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Diversos autarcas de Municípios com direito administrativo sobre o território da Serra d’Arga (Caminha, Ponte de Lima e Viana do Castelo) expressaram nas últimas semanas a vontade de avançar a breve prazo com a constituição da Área de Paisagem Protegida da Serra d’Arga.
Depois do inventário do património ambiental, patrimonial e paisagístico da serra, concretizado, em grande parte, ao abrigo do projeto ‘Da Serra D’Arga à Foz do Âncora’, falta a definição da área que será incluída na futura Área de Paisagem Protegida. Uma questão com mais de dez anos que agora pode chegar ao fim.
A investigadora do Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território – CEGOT, unidade de investigação científica que agrega as Universidades de Coimbra, Porto e Minho, Andreia Amorim Pereira, estuda há mais de uma década a Serra d’Arga e defende que “é crucial refletir sobre os critérios de definição do limite da área a classificar, o qual terá, necessariamente, de extravasar o perímetro da Rede Natura 2000, área que já beneficia de um regime jurídico específico, espelhado no plano sectorial respetivo, e transposto para os demais instrumentos de gestão territorial, designadamente os planos especiais e municipais de ordenamento do território”.
Integração parcial das freguesias de Cabração, Covas e Coura
A geógrafa, doutoranda em gestão de paisagens culturais, defende que a definição do limite da futura Área de Paisagem Protegida da Serra d’Arga deve orientar-se pela articulação de critérios ambientais, histórico-culturais, paisagísticos e socioeconómicos integrando, parcialmente, as freguesias de Cabração, Covas e Coura.
“A ideia é assegurar a continuidade espacial e a coerência ecológica da área protegida, garantindo a conectividade entre habitats; abranger um mosaico paisagístico diversificado, representativo da complexidade da paisagem cultural da Serra d’Arga e incluir núcleos rurais característicos do povoamento serrano, bem como as áreas de exploração agro-pastoril adjacentes, às quais se associam sistemas de regadio, moinhos, caminhos, muros de divisórios e de suporte, socalcos tradicionais, espigueiros e eiras, entre outras estruturas de apoio, que constituem no seu conjunto um valioso património ecossociológico e integrar espaços onde atuam processos de degradação ambiental e paisagística, especialmente as áreas ciclicamente atingidas por incêndios florestais e as áreas mais ameaçadas pelo avanço de espécies exóticas invasoras”.
Este entendimento mais abrangente da área a classificar como paisagem protegida de interesse regional propõe que o traçado dos seus limites seja definido pela conjugação entre os alinhamentos naturais que individualizam as unidades de relevo, como sejam o vale dos rios, barreiras artificiais, como as vias de comunicação, os contrastes paisagísticos e de uso do solo e a aptidão funcional de cada parte da serra.
Deste modo, no concelho de Caminha, seria integrada no perímetro de classificação, a união de freguesias de Arga de Cima, Arga de Baixo e Arga de S. João, a freguesia de Dem, a união de freguesias de Gondar e Orbacém, a freguesia de Amonde e a metade nascente da freguesia de Argela, sendo o limite Noroeste estabelecido pelo traçado da autoestrada A27.
A fronteira Norte é delimitada pelo vale do rio Coura, sendo assim incluída na futura área de paisagem protegida a parte sul da freguesia de Coura, concelho de Paredes de Coura, e da freguesia de Covas, concelho de Vila Nova de Cerveira.
Áreas em Viana do Castelo
No concelho de Viana do Castelo, a investigadora propõe a inclusão das freguesias da Montaria, a união de freguesias de Nogueira, Meixedo e Vilar de Murteda e a parte norte da freguesia de Lanheses, coincidindo o limite sul com a extensão máxima da Rede Ecológica Nacional até ao confronto com a autoestrada A27.
“O prolongamento do limite da futura Paisagem Protegida neste sector até ao sopé da Serra d’Arga, atingindo cotas na ordem dos 50 metros de altitude, visa potenciar a continuidade ecológica com a Área Protegida das Lagoas de Bertiandos e São Pedro d’Arcos e, simultaneamente, facilitar o acesso ao espaço de montanha por dois canais de comunicação naturais: o vale do rio Estorãos e o vale da ribeira da Silvareira”.
