Ângela Amorim Costa, 38 anos, é de Viatodos, freguesia do concelho de Barcelos. Percebeu que queria ser investigadora no ensino secundário e graças à leitura das revistas Super Interessante. E assim foi. Hoje é investigadora do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S). Recentemente, o seu trabalho na área do cancro do cólon foi distinguido internacionalmente. O seu projeto de investigação foi um dos quatro contemplados – o único português – pela empresa NanoString, através do seu programa de bolsas, na primeira edição do prémio em sinalização celular em tumores.
A notícia foi recebida “com muita alegria”, porque significa ter dinheiro para “reagentes extremamente caros para experiências de investigação”, os quais “permitem avançar com a nossa linha de investigação, e potenciar a descoberta de dados importantes que futuramente direcionem os nossos estudos”.
“Para além disso, a nível pessoal é bom para o currículo, o que é importante porque o nosso salário está também ele sempre dependente de avaliação de resultados e de concursos supercompetitivos”, acrescenta Ângela Costa.
A investigadora aponta que, “para que se possa fazer trabalho científico, é preciso financiamento, e arranjar esse financiamento é da responsabilidade dos cientistas”.
Ora, “esta situação implica que muito do tempo de trabalho seja dedicado a escrever projetos que tenham valor científico, para concorrerem a programas de financiamento nacional e internacional, num ambiente extremamente competitivo. Para além dos concursos para projetos científicos organizados por entidades oficiais como a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), há por vezes também concursos organizados por empresas, como foi neste caso”.
Impacto da hipoxia no comportamento das células tumorais
O projeto intitulado The impact of hypoxia on the anti-colon cancer immune response: potential implications to immunotherapy, explica a investigadora barcelense, “começou a ser executado no mês passado, e ainda está numa fase muito inicial de otimização das condições experimentais”.
“Depois desta fase vamos fazer a análise, que é efetivamente o prémio, e a partir daí ver que conclusões se podem tirar do estudo”, acrescenta, esclarecendo que o estudo pretende perceber como “a hipóxia [baixos níveis de oxigénio] afeta o comportamento das células tumorais e de que maneira isso tem impacto nas células imunes”.
Desenvolvendo: “Na área dos tratamentos do cancro há agora uma alternativa muito promissora chamada imunoterapia, que consiste em fazer com que o sistema imune da pessoa reconheça o cancro como sendo uma entidade externa, como por exemplo uma bactéria ou um vírus e o ataque como faria nesses casos. No entanto, enquanto que nos casos dos tumores líquido (leucemias e linfomas) os resultados foram muito bons, no caso dos tumores sólidos, como o cólon, as coisas não têm funcionado tão bem. E uma das particularidades dos tumores sólidos é que devido à rápida proliferação das células, que não é acompanhada pelo crescimento de vasos sanguíneos funcionais, se cria um ambiente pouco oxigenado, hipóxico, que se sabe que altera o funcionamento quer das células malignas, quer das células normais que se encontram no microambiente do tumor, como as células imunes. Esta situação pode afetar a maneira como estes tumores respondem à imunoterapia”.
Ainda não se sabe muito a este respeito, “nomeadamente quais os mecanismos moleculares que podem estar implicados”, portanto, “esclarecer de que forma esta característica dos tumores sólidos – a hipóxia – afecta o comportamento das células tumorais e de que maneira isso tem impacto nas células imunes é de importância fulcral, para que se entendam quais os pontos fracos do cancro onde se pode atacar, de maneira a que a imunoterapia seja efetiva”.
“Com este projeto, e usando o cancro do colon como modelo, vamos analisar as diferenças de comportamento das células tumorais e imunes num contexto de níveis de oxigénio normais e hipóxicos, com esperanças de encontrar diferenças que nos permitam explicar a falta de resposta da imunoterapia, e dessa forma saber por onde se deve atacar o problema”, afirma a investigada de Viatodos, freguesia onde viveu “a maior parte” da sua vida e ainda reside.
“Sempre frequentei escolas públicas, é motivo de grande orgulho”
Ângela Costa estudou em Viatodos até ao 9.º ano, depois fez o secundário na Escola Secundária Camilo Castelo Branco de Famalicão (“para uma pessoa de Viatodos, Famalicão fica a metade da distância de Barcelos”) e concluiu a licenciatura pré-bolonha de Bioquímica na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, no ramo de Bioquímica Aplicada.
“Sempre frequentei escolas públicas, o que para mim é um motivo de grande orgulho”, destaca.
O seu percurso profissional foi todo ele dedicado à investigação científica. Depois de fazer estágio curricular de Bioquímica na Faculdade de Farmácia da Universidade Complutense de Madrid, no programa Erasmus, começou a concorrer a bolsas de investigação em Portugal.
“Tive então a oportunidade de ir trabalhar no IPATIMUP, no Porto, onde acabei por fazer o doutoramento, em colaboração com o Instituto Max-Planck da Biologia da Infecção, na Alemanha. Já como pós-doc fui trabalhar para a Universidade do Minho, para o ICVS”, conta.
Entretanto, chegou a crise económica e, “tal como muitos outros cientistas”, ficou desempregada. “Uma situação bastante crítica, pois como bolseira de investigação não temos direito a subsídio de desemprego”, recorda, notando que, nesse período, ainda teve “a sorte de poder trabalhar em bolsas de curta duração na FEUP e no ICVS”.
A partir do final de 2015, e depois de conseguir uma bolsa no concurso nacional da FCT, foi trabalhar para o i3S no Porto, onde permanece.
“Na altura em que comecei a ler a revista Super Interessante percebi que queria trabalhar em investigação”
Ângela Costa recorda que “foi no secundário e na altura em que [começou] a ler a revista Super Interessante” que percebeu que “queria trabalhar em investigação”.
“Não sabia em que área, mas sabia que aquela coisa de estar num ambiente de equipa, a pensar num problema, nos seus porquês e nas soluções era por onde devia ir”, lembra a investigadora. “Como gostava muito de Química e de Biologia, e não sabia de qual gostava mais, acabei por ir para Bioquímica, um curso que sabia estar ligado a diversas áreas de investigação”.