Um magistrado do Ministério Público afirma poder haver inconstitucionalidade a inquinar a amnistia papal, porque “o Estado, arbitrariamente, associou-se a critérios meramente religiosos, num Estado que, de resto, é laico, podendo colidir com o princípio da igualdade”.
Para o procurador, existem ainda reservas, quanto ao limite etário de 30 anos da amnistia, pois se a clemência papal se destina às franjas da juventude que cometeram crimes, recorda que, em Portugal, para efeitos penais, só são jovens entre 16 e 20 anos.
O procurador, Miguel Vale, do MP de Bragança, fez essa e outras considerações, tais como a questão da baliza etária dos 30 anos, ao responder ao recurso de uma advogada ao Tribunal da Relação de Guimarães, sobre o perdão da amnistia.
A alegada inconstitucionalidade em razão do limite etário de 30 anos foi suscitada pela advogada bracarense Sónia Magalhães, no processo “Carta Branca”, que correu no Tribunal de Bragança, relacionado com cartas de condução automóvel fraudulentas.
“O legislador entendeu arbitrariamente, associar-se a critérios meramente religiosos num Estado de resto laico, assim, adotando a mesma baliza temporal de 30 anos, o que, estamos em crer, poderá colidir com o princípio da igualdade, consagrado na Lei Fundamental”, só não avançando o MP, para suscitar a questão, por entender que o tipo de crime do recurso não é abrangido.
Como o Código Penal estabelece serem jovens delinquentes os que têm de 16 a 20 anos, “compreender-se-ia que objetivamente o legislador justificasse a discriminação em termos consentâneos com o ordenamento jurídico visto no seu todo, donde se poderia concluir, pois, ser justificada a existência de tratamento desigual”, ainda segundo a perspetiva do magistrado do MP.
“Nessa parte, entende-se que até poderia justificar-se, pelo Tribunal, um pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade da norma, para aquilatar se deve o arguido, excluído em razão da idade, ser considerado para efeitos de beneficiar do perdão, sob pena de violação do princípio da igualdade ou em alternativa, decidir o Tribunal, secundando um ou outro entendimento e assim aplicando ou desaplicando a norma”, diz o procurador do Ministério Público, Miguel Vale, da Comarca de Bragança.
Marcelo já considerou haver “contradição”
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, promulgou então a lei da amnistia, sem prejuízo de avaliação posterior “com objetivo de poder alargar o âmbito sem restrições de idade”, estando em causa o princípio constitucional da igualdade.
Marcelo Rebelo de Sousa salientava “o mérito da amnistia e perdão de penas no contexto da visita do Papa e a larguíssima maioria parlamentar que aprovou este diploma”, mas lamentava, em agosto, que não tivesse entrado imediatamente em vigor.
Marcelo aceitou a amnistia, “não obstante a contradição entre o limite etário para a sua aplicação a crimes, mas sem limite de idade para a sua aplicação a contraordenações, não querendo prejudicar os beneficiários já previstos no âmbito da lei”, afirmou.
“Ainda vou pensar se, no futuro, não vou levantar o problema de se alargar o limite etário, mas isso só será depois das Jornadas Mundiais da Juventude”, referiu então o Presidente aos jornalistas, mas desconhece-se para já qualquer iniciativa nesse sentido.