A proposta deste limite sul também traduz a transformação da paisagem resultante da especificidade das características morfológicas, ecossistémicas e funcionais da veiga do rio Lima. Por outro lado, a integração da vertente serrana em toda a sua extensão assegura a presença dos diferentes níveis de escalonamento altitudinal da paisagem, contribuindo assim para uma equilibrada representação do mosaico paisagístico da Serra d’Arga.
O limite ocidental acompanha a vertente oeste do vale da Ribeira de Nogueira, que estabelece a divisão entre a Serra d’Arga e o Monte de São Silvestre/Monte da Aguieira.
Segue, tomando a direção norte, pela linha de cumeada da elevação toponimicamente designada por Serra de Amonde, que corresponde sensivelmente ao limite administrativo da freguesia de Amonde.
Inflete, descendo a encosta noroeste desta elevação, na direção da Ponte da Sains, a partir da qual o limite acompanha a estrada florestal que passa nos lugares de Chã da Candosa e Alto da Peneda, na linha de festo da Ribeira de Gondar, até encontrar a autoestrada A27, como já referido.
“A depressão estrutural que se desenvolve entre Gondar e Amonde acompanha um importante alinhamento de falha com uma orientação nor-noroeste–su-sudeste, que condiciona a hidrografia local, correspondendo a uma área de grande fertilidade agrícola”.
Ponte de Lima deve incluir Cabração
No concelho de Ponte de Lima, propõe-se a inclusão da parte meridional das freguesias de São Pedro d’Arcos e Estorãos, a norte da autoestrada A27, e a união de freguesias de Cabração e Moreira do Lima.
O limite oriental da área proposta segue o vale do Rio Estorãos, com inclusão da área de Reserva Ecológica Nacional ao longo das suas margens e, na continuidade deste alinhamento, o vale do Ribeiro do Formigoso, que passa na aldeia de Cabração. Segue pela linha de cumeada da elevação localmente designada por Serra da Lousada, coincidindo com a divisão administrativa da freguesia de Covas, até ao rio Coura.
A investigadora considera “redutora e redundante” se a área a classificar se ficar pelo que está definido na ‘Rede Natura’: “a área abrangida pela ‘Rede Natura’ já está regulamentada pelo que é redundante classificá-la.”.
Andreia Amorim Pereira vai mais longe: “a gestão da paisagem em territórios rurais de baixa densidade, como a Serra d’Arga, é uma necessidade premente, em resultado do incremento do risco de perda do património ambiental, histórico-cultural e paisagístico associado às comunidades rurais tradicionais” bem como “da degradação paisagística dos espaços agro-silvo-pastoris”.
Lítio
Estão inseridas nesta proposta de delimitação diversas áreas que foram alvo de pedidos de prospeção de lítio, suscitando questões sensíveis quanto à gestão de conflitos de usos e da compatibilidade da exploração de minério com os objetivos de preservação e valorização ambiental e paisagística de uma área protegida.
Depreende-se da proposta de Andreia Amorim Pereira que o alargamento da área a classificar tornaria muito difícil qualquer exploração de minério na Serra d’Arga.
“Sou contra qualquer exploração de minério pelos inevitáveis impactos ambientais e de degradação paisagística durante o período de concessão de exploração e pela ausência de certezas quanto à condução do processo de restauro de ecossistemas e reabilitação da paisagem após a cessação da exploração. De igual modo, é conhecido o elevado risco de contaminação de recursos hídricos e, por inerência, dos solos”.
Questões cruciais
A investigadora manifesta a sua preocupação relativamente ao risco de insucesso dos objetivos de gestão da futura área de paisagem protegida da Serra d’Arga se a proposta de classificação em preparação “não souber compreender esta unidade territorial como um continuum biogeográfico, ecossociológico e paisagístico interdependente”.
Salienta que “a gestão dos riscos decorrentes da estrutura da propriedade rústica, das características da exploração agrícola, da inadequada gestão silvícola, do abandono rural e do pastoreio desordenado requer a implementação de um plano de gestão ativa num perímetro mais amplo do que o atual limite do Sítio de Importância Comunitária Serra d’Arga”.
Por isso, ressalta que a própria preservação dos valores ambientais existentes na área presentemente integrada na Rede Natura 2000 “pode ser posta em causa pela continuidade territorial dos fatores e processos de risco: nas dinâmicas ambientais não existem fronteiras estanques”.
