Chafarica, “na semana passada, com dois feriados no país vizinho, 80% dos nossos clientes foram espanhóis”. Nesta loja, está a vender-se um pouco menos que em 2022. Para Raquel Freitas, esta quebra está relacionada com o facto de “no ano passado as pessoas ainda terem medo de ir aos shoppings e, por isso, fizeram mais compras nas lojas de rua”. A Chafarica tem um canal de vendas online “que também cresceu com a pandemia, mas que agora estabilizou”.
Raquel Freitas lamenta que os vimaranenses não tenham hábito de fazer compras de rua, “como se vê em outras cidades”. A comerciante reconhece o esforço feito pela Câmara com o “Guimarães Cidade Natal”, mas vai dizendo que não há comparação com o que se faz noutras cidades, e dá o exemplo de Vigo.
Júlio Castro, o conhecido alfarrabista do Centro Histórico, diz que “não se vende nada”. O livreiro esforça-se por manter a loja aberta num horário alargado, mas nem assim. “No domingo, estive aqui todo o dia e não entrou um cliente. No sábado, ainda se fez algum negócio de manhã, durante a tarde tivemos o jogo de Portugal e acabou”, lembra. Júlio não vive dos turistas, “além dos brasileiros, ninguém compra livros em português”, mas, ao contrário da maioria dos comerciantes, defende o fecho das ruas ao trânsito. “Penso que vai ser bom, já devia ter sido feito há mais tempo.”
O MINHO procurou ouvir a Câmara de Guimarães sobre as queixas dos comerciantes, mas até ao fecho desta reportagem não obteve resposta.