Marcelo Rebelo de Sousa, recandidato à Presidência da República, invocou hoje os valores defendidos pelo ex-primeiro ministro do PSD, Francisco Sá Carneiro, e pelo Papa João Paulo II, no que diz respeito à luta contra a pena de morte e prisão perpétua, durante debate com o também candidato André Ventura.
No debate televisivo transmitido pela SIC (ver aqui), Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de se demarcar da ideologia de direita do Chega e de André Ventura, invocando ser de “direita social” e não de uma “direita sectária e do medo”. O líder do Chega não gostou e disse que esse tipo de ataques “ficam mal” ao adversário.
O debate começou com Marcelo ao ataque de forma mais ou menos subtil, recordando uma publicação de André Ventura na rede social Twitter, ao final da manhã de hoje, onde levantava alguma suspeição sobre uma possível ausência de Marcelo no debate de hoje face às notícias que o devam em contacto com infetado.
Ele há coincidências (quase) providenciais…
— André Ventura (@AndreCVentura) January 6, 2021
“Hoje a providência divina quis que eu estivesse aqui”, brincou Marcelo, abrindo o debate.
O atual Presidente da República, questionado pela jornalista sobre uma possível ilegalização do partido Chega, disse que os “eleitores escolhem os partidos que existem” e que “líder de partido legalizado tem de ser aceite pela democracia”. “Para a ditadura há os bons e o maus mas na democracia somos todos iguais”, disse Marcelo, afirmando que não fará nada para ilegalizar o Chega caso seja reeleito.
André Ventura agradeceu a intenção de Marcelo mas disse que não se reconhecia na ação e pensamento do atual Presidente, invocando uma “rutura” com o atual sistema do qual acusa Marcelo de fazer parte.
Já Marcelo disse que há uma diferença “importante” entre os dois candidatos: “Representámos direitas diferentes, sou direita social, revejo-me na Igreja no Papa Francisco que tem posições do ponto de vista social que são diferentes de uma direita sectária e do medo”.
Marcelo disse ainda não ser líder partidário nem fazer das presidenciais umas “primárias das legislativas”, ao qual André Ventura interrompeu para dizer que também não era isso que estava a fazer.
Bairro da Jamaica
André Ventura lançou-se ao ataque mostrando uma fotografia de Marcelo com moradores do Bairro da Jamaica, na área metropolitana de Lisboa: “Juntou-se com um bandido que tinha atacado uma esquadra. Foi visitar o bandido e não a policia. A foto foi tirada só com a bandidagem, não com polícias”, acusou Ventura. “Ele diz-se de direita, mas quer andar de mãos dada com a esquerda e depois dá em fotos como esta”, afirmou.
Marcelo voltou a invocar a “direita social” e reforçou que nem todos nos bairros são bandidos. “Ainda ninguém foi condenado, eu fui lá mostrar que o Presidente da República vai a todos os bairros sem ter medo, vai e não discrimina, porque aquele bairro é um caso de injustiça social.
Disse ainda que os líderes de países lusófonos elogiaram a atitude e que isso serviu para que não se criassem barreiras entre as comunidades, mostrando que em Portugal acredita-se na integração. “Não há portugueses puros e impuros. Pode dar votos mas o PR não pode discriminar”, vincou Marcelo.
“Isso não é ser Presidente da República dos portugueses de bem”, respondeu Ventura. “O que fez na Jamaica não tem comparação com chefes de estado estrangeiros. O Presidente da República tem de apoiar quem sustenta Portugal. Muitos destes indivíduos vieram para Portugal para beneficiar do Estado Social”, afirmou Ventura.
Pena de Morte
Marcelo disse depois ser Presidente de todos, até daqueles condenados por crimes. “Por isso não aceito pena de morte ou prisão perpétua. Sá Carneiro e Papa Joao Paulo II eram contra, o Papa perdoou quem o tentou matar, a pena de morte é inaceitável”, disse Marcelo, ‘picando’ alguma da ideologia partilhada por entre o partido liderado pelo adversário.