As preocupações de Andreia Amorim Pereira são evidentes ao alertar “para as consequências negativas de excluirmos dos limites da futura área de paisagem protegida as aldeias serranas e os espaços de produção agro-silvo-pastoril associados”.
E apresenta quatro motivos: ”a génese dos processos de risco encontra-se nos espaços de produção, em exploração ou não, não sendo possível mitigar os riscos de incêndio, erosão e perda de biodiversidade, sem a implementação de um plano de gestão destas áreas; o património construído, incluindo a arquitetura vernacular ou popular tradicional, é parte fundamental da paisagem cultural da Serra d’Arga; os sistemas tradicionais de produção agro-silvo-pastoril e de regadio constituem um património cultural em risco e a atratividade turística da Serra d’Arga a médio/longo prazo carece da gestão integrada de todos os valores que dão forma à sua paisagem cultural e que lhe conferem especificidade”.
Aliás o seu potencial enquanto destino de turismo de natureza, turismo rural e touring cultural e paisagístico reside no território serrano no seu conjunto e não exclusivamente no Sítio de Importância Comunitária Serra d’Arga.
Gerir, preservar e valorizar
A constituição da Paisagem Protegida irá despoletar a criação de uma estrutura técnico-política e a operacionalização de um plano de gestão intermunicipal assegurando, deste modo, a persecução de uma estratégia de valorização do território comum de médio/longo prazo.
A investigadora defende que a área a classificar deverá criar mais valor para os territórios e populações envolvidas, nomeadamente, “no restauro de áreas florestais e arbustivas degradadas, na organização, diferenciação e promoção da oferta turística, na valorização de mercado de produtos da agro-silvo-pastorícia tradicional”.
Porém, Andreia Pereira lembra que “não é no núcleo granítico central da Serra d’Arga onde, à exceção dos pastores, se encontram as populações, as forças vivas de modelação da paisagem e os agentes produtivos. É fundamental envolver os habitantes locais, integrar as áreas onde se encontra a oferta de alojamento, os restaurantes, os artesãos ou os agentes turísticos”.
Na Serra d’Arga foi realizado pela investigadora um inventário sistemático georreferenciado dos vestígios arqueológicos e históricos das diferentes fases de ocupação do território que permitiu interpretar numa escala de maior detalhe os processos de evolução da paisagem cultural.
Este trabalho, associado à análise correlacionada de características do relevo, litologia, tipo de solos, coberto vegetal e uso do solo, resultou na caracterização de quatro unidades da paisagem cultural, que se desagregam em onze subunidades, que serviram de base à fundamentação da proposta de limites da área a classificar como paisagem protegida de âmbito regional.
“Unidade pastoril superior, corresponde ao núcleo granítico central que compreende o planalto d’Arga; unidade agro-pastoril serrana, que integra diversas rechãs que se desenvolvem entre os 500 e os 300 metros de altitude; unidade florestal e matos de média vertente, que se estende entre os 400 e os 200 metros de altitude, sendo constituída principalmente por povoamentos florestais de eucalipto e pinheiro, bem como por povoamentos mistos e matos arborescentes e a unidade de agricultura de baixa altitude e fundo de vale, ocupando vertentes com cota inferior a 200 metros e áreas de planície aluvial.
Projeto ‘Da Serra D’Arga à Foz do Âncora’
Os três municípios desenvolveram, entretanto, um projeto que incide sobre o território classificado como Sítio de Importância Comunitária da Rede Natura 2000 Serra d’Arga, correspondendo a uma área com 4.493 hectares, totalmente inserida na sub-região do Alto Minho, e cuja conservação florística e faunística é imperativa”.
A classificação daquele território como Área Protegida de âmbito regional pretende “reforçar o seu caráter único enquanto ativo territorial e produto turístico emergente”.
O projeto intermunicipal implicou um estudo entre o vale do Âncora e o maciço serrano, que incluiu o levantamento das espécies existentes. O estudo permitiu ainda fazer “o levantamento do património construído, mais de 600 exemplares, entre igrejas, cruzeiros, alminhas, moinhos, fontanários”.
A investigação no âmbito de uma candidatura dos três municípios a fundos do Norte 2020, no valor de 350 mil euros.
Foram efetuados atlas da flora, fauna e geologia, o inventário do património material, trilhos suportados por novas tecnologias através de uma aplicação móvel (app), um vídeo promocional e um documentário, reunidos numa página na Internet criada para o projeto.