Na Galiza há um restaurante com duas estrelas Michelin e três estrelas minhotas

Vinhos, sobremesas e design têm um toque português

O restaurante Pepe Vieira, em Raxó, Pontevedra, acaba de receber a segunda estrela do prestigiado guia francês Michellin. É obra do chef Xosé Cannas e das “histórias que confeciona”, mas também tem a mão de três portuguesas do Minho.

Na garrafeira, na pastelaria e no design, Diana Peixoto, Ana Queirós e Catarina Peixoto dão um contributo para o conhecido restaurante galego se colocar num patamar à parte.

A história de Diana Peixoto e Ana Queirós é parecida, ambas tiraram cursos profissionais na área da cozinha, mas acharam que o que tinham aprendido não era suficiente. “Sentia que precisava de saber mais”, explica Ana. Foi por isso que, depois de ter tirado o curso de Cozinha e Pastelaria, na Escola de Tecnologia e Gestão de Barcelos, decidiu seguir para a Escola de Hotelaria e Turismo de Viana do Castelo, para estudar Gestão e Produção de Cozinha.

Diana Peixoto também começou por um curso profissional de Restauração e Cozinha, na Escola Secundária Martins Sarmento, em Guimarães. “Mas percebi, logo no estágio, no restaurante ‘Bucha’, que não tinha perfil para ficar fechada na cozinha. Precisava do contacto com as pessoas”, recorda. Foi assim que, em início de carreira, mudou da cozinha para a sala. Acabou por também ingressar na Escola de Hotelaria e Turismo de Viana do Castelo, com a mesma vontade de saber mais.

Escola de Hotelaria e Turismo de Viana do Castelo foi a rampa de lançamento

A escola vianense foi a rampa de lançamento para as duas portuguesas chegarem ao conhecido restaurante galego. O Pepe Vieira tem um protocolo de estágio com a escola e foi nessa qualidade que as duas entraram na casa.

Diana, a ‘sommelier’ do Pepe Vieira, conta que a sua relação com o vinho começou quando em criança acompanhava a vindima do avô, em Pinheiro, Guimarães. “Lembro-me de ir com ele fazer aquilo que ele chamava virar o vinho”. Durante o curso, em Viana do Castelo, a paixão pelo mundo dos vinhos desenvolveu-se ainda mais na disciplina de Enologia. Viu ali uma oportunidade de continuar a crescer profissionalmente, mantendo o contacto com os clientes.

O estágio de curso no Pepe Vieira permitiu-lhe desenvolver essa paixão que estava a crescer, num restaurante conhecido pela sua extensa carta de vinhos. São mais de 300 referências. “Mas tive que voltar a Portugal, porque o estágio foi a meio do curso e eu ainda tinha disciplinas para terminar”, conta.

Ana chegou ao Pepe Vieira na altura da pandemia e acabou por ter mais sorte. “Alteraram o curso e o estágio acabou por corresponder à parte final. Quando os três meses acabaram, convidaram-me para ficar. Foi maravilhoso, dei o meu melhor, mas nem nos meus sonhos imaginava que seria contratada”, confessa.

Ana Queirós a trabalhar na sala de refeições do Pepe Vieira, onde se confecionam os aperitivos em frente aos clientes. Foto: DR

Durante o estágio, Ana aprendeu com o mestre pasteleiro os segredos da casa. “Muita atenção ao detalhe, não é um grau a mais nem um grau a menos”, recorda sobre esses dias de aprendizagem inicial, “a importância do local de trabalho sempre limpo, da roupa asseada e impecavelmente passada a ferro”, acrescenta. É que no Pepe Vieira, parte da “viagem de degustação” que os clientes são convidados a fazer passa pela cozinha, portanto, o local parece-se mais com um laboratório chique do que com uma cozinha industrial.

Atualmente, Ana é a chef pasteleira, quer dizer que a responsabilidade das sobremesas recai sobre os seus ombros. São coisas tais como a “Manzana que quiso ser un queso Camembert”. O nome sugere uma história e não é por acaso. No Pepe Vieira, os profissionais confecionam em frente aos clientes e à medida que o fazem, explicam o processo, a história do prato e a origem dos produtos.