André Ventura disse compreender as referências, mas “nem Sá Carneiro, nem o Papa” o fariam pensar o contrário, pelo menos no que à prisão perpétua diz respeito.
“Não sou a favor da pena de morte mas sou a favor da prisão perpétua”, disse Ventura, dando como exemplo o sistema penal de outros países na Europa onde a prisão perpétua é adotada, trazendo à discussão casos como o de Pedro Dias, que foi condenado a 25 anos de prisão. “Não quero andar a pagar prisões para os Pedros Dias desta vida virem depois cá para fora”, disse.
Marcelo diz que o argumento “não faz sentido”. “Eu sou católico, e para um cristão é possível a reconversão até ao último segundo. O Papa deu esse exemplo. Sá Carneiro lutou contra a prisão perpétua, é uma conquista de humanidade”, disse Marcelo, acabando com o tema.
“Manipulado pelo Governo”
André Ventura acusou Marcelo de ser “manipulado pelo Governo”, de estar “permanentemente ao lado do Governo” e de dizer que Centeno e Costa deixam um “legado histórico”. “Será que alguém de direita que está bem da cabeça pode votar Marcelo Rebelo de Sousa?”, questionou o líder da direita populista e radical.
“O povo português votou duas vezes numa maioria de esquerda e eu respeitei. Os açorianos votaram maioria de direita nos Açores e eu respeitei. E aí já acha bem? Dá-lhe jeito”, disse Marcelo, contrariando críticas de que deveria ter impedido a formação da “Geringonça”.
“O Presidente vetou quando teve de vetar, na crise da CGD disse o que tinha a dizer do Governo, nos fogos igual, disse que tinha de haver estado de emergência. O Presidente é independente e os portugueses têm compreendido isso”, disse Marcelo.
“Ele [Marcelo] não podia fazer outra coisa nos Açores. Os açorianos é que meteram lá o Chega e disseram que sem Chega não havia maioria, nem para um lado, nem para o outro”, respondeu André Ventura.
Marcelo reforçou estatuto de independência: “Não sou presidente de um partido e candidato a Presidente da República. Não sou líder de facção”.
André Ventura não gostou. “Fica-lhe mal isso. Diz que não veta porque respeita os resultados, mas também está sempre a dizer que António Costa está muito bem”.
Pedrógão
André Ventura voltou a utilizar uma fotografia no debate, desta vez sobre os fogos de Pedrógão Grande. “Reconhece esta fotografia? O senhor Manuel Nascimento morreu sem ver a casa reconstruída”, acusou André Ventura.
Marcelo revelou que a casa do senhor já foi reconstruída e que esteve sempre em contacto com ele até morrer e depois com a família, acusando o argumento como sendo “pura demagogia”. “Você tem coragem de dizer que não houve reconstrução nas aldeias atingidas pelos fogos? Isso é demagogia barata”, acusou Marcelo.
Pandemia
Instado a falar sobre a pandemia, Marcelo relembrou que se trata de um assunto “muito sério”. “Quando chegamos a 10.000 casos, vamos esperar pelo número de amanhã, e vai-se ponderar manter a ideia de estado de emergência ou se é preciso agravar”, admitiu.
André Ventura diz que a gestão da pandemia é “outro exemplo de Marcelo” estar “de mão dada” com o Governo. “O Governo diz que vai libertar reclusos no estado de emergência e um Presidente de direita permite a saída de reclusos enquanto os portugueses estão confinados em casa? É um exemplo de que Marcelo deveria ter dito que não passava”, assumiu Ventura.
Marcelo respondeu com “situação de saúde pública” nas prisões, lembrando que não existiu aumento de criminalidade após libertação desses mesmos reclusos.
Marcelo afastou ainda um cenário de um regime presidencialista, defendido pelo adversário, pois crê que apenas serve para “conduzir à ditadura”. “Houve cinco presidentes no atual regime e resultou muito bem”, disse.
Já André Ventura crê que a eleição presidencialista “é a mais clara de todas”. “A única ditadura que quero é que os portugueses de bem sejam reconhecidos”, finalizou.