O arquiteto Alfredo Machado, técnico superior da Câmara de Terras de Bouro, foi provisoriamente ilibado pelo juiz de instrução criminal de Braga dos crimes de violação de regras urbanísticas por funcionário e de abuso de poder, com eventual pena acessória do exercício de funções públicas, mas será julgado noutro processo por factos idênticos.
Entretanto, o mesmo magistrado entende que devem ser demolidas duas moradias, uma das quais mesmo ao lado da mansão de Cristiano Ronaldo, sita na famosa zona do Agrinho, no lugar do Assento, da freguesia de Valdosende, concelho de Terras de Bouro.
Isto porque, entende o juiz, aquela vivenda, propriedade do empresário bracarense Maurício do Lago e Silva, que será agora julgado no Tribunal Criminal de Vila Verde, legalmente nunca deveria ter sido ali construída, nem os respetivos muros e novos acessos, por situar-se numa zona de especial proteção da Albufeira da Caniçada dentro do Parque Nacional da Peneda-Gerês, ofendendo-se a Reserva Agrícola Nacional (RAN) e Reserva Ecológica Nacional (REN).
Alfredo Machado, 54 anos, de Braga, sem antecedentes criminais, será julgado, brevemente, num outro processo, pelo Tribunal Criminal de Braga, num dos casos relacionados com o esquema das falsas pré-existências, em que se simula ter havido construções antigas, de modo a erigir moradias de luxo, em áreas muito sensíveis protegidas do Parque Nacional da Peneda-Gerês e já salvaguardas pelo Plano de Ordenamento da Albufeira da Caniçada.
Em ambos os processos, o arquiteto que, à data dos factos, exercia funções na Divisão de Obras Municipais do Município de Terras de Bouro, mas integrando agora o Serviço de Obras Particulares, negou sempre qualquer ilicitude da sua parte, isto desde que passou a arguido, depois de numa fase inicial ter sido ouvido, ainda como testemunha, na Polícia Judiciária de Braga.
Num dos dois processos, o arquiteto foi definitivamente pronunciado, isto é, será julgado, efetivamente, enquanto no segundo caso, tendo sido ilibado, provisoriamente, depende já da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, para onde o Ministério Público vai recorrer do despacho de não pronúncia/arquivamento.
Em causa estão os crimes relacionados com as chamadas pré-existências, isto é, simular que existiam construções antigas, onde agora é proibido edificar, para contornar a lei, que até 1979 permitia construir, sem licenças prévias, passando então a valer ainda os direitos adquiridos. Ou seja, conferindo capacidade construtiva em zonas protegidas pelo Plano de Ordenamento da Albufeira da Caniçada e dentro do Parque Nacional da Peneda-Gerês, em muitos dos casos utilizando-se montagens fotográficas, como se tivesse havido antes do ano de 1979 (quando entrou em vigor o Regulamento Geral das Edificações Urbanas de Terras de Bouro) construções ou ruínas, o que por si só permite logo construir novas moradias onde caso contrário era proibido.
Ex-presidentes de junta aguardam recurso
Na mesma situação estão os anteriores presidentes das Juntas de Freguesia de Rio Caldo (Serafim Silva Alves) e de Valdosende (João Paulo Araújo), ambos acusados dos crimes de falsificação de documentos, que aquele mesmo juiz entendeu não levar a julgamento, contrariamente a um despacho de acusação, do procurador da República, Roberto Ismael Braga, o mesmo magistrado do Ministério Público, que acusou os arguidos pelo processo ‘irmão’ de Vieira do Minho, que começarão a ser julgados, muito brevemente, em Braga.
Aliás, o único arguido comum a ambos os processos, o de Vieira do Minho e o de Terras de Bouro, o arquiteto Duarte Barros, de Fafe, será levado a julgamento no primeiro caso, mas para já ilibado neste segundo caso pelo alegado crime de falsificação de documentos, as duas acusações proferidas pelo mesmo procurador da República, para situações iguais.