“É uma maça cozida em cal morta durante três horas, depois leva uma segunda cozedura em lactose. Posteriormente é arrefecida e é-lhe retirado o interior, após o que é mergulhada numa solução do fungo do queijo Camembert. É depois colocada numa câmara de fermentação, para o fungo crescer, durante três dias. Quando sai, é recheada com creme de maça e baunilha e junta-se-lhe uma bolacha. No momento em que servimos, em frente ao cliente, ralamos, por cima, uma trufa de chocolate”, explica Ana, como faria a um cliente.

As histórias são muito importantes

No Pepe Vieira, como se vê, as histórias são importantes, é por isso que a carta de vinhos foi construída à volta da ideia de viagem e dos, sempre presentes na Galiza, Caminhos de Santiago. Voltemos um pouco atrás. Diana, já sabemos que não teve oportunidade de ficar no restaurante quando terminou o estágio, mas passado um ano, “cheia de vontade de sair”, ligou ao chef Xosé Cannas e ele disse-lhe, “ven aquí ahora”. Estávamos em 2019 e ela foi.

Diana Peixoto, a sommelier conta a história trás de cada vinho aos clientes. Foto: DR

Começou por servir às mesas, mas, ainda nesse ano, com a ajuda de Xosé Cannas, foi fazer um master sommelier no Instituto Galego do Vinho. “A partir dessa altura começaram a confiar-me, cada vez mais, as decisões relacionadas com a garrafeira”. Diana diz que foi trabalhoso, mas que o facto de o restaurante já ter uma boa carta, ajudou muito. Claro que, entretanto, a carta ganhou um cunho mais português, com cerca de 50 referências nacionais. “Brevemente, vamos colocar mais Douro, vinho do Pico e Madeira”, adianta.

Ilustrar uma viagem pelos vinhos da Europa a terminar em Santiago de Compostela

Mas a carta de vinhos do Pepe Viera passa um pouco por toda a Europa, à imagem dos Caminhos de Santiago que dos vários cantos do ‘velho continente’ convergem para a Galiza. Foi para contar esta história que mais uma portuguesa se juntou à equipa de Pepe Vieira. Neste caso a designer Catarina Peixoto, que venceu o Prémio Mostra Nacional de Jovens Criadores 2022, e prima da ‘sommelier’ que lhe abriu o caminho até ao chef.

Catarina Peixoto na adega do Pepe Vieira, com a carta de vinhos que criou. Foto: Miguel Pereira

O texto já tinha sido escrito por um conhecido especialista local – Mariano Fisac –, “mas faltava um conceito para apresentar toda aquela informação de uma forma apelativa”, esclarece a designer de Guimarães.

A carta é a história de uma viagem que só pode acabar na Catedral de Santiago. Foto: Miguel Pereira

“O chef queria mapas, porque a ideia de regiões é importante no mundo dos vinhos, mas eram graficamente pesados. A minha tarefa foi torna-los mais ligeiros”, explica. Na verdade, criou uma peça que conta a história de cada vinho remetendo sempre para a ideia de uma viagem que termina na Praza do Obradoiro, com os olhos postos na Catedral de Santiago de Compostela. Lá está, as histórias.

O trabalho da designer minhota agradou e já se estendeu a outras peças, como o livrinho-presente que os clientes recebem (em jeito de caderneta de peregrino). Atualmente, está a trabalhar numa base de copos. Pode parecer um detalhe, mas já vimos anteriormente que, nesta casa, o detalhe é muito importante.

Foto: DR
Parte dos produtos usados na confeção são cultivados na horta do restaurante. Foto: DR

Um restaurante especial que também vai ser hotel

O restaurante Pepe Vieira ganhou a sua primeira estrela Michelin em 2008, na última edição do guia juntou-lhe mais uma e tem também uma estrela verde, premiando o seu compromisso com a sustentabilidade ambiental. O restaurante tem uma grande preocupação com o uso de produtos “quilómetro zero” e parte do seu abastecimento é feito a partir da sua horta de 4.000 m2.

O chef Xosé Cannas é também proprietário do Ultramar, uma taberna descontraída e com preços mais acessíveis, situada num interessante edifício histórico do centro de Pontevedra. Por estes dias, o restaurante Pepe Viera está encerrado para trabalho criativo, mas brevemente, entre 15 e 19 de março, quando reabrir, passará a ter também um hotel com 14 quartos distribuídos em ‘bungalows’ individuais. O objetivo é que os visitantes possam disfrutar da experiência gastronómica sem a pressão de terem que enfrentar a estrada de seguida. Além disso, aproveita a vista deslumbrante do local em que se encontra situado sobre a Ria de Pontevedra.

 
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