Perante a disparidade de decisões judiciais, em que no processo de Vieira do Minho vão todos ser submetidos a julgamento e no de Terras de Bouro, só serão, à partida, julgados três dos treze arguidos, avançará o recurso do Ministério Público para o Tribunal da Relação de Guimarães, pedindo que sejam julgados os treze.
Neste último caso ficaram para já de fora do julgamento, além do arquiteto camarário de Terras de Bouro, Alfredo Machado, os autarcas locais, Serafim Silva Alves e João Paulo Araújo, o arquitetos Duarte Barros e José Monteiro, assim como os proprietários de casas ilegais e clandestinas, Henrique Reis, Nuno Oliveira e José Martins, além de dois outros, mas estes só por prescrição criminal, Vasco Pacheco de Couto e António Neves Pinheiro.
Os dois arguidos a serem julgados, no Palácio da Justiça de Vila Verde são os empresários Maurício do Lago Silva e Pedro Pacheco de Couto, ambos pelos crimes de violação das regras urbanísticas, bem como a empresa Telhabel, de Famalicão, detida por este último arguido, sendo a moldura penal prevista para esses mesmos delitos até três anos de prisão, no processo de Terras de Bouro, enquanto no processo de Vieira do Minho o julgamento será em Braga e já não por um Tribunal Singular (um juiz em Vila Verde), mas por um Tribunal Coletivo (três juízes em Braga), dado que as penas abstratamente previstas serão maiores para o caso da margem esquerda do rio Cávado (Vieira do Minho) do que para o mesmo tipo de criminalidade cometida na margem direita (Terras de Bouro) da Caniçada.
Em 43 edificações só uma foi legal
O megaprocesso de cariz criminal teve por base um trabalho no terreno da Inspeção Geral dos Ministérios do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia e da Agricultura e do Mar (IGAMAOT), com o apoio de uma embarcação baseada na GNR de Terras de Bouro.
É que segundo a IGAMAOT, das 43 operações urbanísticas, realizadas entre 2008 e 2017, na zona duplamente protegida da Albufeira da Caniçada, integrada pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês, apenas uma única cumpre os requisitos legais aplicáveis em matéria de ordenamento do território, pelo que se impunham as sanções administrativas e criminais, face ao incumprimento generalizado do Plano de Ordenamento da Albufeira da Caniçada cuja abrangência territorial integra os Municípios de Terras de Bouro e Vieira do Minho.
No município de Terras de Bouro, a IGAMAOT avaliou 24 construções – todas ilegais –e 13 das quais no Parque Nacional da Peneda Gerês, sendo que metade das intervenções são habitações, cinco dizem respeito à consolidação ilegal de edifícios em domínio hídrico para apoio de praia e desportos náuticos e sete para o apoio a atividades económicas.
A Inspeção Geral concluiu que as construções provocaram impactos na paisagem e no meio hídrico através da movimentação de terra, da abertura de acessos e da construção de muros de vedação e suporte, sendo que entre as operações urbanísticas avaliadas em Terras de Bouro, apenas seis foram precedidas de controlo prévio e quatro foram mesmo construídas à revelia dos projetos aprovados.
A IGAMAOT concluiu igualmente que “nenhuma das operações urbanísticas objeto de análise cumpriu com as exigências respeitantes aos regimes de salvaguarda e de gestão do POAC, ou ainda, com as regras de ocupação, uso e transformação do solo decorrentes das demais disposições legais aplicáveis”.
Em Vieira do Minho, o relatório da Inspeção Geral avaliou 19 construções, das quais apenas uma cumpria as normas relativas aos regimes de salvaguarda e gestão do POAC. A maioria das intervenções urbanísticas são também habitações, existindo ainda três edifícios licenciados para o apoio à agricultura, isto apesar de dois não o aparentarem, segundo a IGAMAOT, um edifício de uso desconhecido, muros de vedação e de suporte e um clube náutico, tendo sido detetadas 15 obras sem controlo prévio ou construídas à revelia dos projetos aprovados.